quarta-feira, 9 de maio de 2018

Voltar ao mesmo (20): Privilégios corporativos

1. Só agora me dei conta de um relatório de um grupo de trabalho ad hoc sobre a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), noticiado AQUI, que propõe o regresso do seu financiamento através de uma participação nas taxas de justiça, contribuição que foi extinta, e bem, em 2008.
Tendo o referido grupo de trabalho representantes das profissões interessadas, não admira tal proposta, mesmo tratando-se de decisão em causa própria e em benefício próprio. Mas, tal como antes, continuo a considerar inaceitável tal solução. O sistema de segurança social privativo dos advogados e solicitadores deve ser financiado exclusivamente pelas contribuições dos seus beneficiários, não existindo nenhuma razão para que os cidadãos comuns, que têm de utilizar o sistema de justiça sejam financiadores daquele sistema de segurança social profissional. Por definição, as taxas de justiça servem para financiar o sistema de justiça, que bem precisa dessa fonte de financiamento.
Espero obviamente que o Governo, e em especial os ministros da Justiça e das Finanças, vete esta interesseira proposta.  Mais uma vez se prova que as corporações profissionais são insaciáveis quando se trata de abancar à mesa do orçamento.

2. Há muito que defendo que a CPAS - oriunda da regime corporativo do "Estado Novo" -, não tem base constitucional, pois a CRP prevê um sistema público unificado de segurança social, para toda a gente, sem prejuízo naturalmente de sistemas complementares voluntários e autofinanciados. O que não pode haver, desde logo por exigência do princípio da igualdade, é um subsistema público de base profissional, à maneira corporativista, à margem do sistema geral de segurança social, que é universal.
Seja como for, se os advogados e solicitadores pretendem manter esse sistema privativo em regime de autogoverno e autoadministração, com as vantagens inerentes, têm de assegurar também o autofinanciamento e a sustentabilidade financeira das suas pensões e outras prestações sociais, como é próprio dos sistemas contributivos, sem beneficiarem de financiamento público externo, desviado das taxas de justiça. Autogoverno profissional com heterofinanciamento é privilégio. Ubi commoda, ibi incommoda! 
Não pode haver lugar, nesta matéria (nem em qualquer outra), para privilégios corporativos, que nenhuma outra profissão tem, nem pode ter.