domingo, 4 de junho de 2017

Greve de juízes?


1. Para além de não ter base constitucional nem legal - pois os juízes não são trabalhadores por conta de outrem (muito menos trabalham sob instruções de outrem), mas sim titulares de cargos públicos (aliás, titulares de um órgão de soberania) -, a greve anunciada pelo (pouco representativo) sindicato dos juízes é muito pouco consentânea com a própria dignidade da função judicial.
Mas se há juízes que se dispõem a autoassimilar-se a trabalhadores assalariados para recorrerem à greve, talvez seja de recordar que um dos instrumentos de que o Estado dispõe para combater greves que ponham em causa interesses públicos essenciais é o da requisição civil, com as inerentes sanções disciplinares e penais para quem não acatar as respetivas obrigações. Não seria propriamente edificante para a imagem social dos juízes envolvidos.

2. Penso que esta ameaça de greve não pode ser encarada de ânimo leve pelo Governo, tanto mais que ela visa explicitamente perturbar o processo eleitoral das autarquias locais.
Além de não dever manter qualquer contacto com o sindicato - até porque as condições do exercício de cargos públicos não devem, por princípio, ser objeto de negociação sindical nem coletiva - e de não ceder à chantagem sindical, o Governo deve tornar claro, desde o princípio, que não tolerará nenhuma perturbação concertada da atividade judicial e que não hesitará em tomar todas as medidas legalmente disponíveis para a evitar e para fazer sancionar os responsáveis, se ela ocorrer.
Sendo juíza-conselheira do STJ, a ministra da Justiça tem nesta circunstância uma dupla responsabilidade: (i) assegurar sem hesitações a autoridade do Estado e a prevalência do interesse público e (ii) salvaguardar a dignidade da função judicial, posta em causa pelo indecoroso radicalismo sindical.

Adenda
A greve de juízes seria tão bizarra como a "greve" de quaisquer outros titulares de cargo público, seja de órgãos de soberania (PR, Governo, deputados) ou não (membros de órgãos de governo das regiões autónomas ou do poder local, reguladores e gestores públicos, reitores universitários, etc.). Onde não há relação laboral, não há lugar para greves.

Adenda 2
Mesmo na hipótese improvável de uma medida que atentasse contra a independência judicial - que tivesse conseguido passar pelo crivo do PR e do TC e a natural oposição do CSM -, não há nenhuma razão para uma greve, havendo um meio muito mais expedito e eficaz, que todos os juízes têm, que seria recusar a sua aplicação por inconstitucionalidade.