quarta-feira, 7 de junho de 2017

Greve de juízes? (IV)

1. Pelas razões aduzidas em post anterior, considero um erro grave a decisão governamental de negociar com o sindicato dos juízes o estatuto da magistratura judicial, com se ele fosse o representante legítimo da "classe" e se tratasse de uma normal negociação coletiva das condições de trabalho entre entidade empregadora e sindicato. Para mais, sob ameaça abusiva de uma greve ilícita!
Oportunisticamente, o PSD resolveu ajudar à festa, chamando o sindicato ao Parlamento, partidarizando o assunto e elevando o estatuto político daquele. Abyssus abyssum! Governo e oposição convergem alegremente para a degradação do estatuto institucional e da reputação pública dos juízes.

2. Penso que a maior parte dos juízes, que se consideram acima de tudo como titulares de um nobre cargo público, para além de não serem filiados no sindicato e rejeitarem a representação sindicalista (considerando como seus únicos representantes institucionais legítimos os membros eleitos do CSM), não aceitam a visão laborística da sua função e a negociação coletiva do seu estatuto, com greves à mistura e tudo, como se se tratasse de um contrato coletivo de trabalho relativo a funcionários públicos.
É evidente que os juízes, como protagonistas da função judicial, não se consideram constitucionalmente equiparáveis aos agentes do Ministério Público nem aos funcionários judiciais.

Adenda
Um leitor aduz como argumento a cultura do "diálogo social" no atual ciclo político. Concordo com a vantagem e a necessidade da "democracia participativa" na tomada de decisões políticas. Mas uma coisa é ouvir e levar na devida conta todas as posições relevantes, outra coisa é atribuir o papel de interlocutor privilegiado a quem não tem a mínima legitimidade representativa para o efeito e negociar institucionalmente e quiçá estabelecer um acordo com ele. Além disso, receio sempre que a "cultura de diálogo com todos" se traduza, como já sucedeu no passado, numa política de renúncia à autoridade do Estado e de "cedência a todos os interesses setoriais" à custa do interesse geral e dos contribuintes (que não têm sindicato nem fazem greve).