sábado, 20 de maio de 2017

Requiem pelo "semipresidencialismo"


A pronta nomeação e entrada em funções de um novo governo francês logo a seguir à tomada de posse do novo Presidente mostra exuberantemente que em França são as eleições presidenciais que determinam o ciclo governativo, pondo termo ao mandato do Governo em funções e levando à nomeação presidencial de outro e à sua plena entrada em funções, sem passagem pelo Parlamento (que só vai ser eleito daqui a um mês), retirando a sua legitimidade política exclusivamente da nomeação e da confiança presidencial.
Isso mostra a enorme diferença entre o sistema de governo francês, com uma forte componente presidencialista, e o português, onde tal não sucede. De facto, em Portugal, como se sabe, são as eleições parlamentares que determinam a substituição de governo - tendo o Governo de apresentar o seu programa à AR -, não tendo as eleições presidenciais nenhum efeito sobre o governo em funções, pelo simples razão de que o Governo só depende da confiança política do Parlamento, e não do Presidente.
Não será altura de abandonar definitivamente entre nós a noção de "semipresidencialismo", que só pode causar equívocos, por colocar o nosso sistema político na mesma categoria que o francês, afinal tão diferente?

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Quando a Etiópia se revoltar, toda a África estremecerá

"In Ethiopia, two days ago, Yonatan Tesfaye, spokesperson for the opposition Blue Party, was declared guilty of encouraging terrorism, facing imprisonment up to 20 years, for comments he made on Facebook.
Last November, Dr Merera Gudina, the Oromo opposition leader, was arrested and tortured upon his return to Ethiopia under terrorism charges. For the "crime" of participating in a public hearing, here at the European Parliament, with Dr. Berhanu Nega, another opposition leader democratically elected in 2005, then sent to jail, now in exile and deemed a terrorist. Thousands political prisoners languish in jail in Ethiopia.
Jailed by a totalitarian government never elected, the last farcical "election" emulating North Korea, putting the ruling party to win by 100 % votes...
This violation of human rights in Ethiopia is systematic and aggravated under the state of emergency. Excessive force against peaceful demonstrators, massacres as in Irreecha, brutalizing victims of the garbage dump landslide last March, brutal repression against the Oromo community and other ethnic groups, arbitrary arrests, torture, killings, terrorism charges against those daring to dissent.
In this resolution we call on the EU High Representative to mobilize EU Member States to support a UN led international inquiry into the killings in Ethiopia.
Commission and Council must stop the pretense that they deal with a respectful government in Ethiopia to justify wasting piles of EU tax payers money as development aid, security assistance or the "migration compact". They are in fact assisting a corrupt dictatorship which rules by terror, thus fueling rebellion and insecurity. Ethiopia is, indeed, strategic: when Ethiopians revolt, all Africa will tremble."

(Minha intervenção hoje, em debate plenário no PE, sobre a situação dos direitos humanos na Etiópia. Feita em inglês, tendo em atenção os principais interessados: os corajosos etíopes que resistem  contra a ditadura, no interior do país e na diáspora).

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Mudar o sistema político?


1. Embora tenhamos um sistema democrático em funcionamento sem sobressaltos há mais de quatro décadas - o que é inédito na nossa história constitucional -, isso não demove o impulso regular para ambiciosas reformas político-constitucionais, mesmo quando a sua viabilidade é escassa ou nula.
O facto de nenhuma das propostas referidas por Manuel Braga da Cruz no livro apresentado nesta entrevista ao Público ser inédita (sistema eleitoral misto, eleição indireta do PR, moção de censura construtiva, condicionamento da dissolução parlamentar, criação de um senado) não lhes retira o eventual mérito que tenham. Mas revela que apesar de recorrentemente propostas ao longo dos anos, nunca elas obtiveram o grau de apoio suficiente para as transformar em reformas.
De resto, quase todas precisariam de prévia revisão constitucional, o que não é um produto com muita oferta hoje em dia, e duas delas (nomeadamente a eleição maioritária separada de metade dos deputados, se não mesmo a eleição indireta do PR) até estão vedadas por "limites materiais de revisão".

2. Concordo. aliás, com os objectivos de MBC no sentido de reforçar a governabilidade e acentuar a natureza parlamentar do sistema de governo. Mas para isso não vejo necessidade de acabar com a eleição direta do PR, nem de criar um senado, nem de adotar um sistema eleitoral semimaioritário.
Haveria decerto vantagem em tornar mais estritas as condições de dissolução parlamentar, mas mesmo aí tem havido uma notável contenção no uso dessa prerrogativa presidencial, só havendo a registar ao longo de quatro décadas o caso controverso na dissolução de 2005 por Jorge Sampaio.
A moção de censura construtiva - que tem vindo a ser proposta desde os anos 80 -, essa sim, poderia funcionar como um importante mecanismo de estabilidade governativa, ao inibir moções de censura sem apresentação de uma alternativa de governo. Mas já se viu que as coisas ainda não estão maduras para a sua adoção.

3. Também concordo que há vantagem em alterar o sistema eleitoral, de modo a dar relevância aos votos de todos os cidadãos, onde quer que votem, e a personalizar a escolha dos deputados.
Mas para isso não é necessário sequer mudar a Constituição nem mudar de alto a baixo o atual sistema eleitoral. Bastaria criar um círculo nacional de grandeza mínima (por ex. 25-30 mandatos), sobreposto aos atuais círculos territoriais (eventualmente reconfigurados), e adotar o "voto preferencial", reduzindo a grandeza dos círculos eleitorais e das listas, inscrevendo os candidatos nos boletins de voto e dando aos eleitores a possibilidade de selecionarem um dos candidatos do partido em que votam. como sucede por exemplo na Bélgica, tomando as devidas cautelas para prevenir lutas fratricidas entre os candidatos de cada partido.

terça-feira, 16 de maio de 2017

O terceiro homem


Vai furibunda a contenda entre os combativos biógrafos políticos da defunta coligação PSD-CDS e os excitados hagiógrafos da "Geringonça" sobre a reivindicação dos méritos da robusta retoma económica em curso, como se esta - que arrancou ainda em 2013, importa lembrá-lo - pudesse ter ocorrido sem a contribuição da primeira (saneamento das contas públicas, regresso ao mercado da dívida e reformas económicas cruciais, como as do mercado de trabalho e do mercado de arrendamento) ou pudesse ter sido sustentada e acelerada sem o contributo da segunda (estímulo do aumento do poder de compra, paz sindical, etc.).
Entretanto, no calor da refrega, uns e outros esquecem deliberadamente a decisiva importância do contributo externo, nomeadamente o de Mário Draghi, o presidente do BCE - sem o qual, como sublinhei, por exemplo,  aqui e aqui, tudo teria sido em vão -, que estancou a crise da dívida soberana, estabilizou o euro e lançou ousadamente a política de expansão monetária que permitiu estimular a atividade económica em toda a União e poupar centenas de milhões de euros em juros da dívida pública a Portugal e a outros países mais endividados. 
O seu a seu dono!

Adenda
É evidente que, contrariamente ao que aqui se relata erradamente, eu não neguei aos governos nacionais (o anterior e o presente) o devido mérito pela superação da crise e pela retoma económica em Portugal. Limitei-me a sublinhar o contributo próprio do BCE. Como usualmente sucede, porém, os comentários dos leitores da referida nota tomaram-na em geral como fiel, sem se darem ao trabalho de conferir o original. Riscos de quem confia em notícias em segunda mão...

sábado, 13 de maio de 2017

Laicidade

Pior do que a instrumentalização religiosa da política é a instrumentalização política da religião.
Quando ela é feita por não crentes, ao abuso junta-se a hipocrisia política.

Adenda
Para além de ser um óbvio contrassenso, a ideia de que, apesar de o Estado ser laico, o poder político pode participar em cerimónias religiosa é puro farisaísmo político. Por este andar, ainda vamos voltar a ver o Estado a encomendar missas de ação de graças e a mandar benzer as obras públicas...

Adenda 2
Quando a esquerda se satisfaz com resultados económicos e sociais, o resultado é o esquecimento dos valores que sempre lhe deram sentido, como a laicidade, em nome da neutralidade religiosa do Estado e da igual condição de todos os cidadãos independentemente das suas opções religiosas.

Adenda 3
Como sempre, as "facadas" na laicidade foram dadas em nome do "respeito pelos sentimentos religiosos do povo". Mas o maior desrespeito dos sentimentos religiosos de quem os tem consiste em pensar que eles precisam do paternalismo religioso do Estado ou do aproveitamento oportunista do poder político.

União para o Mediterrâneo

"Lamento que aqui não se discuta a preocupante evolução na Turquia, os impasses na Síria e na Líbia e, além do central conflito israelo-palestiniano, outros em redor do nosso Mar Mediterrâneo que envolvem opressão e ocupação, como o do Sahara Ocidental.
Identificar o fenómeno migratório como o primeiro desafio é uma visão eurocêntrica, errada, que desvaloriza a sangria de recursos humanos que a emigração representa para os países de origem e obfusca a raiz, frequentemente em conflitos e má governação criados por cleptocracias.
Sem desenvolvimento e boa governação a Sul não se põe fim ao tráfico de seres humanos: é inútil a Europa pagar para se desresponsabilizar e outros travarem migrantes.
A prioridade deveria ser abrir vias legais, seguras, controladas, para refugiados e migrantes não terem de por as suas vidas nas mãos de traficantes.
Ao mesmo tempo, a UE tem de parar políticas austeritárias desastrosas que têm asfixiado crescimento e criação de emprego, fazendo desesperar os jovens a Norte e a Sul, assim irradiando desigualdade, exclusão, extremismo violento e populismo - pelo Mediterrâneo e além dele."

(Minha intervenção no debate plenário da 13a. Assembleia Parlamentar - União para o Mediterrâneo. Em Roma, esta manhã)

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Democracia para além do Estado?


Eis o tema da minha palestra na Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, na próxima sexta-feira. Sobre a União Europeia.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Desafios à ordem económica mundial


No próximo dia 25 vou estar aqui, a convite da Fundação da Associação Empresarial Portuguesa, a falar dos "Desafios Atuais à Ordem Económica Mundial", onde se contam o avanço e a contestação da globalização, a emergência da China como potência económica e comercial, o neoprotecionismo dos Estados Unidos sob a Presidência de Trump, a saída do Reino Unido da União Europeia, as mudanças em curso no Mercosul, o ativismo da União Europeia na negociação de acordos de comércio e investimento de "última geração", as "cadeias globais de produção", as novas propostas de resolução de litigios de IED, etc..

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Pobre língua (10)


Em qualquer órgão de comunicação a expressão "negociar sobre pressão" seria sempre um dislate. No site oficial da televisão pública é um disparate inadmissível.
Quando é que os jornalistas da RTP começam a ser submetidos a um teste elementar de Português?

Adenda
Um leitor bem humorado aventa a hipótese de se tratar de negociação com os médicos sobre "pressão... arterial".

Mais um passo contra o tabagismo?

[Fonte da ilustração aqui]

Segundo esta notícia, a Austrália vai ganhar o seu litígio na OMC a propósito do proibição de marcas e outras indicações comerciais nos maços de cigarros (plain packaging).
A confirmar-se esta informação, é de esperar que outros países adotem a mesma solução.

E faz bem


O Jornal Económico diz que o Governo decidiu meter na gaveta o relatório PS/BE sobre a chamada reestruturação da dívida pública.
Faz bem. Como aqui se mostrou, a tal "reestruturação" é ficção política e as poucas medidas de gestão da dívida pública que fazem sentido são as que já estão em execução há muito. nomeadamente o reembolso antecipado ao FMI, cujas obrigações rendem juros mais altos.