quinta-feira, 16 de março de 2017

Democracia europeia


1. A oposição absoluta da esquerda comunista e neocomunista à União Europeia baseia-se antes de mais no facto de a integração europeia assentar numa economia de mercado (baseada na liberdade de empresa e na concorrência) e num "mercado único" (baseado na liberdade de circulação dos fatores de produção e de produtos e serviços dentro da União), o que contraria frontalmente os seus objetivos "anticapitalistas" de coletivização e de estatização da economia.
Realmente, não se lhes pode pedir que reneguem as suas opções ideológicas...

2. Todavia, os opositores domésticos da UE preferem focar a ideia de que a integração europeia sacrifica não somente a soberania nacional mas também a democracia, que no seu entender só pode funcionar num quadro nacional. Ora, se a primeira afirmação sobre a transferência de poderes soberanos é óbvia, não sendo negada por ninguém, já a segunda é falsa a um triplo título.
Primeiro, a decisão de entrada na União depende sempre de um pedido nacional de acordo com decisões democráticas internas e da aprovação e ratificação interna do tratado de adesão. Do mesmo modo, cada país pode sair quando lhe aprouver, por decisão unilateral.
Em segundo lugar, desde sempre - primeiro, implicitamente e depois, explicitamente ("critérios de Copenhaga") -, uma das condições de acesso à UE é os Estados interessados respeitarem os princípios do Estado de direito democrático. Não se ignora que para Mário Soares, o principal motivo para a adesão à então CEE foi criar um "seguro de vida" da nossa novel democracia constitucional.
Por último, e decisivamente, pelo menos desde o Tratado de Lisboa, a UE respeita no fundamental os princípios e regras de uma democracia representativa, em que as decisões da União observam um processo de codecisão entre o organismo que representa os Estados-membros (o Conselho da União) e o Parlamento Europeu, eleito diretamente pelos cidadãos da UE.
Em conclusão, a União goza de uma dupla legitimidade democrática.

3. As decisões tomadas ao nível da UE obedecem aos mesmos cânones e procedimentos democráticos das que são tomadas ao nível nacional.
De resto, as posições que os governos nacionais tomam no Conselho da União podem ser controladas pelos parlamentos nacionais, que também podem impugnar as decisões da UE contrárias ao princípio da subsidiaridade.
A integração europeia é seguramente incompatível com a preservação de uma soberania nacional plena, mas não é incompatível com a democracia, como mostram todos os processos históricos de federalização por agregação de Estados preexistentes.
Aliás, como mostrou Dan Rodrick na sua célebre tese sobre o trilema nas relações entre integração económica, soberania e democracia, é impossível ter os três ao mesmo tempo, mas é possível ter dois deles. A integração europeia (económica e politica) sacrifica uma parte da soberania, mas não tem de descartar a democracia, desde que aquilo que deixa de ser decidido de acordo com a democracia nacional passe a ser decidido de acordo com a democracia supranacional, que aliás em vários aspetos pede meças às democracias nacionais.
Não é por acaso que, em vários Estados-membros, os cidadãos europeus têm mais confiança nas instituições da União do que nas instituições nacionais...