sexta-feira, 11 de março de 2016

Falsos pecados

Entre os pecados atribuídos ao Acordo Ortográfico -- religião em que o jornal Público é sacerdote - contam-se normalmente dois, nomeadamente (i) o de que afinal o AO não está legalmente em vigor e o de que (ii) o AO admite grafias duplas. Sem fundamento, porém.
Primeiro, na nossa ordem constitucional os acordos internacionais valem na ordem jurídica interna sem necessitarem de ser transpostos por lei e até prevalecem sobre a lei doméstica preexistente, pelo que as suas normas só podem ser alteradas por novo acordo. Segundo, antes do AO já existiam numerosas duplas grafias das mesmas palavras, não apenas quando havia duas pronúncias (loura / loiralouça / loiça, bêbedo /bêbado,  organograma /organigrama, síndroma /síndrome, fêvera /febra, etc), mas também mesmo quando não havia (como, por exemplo, ruptura / rotura, carrossel /carrocel, urtiga /ortiga, etc.); o AO só trouxe novos casos de dupla grafia quando há pronúncia diferente no português europeu e no português do Brasil (facto e fato, contacto e contato, receção e recepção, etc.). De resto, a dupla grafia é um fenómeno corrente noutras línguas, como no Inglês.

Adenda
Um fenómeno intrigante é este: por que é que em geral os que usam o AO respeitam sem problemas o uso da antiga grafia pelos que se opõem àquele, enquanto estes em geral não cessam de chamar nomes feios aos primeiros e de lançar anátemas contra eles, quando estes se limitam a usar a ortografia oficial?