segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Más notícias

1. É oficial. De acordo com as estatísticas oficiais nacionais, a economia portuguesa estagnou no terceiro trimestre deste ano em relação ao anterior trimestre, pelo que o crescimento homólogo em comparação com o mesmo período do ano anterior se ficou pelos 1,4%.
Esta travagem da economia torna praticamente impossível atingir a meta oficial de crescimento para este ano (que é de 1,6%, e que Cavaco Silva chegou a estimar em 2%!...) e compromete igualmente as metas para o emprego (que outras estatísticas também dão como estagnado). Por outro lado, o provável impacto da estagnação económica e do emprego sobre a receita e a despesa dos Estado pode comprometer também a meta para o défice orçamental (que é de 2,7%) e para a dívida publica.
Percebe-se também agora por que é que evaporaram as perspetivas de devolução da sobretaxa do IRS...

2. Afinal, ao contrário do que se gabava o Governo anterior, eles não deixam  a economia a crescer nem o desemprego a descer!
Os números traduzem-se também numa herança pouco recomendável para o novo Governo do PS, tornando ainda mais exigentes os seus objetivos de estimular o crescimento económico sem pôr em causa a disciplina e a consolidação orçamental e a redução do rácio da dívida.
Ou me engano muito ou a discussão do programa do Governo na próxima semana ganhou um novo picante e quem vai estar no pelourinho não é somente o novo Governo mas também o anterior!

domingo, 29 de novembro de 2015

"Hic labor est"

1.  Não pode haver dúvidas de que o principal desafio deste Governo do PS com o apoio da demais esquerda parlamentar está na gestão orçamental e financeira.
Ao apostar no "fim da austeridade orçamental" como primeira prioridade, o Governo vai diminuir substancialmente o esforço de consolidação orçamental, que em 2016 ficará reduzido a 0,2%! Ora essa redução da exigência quanto ao défice orçamental vai diminuir o ritmo de corte no rácio da dívida pública (quanto mais défice, mais endividamento adicional) e aumentar a vulnerabilidade a qualquer percalço imprevisto, como, por exemplo, uma elevação do risco da dívida pública e dos respetivos juros.

2. Apesar de ficar aquém da meta orçamental prevista pelo Governo cessante para 2015, que era de 2,7%, ainda não está excluído que fique abaixo dos 3%, ou seja, abaixo do limite do "défice excessivo", em que Portugal se encontra há vários anos. Seria muito grave voltar a quebrar esse limite de novo no próximo ano!
De resto, não basta assegurar a redução sustentada do défice nominal. É preciso também alcançar um confortável saldo primário positivo das contas públicas (descontado dos encargos da dívida) e uma redução contínua do défice estrutural (descontado dos efeitos do ciclo económico), que lamentavelmente o Governo cessante deixa a aumentar! Ora, nada disto se consegue mantendo um elevado défice nominal.

sábado, 28 de novembro de 2015

Discordo

Reitero a minha discordância com a abolição dos exames do quarto ano do ensino básico e da prova de acesso dos professores. Em vez de enveredar pelo facilitismo, a esquerda deveria apostar no rigor e na exigência da escola pública.
Quanto mais se promove a complacência no recrutamento dos professores e na avaliação dos alunos da escola pública tanto mais se promove a procura das escolas privadas por parte das famílias mais exigentes quanto à educação dos seus filhos. A escola pública estará condenada quando se criar a perceção de que ela desconsidera a qualidade e a exigência no ensino.

O Governo e a UE


Este é o lead da minha coluna semanal no Diário Económico.
Mesmo sem ter havido autonomização da pasta dos assuntos europeus, considero importante fazer outras alterações nessa frente governamental, que enuncio nesse artigo.

Um pouco mais de informação sff

Ao contrário do que alguma imprensa apressada e pouco informada deixou entender, o poder do PR de demitir diretamente o Governo não é um poder discricionário, muito menos um poder ordinário, visto que o Governo não é responsável perante ele. Como diz a Constituição, ele só pode demitir o Governo quando esteja em causa o" regular funcionamento das instituições”. E por mais indeterminada que essa noção seja, parece evidente que a demissão do Governo não pode basear-se na discordância presidencial com as opções políticas governamentais ou com as suas políticas concretas, o que constituiria um abuso de poder presidencial, pois só a AR as pode avaliar e censurar se for caso disso.
Até agora nunca tal poder foi usado, desde 1982, data da revisão constitucional que introduziu aquela cláusula em substituição do livre poder de demissão que o PR tinha na primeira versão da Constituição. Acresce que no caso concreto não faz nenhum sentido que o PR demita o Governo sem poder substituí-lo (pois a AR chumbaria qualquer Governo alternativo) e sem poder dissolver a AR simultaneamente.
[revisto]

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Menos Europa facilita o terrorismo


"Os atentados de Paris demonstram que precisamos de mais Europa para segurança dos nossos cidadãos: menos Europa facilitou a empresa assassina aos terroristas.

Cabe aos Governos no Conselho a liderança política para instituir coordenação europeia dos serviços de informação, polícias e cooperação judiciária, que precisam de ter meios humanos e capacidades reforçadas e não continuar a ser reduzidos pelas desastrosas políticas de austeridade, que tambem fomentam os ghettos de onde sairam os terroristas. 

Precisamos de trabalhar pela paz e segurança na nossa vizinhança - são os conflitos ali que nos entram porta adentro! Precisamos  Política Comum de Segurança e Defesa, no quadro de uma Política Externa e de Segurança Comum coerente. E bem precisamos de coerência: dizer que "estamos em guerra" é dar um estatuto político aos terroristas, faz-lhes o jogo.

Temos, em vez disso, de atacar as fontes do financiamento terrorista: o tráfico de armas, o petróleo, o branqueamento de capitais, chamando à responsabilidade todos os financiadores e facilitadores, muitos fazendo jogo duplo como Arabia Saudita, Qatar e Turquia. "Business as usual" nas relações comerciais e diplomáticas trava a nossa capacidade de nos defender dos terroristas.

Finalmente, é falsa a acusação feita pelo Deputado Weber aos Socialistas de que teriam tentado ontem introduzir emendas sobre o PNR no relatório Dati. É golpe sujo, contra a convergência de que precisamos para combater o terrorismo".


Minha declaração no debate do PE, esta manhã, sobre os ataques terroristas de Paris.

Combater a radicalização e o recrutamento terrorista


"Este relatório não podia ser mais pertinente, depois dos hediondos ataques terroristas em Paris a 13 de Novembro. Resulta de um trabalho colectivo intenso em cooperação com a autora, Rachida Dati, que eu saúdo.

São milhares os jovens europeus que partiram para Síria e Iraque para combater nas fileiras do Daesh -  que não é Estado, nem é Islâmico. Mas não é - como nos acenam alguns ilusoriamente - com o cerrar de fronteiras ou com uma directiva PNR que vamos conseguir travar a sua radicalização e recrutamento. 

O combate é também político e ideológico e trava-se aqui mesmo na Europa, dentro das nossas sociedades - porque, afinal de contas, os atacantes de Paris, em Janeiro como em Novembro, eram europeus, franceses e belgas! E, por isso, é fundamental voltarmos a combater desigualdades, discriminações, a exclusão social sentida de forma particularmente aguda pelas comunidades migrantes em bairros que deixamos transformar em guetos de desesperança e ressentimento, com 60% de desemprego, como Molenbeek, no coração da Europa, Bruxelas, hoje sitiada pelo medo.

A nossa segurança colectiva impõe acabar com a destrutiva política de austeridade cega, que também explica por que, em vez de terem meios humanos e outros reforçados, polícias e serviços de informação se debatem com incapacidades e explica que prisões se tenham transformado em centros de radicalização, em vez de reabilitação, de delinquentes.

Era sabido que ataques deste tipo iam e vão ocorrer na Europa. Por isso precisamos de União na luta contra a ameaça terrorista transnacional.

Precisamos de União Política em que os nossos Estados partilhem informações de segurança e cooperação policial e judicial e façam planeamento conjunto e avaliação de riscos de segurança em comum.

Precisamos de Política Externa e de Segurança Europeia e Politica de Segurança e Defesa Comum - como Síria, Iraque e Libia evidenciam.

Os Estados Membros da União Europeia têm de se coordenar e atacar o tráfico de armas, o financiamento terrorista e o crime organizado, associados à capacidade de organizações terroristas como o Daesh e a Al Qaeda e não continuar em modo "business as usual" relativamente a governos e estados onde o Daesh e a Al Qaeda têm encontrado financiadores e facilitadores. O comércio internacional, incluindo o de armas, e o petróleo não podem valer o nosso silêncio.

A lição a retirar dos ataques em Paris é que os nossos governos se têm de coordenar para travar a ameaça terrorista e entender que isso passa por uma estratégia coerente e europeia, incluindo na dimensão militar. 

E que não será à custa de direitos e liberdades fundamentais que venceremos o terrorismo: sem direitos, nunca teremos segurança. Desengane-se  quem argumenta em contrário, para deixar cair a protecção de dados, para convencer a opinião pública a desistir da privacidade dos cidadãos e de putras garantias fundamentais; ou quem tenta estigmatizar muçulmanos e até refugiados que sofrem às mãos dos terroristas e por isso deles procuram fugir. Fogem para a Europa justamente pela segurança e oportunidades que as nossas sociedades oferecem, porque aqui se protegem direitos, liberdades e garantias: essa é a nossa força moral contra o Daesh e outros terroristas que nos querem vergar pelo medo e destruir liberdades e democracia".


Minha intervenção ontem, como relatora-sombra pelo Grupo Socialista do relatório Dati - sobre "Prevenção da radicalização e do recrutamento de cidadãos europeus por organizações terroristas". Um relatório em que trabalhamos intensamente há meses e que tem uma decisiva e substantiva contribuição socialista - basta comparar a versão original, a que foi aprovada em Comissão LIBE e a que vai hoje ser aprovada em plenário.

 


Injustiça fiscal na UE - e em Portugal..

"O relatório Ferreira/Theurer resulta da crucial investigação desenvolvida pela Comissão TAXE para levantar o véu de opacidade em que as multinacionais operam na União Europeia e no mundo para pagar cada vez menos impostos, enquanto se sobrecarregam cidadãos e PMEs e governantes capturados alegam "não haver dinheiro" para o Estado Social, nem para investir na economia e na criação de emprego: os dados sobre Portugal nesta matéria, nos últimos anos, são acabrunhantes - sobre os governantes e as instituições que integraram a Troika.

Mas, mesmo assim, os nossos governos continuam a perseguir "whistleblowers" que deviam ser protegidos e a limitar a transparência de acordos fiscais e isenções, benefícios e outras práticas fiscais imorais e injustas, para manter o "dumping" fiscal em que embarcaram.

Este Parlamento não deve aceitar, em co-decisão, um acordo que não obrigue as empresas a publicar os seus relatórios de contas país por país - como já fazem os bancos, sem prejuízo.

A Comissão TAXE tem de continuar a investigar, pela transparência, pelo escrutínio da política fiscal das multinacionais e pelo fim da escandalosa cumplicidade de governantes europeus contra os interesses dos cidadãos e da União".

Minha intervenção ontem, no PE, no debate sobre o relatório da Comissão TAXE, criada no seguimento do escândalo "Luxleaks". Elisa Ferreira é co-relatora do relatório que votaremos esta manhã - e que aconselho todos a ler com muita, muita atencão. Também é sobre a injustiça fiscal em Portugal, que o novo governo socialista terá prioritariamente de corrigir.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Dois pesos, duas medidas

1. Depois de ter nomeado e empossado um governo minoritário que, mesmo que tivesse passado na AR, não teria obviamente nenhuma viabilidade, sujeito a derrotas parlamentares contínuas e a cair à primeira dificuldade séria (que poderia ser o primeiro orçamento), Cavaco Silva não tem nenhuma autoridade política para fazer exigência de prova antecipada de estabilidade governamental a um Governo do PS constituído na base de um acordo de sustentação parlamentar maioritário.
Há limites para a duplicidade de critérios, que além do mais criaria um grave precedente político de abuso do poder presidencial quanto ao controlo prévio da estabilidade governativa.

2. Constitucionalmente só há duas instituições que podem pôr em causa a estabilidade de um Governo do PS apoiado pelo PC e pelo BE, que são a AR, de quem os governos dependem exclusivamente, e o próximo Presidente da República, se resolver dissolver a AR e convocar eleições antecipadas (correndo o risco de um tiro pela culatra). O atual inquilino de Belém não se conta entre elas.
Tudo indica que Cavaco Silva, apesar de não ter outra alternativa governativa disponível, está mesmo apostado num braço de ferro que no mínimo arrasta a atual situação de indefinição política, com os inerentes prejuízos para o País, e que, no limite, corre o risco de criação de um grave impasse político.

Especulação

Esta notícia do Diário de Notícias sobre a indicação do futuro ministro da Justiça não faz sentido. Não está obviamente em causa o mérito do magistrado em causa. Mas, para além de não concordar com a nomeação de magistrados para a pasta da Justiça (nem de médicos para a Saúde nem de militares para a Defesa, etc.), parece-me totalmente descabido nomear para essa pasta um ex-dirigente do sindicato dos juízes.
Além de ser constitucionalmente problemática a própria ideia de um sindicato de juízes (tão descabida como um sindicato de deputados ou de membros do Governo), parece-me francamente incompatível a defesa de interesses profissionais com a qualidade de membro do Governo na área em causa. É óbvio o conflito de interesses e o perigo de colocar o ministério da Justiça ao serviço de interesses corporativos.

sábado, 21 de novembro de 2015

Neopresidencialismo (2)

1. Em relação ao post precedente, um leitor pergunta se o PR não tem a sua própria legitimidade democrática resultante da sua eleição direta.
Sem dúvida! Mas o PR só tem os poderes que a Constituição lhe dá e no nosso sistema constitucional o PR não tem competência para governar (ou para co-governar), como nos sistemas presidencialistas (ou semipresidencialistas em sentido próprio), mas sim para supervisionar o regular funcionamento do sistema de governo, como poder autónomo, separado do poder executivo. Por isso, a admissão de um poder presidencial de (co)determinação das orientações dos governos criaria um "ruído" institucional que seria constitucionalmente incomportável.

2. E ainda bem que é assim. Sempre ensinei aos meus alunos de direito constitucional e de ciência política que um grande handicap democrático dos sistemas presidencialistas (e semipresidencialistas) é a irresponsabilidade política total ou parcial do governo, visto que o Presidente é, por via de regra, politicamente irresponsável.
É para tentar corrigir essa "falha democrática" dos sistemas presidencialistas (e em geral daqueles em que os presidentes podem assumir poderes executivos) que em alguns casos se prevê a possibilidade de revogação do mandato do presidente mediante votação popular (caso de alguns estados federados dos EUA ou da antiga Constituição de Weimar, na Alemanha) ou que se verifica a tentação de instrumentalizar a condenação penal dos presidentes (impeachment) como meio de responsabilização política (como se verifica neste momento no Brasil).
Mas é pior a emenda do que o soneto!

Neopresidencialismo

1. A proposta que defende o estabelecimento de condições políticas de fundo pelo Presidente da República como condição de nomeação de um novo Governo revela uma pulsão neopresidencialista que importa combater. No meu caso, tendo criticado sem equívocos a única situação em que isso sucedeu (nomeação do governo Santana Lopes em 2004), tenho alguma autoridade para condenar como descabida, política e constitucionalmente, essa ingerência presidencial na esfera governativa.

2. Se o PR pode eventualmente ter alguma margem de discricionariedade na nomeação dos governos - se houver mais do que uma alternativa politicamente elegível na circunstância -, já não tem nenhuma liberdade para determinar a sua orientação política ou para predeterminar o seu programa de governo (como já expliquei aqui).
Embora possa demarcar-se da previsível ou anunciada orientação do Governo ou emitir alertas ou advertências ou tentar mesmo um gentleman' agreement com o Primeiro-Ministro, não pode porém fazer nenhuma imposição dessa natureza como condição da nomeação, que de resto não poderia depois sancionar em caso de incumprimento .

3. A tese que defende esse poder presidencial começa por não ter nenhuma base política (pois o PR não é eleito para isso) nem constitucional (pois não cabe na sua missão constitucional). O PR não pertence ao "poder executivo", não tem funções governativas nem pode determinar a orientação dos governos. sob pena de violação da separação de poderes e da autonomia política dos governos.
Os governos não dependem da confiança do PR, mas somente da AR. Ao condicionar as opções de fundo de um novo governo, o PR tornar-se-ia coautor da mesmas e corresponsável pelo governo, sendo também alvo do seu escrutínio parlamentar. Ora, o PR não é responsável perante a AR nem os governos podem invocar o patrocínio ou a tutela presidencial.


Sensatez

Como sempre, a voz da sensatez (tal como da estupidez) não tem fronteiras políticas. Este artigo de J. Ribeiro e Castro representa uma notável exceção no panorama da precipitação e da insensatez político-constitucional da direita na atual crise política.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Contra o financiamento público do ensino privado


Eis  abertura da minha coluna desta semana no Diário Económico.

Adenda
Um leitor pergunta o que é que eu tenho contra os colégios privados. A resposta é: rigorosamente nada! Só quero que eles sejam sustentados por quem os frequenta e não com os impostos de quem não os frequenta e acha que o Estado só tem obrigação de sustentar a escola pública.

Antologia da desfaçatez política


Em contrapartida, o Governo do PSD+CDS, sendo minoritário, tinha a garantia antecipada de ver o seu orçamento chumbado pela oposição, e mesmo assim foi nomeado e queria ficar a governar.
É mesmo precisa muita desfaçatez!

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Prioridade absoluta

1. Depois de ter condenado a invasão do Iraque pelos Estados Unidos - que criou a anarquia política de que o país jamais recuperou -, também não apoiei a intervenção euro-americana na Síria e na Líbia, porque temia o mesmo resultado, como infelizmente se veio a verificar. Sempre me pareceu óbvio que entre regimes autoritários que mantinham a segurança e a paz civil entre diferentes etnias e religiões e a desestruturação desses Estados, criando o caos político e a guerra civil e religiosa, a opção não podia ser a favor da segunda alternativa.

2. Infelizmente, alguns países europeus resolveram repetir uma década depois na Síria e no Líbia a ilusão "neocon" no Iraque de usar a intervenção externa para mudar regimes e instaurar pela força uma mirífica democracia naqueles países. O trágico resultado foi a criação do Estado Islâmico e o cortejo de horrores que culminou na horripilante chacina de Paris.
É altura de os Estados Unidos e os países europeus assumirem a opção que a Rússia não tardou a perceber, ou seja, que a prioridade absoluta tem de ser a destruição da barbárie que é o Estado Islâmico (como há meses venho a defender nesta tribuna) e que não faz sentido, nas atuais circunstâncias, continuar a enfraquecer a capacidade do Estado sírio para recuperar o controlo do seu território.
Entre Damasco e Rakka, entre um moderado autoritarismo laico e uma totalitária e assassina teocracia islâmica (e não há outra alternativa, como se provou), não tenho dúvidas!

sábado, 14 de novembro de 2015

UE a falhar na crise dos refugiados, como na luta contra terrorismo

"A UE está a falhar na crise dos refugiados, tal como está a falhar no combate contra uma das causas fundamentais dessa crise: o terrorismo do Daesh. Os Governos da UE estão a enganar os cidadãos quanto à sua defesa e segurança, com derivas nacionalistas que fragmentam a União e impedem acção coordenada. A resistência a acolher e proteger os refugiados que chegam da Síria, Iraque e vizinhança constituem ameaça existencial aos valores e princípios da UE, além de fazer o jogo dos terroristas, que visam precisamente destruir a democracia, no mundo árabe e na Europa. Os desafios de segurança com que estamos confrontados só se vencem com convergência estratégica, partilha e sinergia de recursos e de capacidades. Precisamos desesperadamente de mais União, não de menos."

Era parágrafo final de um artigo que escrevi em Outubro, depois de uma visita ao Curdistão iraquiano, e que propus ao EXPRESSO, PUBLICO e DN. Nenhum teve interesse em publicar. Pode ler-se agora na ABA DA CAUSA: http://aba-da-causa.blogspot.ae/2015/11/este-foi-um-texto-que-escrevi-em.html

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Suma hipocrisia política

1. Rendidos ao mais pedestre radicalismo no combate político, o PSD e o CDS prosseguem na sua cruzada para contestar a (incontestável) legitimidade democrática da rejeição parlamentar do seu governo de coligação (minoritário) às mãos de uma maioria parlamentar de esquerda.

2. Para além do excesso trauliteiro, impróprio de partidos de governo, o que espanta é a suprema hipocrisia disto tudo.
Ninguém deve ter dúvidas de que, numa situação inversa - ou seja, em que o PS tivesse ganho umas eleições com maioria relativa e o PSD e o CDS, tendo concorrido separados, somassem uma maioria parlamentar na AR -, esses partidos fariam precisamente o que agora tão veementemente condenam, ou seja, chumbariam na AR o governo minoritário do PS e fariam um acordo de governo entre si para o substituir.

3. Convém acrescentar que a referida situação nunca se verificou até agora. Apesar de ter havido vários governos minoritários do PS, a direita unida nunca teve maioria absoluta para os derrubar; mesmo assim, o PSD chegou a apresentar uma moção de rejeição contra o Governo Guterres II em 1999. Em todo o caso, não está excluído que aquela hipótese se possa verificar no futuro.

Adenda
É evidente que, se perguntados sobre o que fariam nessa hipótese, eles negarão a pés juntos. Mas, para além de ninguém acreditar neles, sempre ficaria a declaração registada para memória futura.

Divergências


1. A não ser que o caso fosse de "sangria desatada", o Governo demitido deveria ter deixado  o caso TAP para o seu sucessor. Todavia, consumada a privatização, parece-me evidente que o PS não vai poder votar a favor desta iniciativa do PCP, que teria enormes custos para a empresa e para o País. Por mais que o PS discorde da privatização da maioria do capital, só pode aspirar a negociar o papel do Estado na empresa com os seus novos donos.

2. Esta primeira divergência entre o PS e o PCP, que não vai ficar solteira, mostra por que é que não podia haver um governo de coligação à esquerda. Resta saber se a repetição de divergências como esta não vai perturbar o clima das relações dentro da "maioria de esquerda", com os danos colaterais que se podem imaginar...

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Passou-se mesmo!


É oficial: a direita "passou-se mesmo dos carretos". Depois de ter mostrado ao longo destas semanas que se está marimbando para as regras mais elementares da democracia parlamentar, vem agora mostrar que se está marimbando também para a própria estabilidade constitucional, propondo a abolição ad hoc de uma dos peças essenciais do nosso sistema de governo, só para satisfazer o seu ressentimento e revanchismo político, como se não pudesse esperar seis meses pelas eleições que exige. O País que se lixe!
O PS não deveria sequer responder a esta tonteria irresponsável, mais própria dos pequenos grupos radicais do que de um partido com as responsabilidades do PSD. Alguém devia aconselhar uns comprimidos para a azia política...

Podem esperar sentados!


1. Esta notícia esquece que as eleições de 4 de outubro retiraram maioria parlamentar à direita, que também perdeu condições de governar.
Penso que a nova maioria parlamentar deve cessar imediatamente o financiamento público do ensino privado, salvo nos estritos casos (se é que há algum hoje em dia) de falta comprovada de escola pública nas proximidades e a título transitório, enquanto faltar oferta de ensino público (que é obrigação do Estado assegurar). Fora dessas condições o financiamento público do ensino privado é constitucionalmente descabido e politicamente insustentável nas atuais condições de frugalidade orçamental.
O Estado tem uma estrita obrigação constitucional de manter a escola pública, não o ensino privado, não podendo desviar verbas que faltam àquele para subvencionar este. Era o que faltava!

2. A liberdade de ensino, no estreito sentido de liberdade de criação e de frequência de escolas privadas em vez da escola pública está tão garantida em Portugal como a liberdade de optar por serviços de saúde privados em vez do SNS, por arbitragem privada em vez dos tribunais oficiais, por serviços de segurança privados em vez da PSP, etc. Em nenhum desses casos existe algum dever de financiamento público desses serviços privados.
A liberdade de frequentar escolas privadas não implica nenhum direito de o fazer à custa do orçamento do Estado, muito menos à custa da escola pública. Para favor já bastam as deduções de despesas de ensino em sede de IRS.

"Parlamentarismo racionalizado"


Eis abertura da minha coluna de hoje no Diário Económico, sobre a demissão parlamentar do Governo minoritário de Passos Coelho numa lógica de "moção de censura construtiva", que é uma peça essencial do chamado "parlamentarismo racionalizado".
Será que esse precedente vai vingar doravante como nova "praxis" das moções de rejeição parlamentar dos governos, evitando as "moções de censura negativas"?

Espetacular!


Esta notícia tem um duplo "picante". Primeiro, dá gozo ver o outrora campeão da anti-austeridade, o governo do Syriza, a ser vítima de uma greve geral por causa da austeridade agora aplicada por ele-mesmo. Segundo, verifica-se que o próprio Syriza apoia a greve contra o seu próprio Governo, seguramente com o virtuoso propósito de dar-lhe força para não cumprir as obrigações que assumiu no III plano de resgate que teve de pedir.
Espetacular, o contorcionismo, a duplicidade e o cinismo politico da esquerda radical quando chega ao governo!...

Adenda
Um leitor matreiro diz que ainda há de ver algo de semelhante em Portugal, ou seja, uma "greve geral" da CGTP apoiada pelo PCP (como sempre), mas desta vez com o benévolo objetivo de incentivar o Governo do PS (que por uma vez o PCP diz apoiar) a travar o "necessário combate" contra a "austeridade imposta por Bruxelas". Bem imaginado!

Sem alternativa (2)

1. Depois de rejeitado o seu Governo pela AR, a direita decidiu pressionar o Presidente da República para abrir uma guerra com o parlamento sobre a nomeação do inevitável governo do PS, nomeadamente submetendo-o a condições políticas e programáticas discricionárias. Uma comentadora da direita mais afoita veio defender mesmo que o PR deveria exigir a entrada do BE e do PCP no Governo, de modo a torná-lo um "governo de coligação" (forçada)!

2. Independentemente da questão de saber se o PR tem poderes constitucionais para ditar condições sobre a composição ou sobre o programa dos governos antes de os nomear (e não se vê onde eles estejam previstos na Lei Fundamental), a verdade é que isso só faria sentido se o PR pudesse ameaçar com a dissolução parlamentar ou tivesse outra alternativa de Governo.
Ora, como vimos no post antecedente, nas circunstâncias existentes Belém não tem outra opção senão nomear o Governo resultante do acordo que levou à rejeição parlamentar do novo executivo de Passos Coelho (numa lógica de "moção de censura construtiva"), Não tendo alternativa, o PR também não tem poder para condicionar nem a composição nem o programa do novo Governo.

Adenda
Aliás, se o PR imprudentemente decidisse interferir na composição ou no programa do Governo PS, e se António Costa aceitasse essa ingerência, sacrificando a autonomia do executivo perante o Presidente, então Cavaco Silva tornar-se-ia automaticamente corresponsável pelo eventual inêxito do Governo, pondo em causa a estrita irresponsabilidade constitucional do segundo perante o primeiro.

Sem alternativa (1)

1. Ao contrário do que pretendem alguns observadores de direita, o Presidente da República não tem alternativa à indigitação de António Costa como chefe do próximo Governo.
Um governo demitido pela AR só pode manter-se em funções pelo tempo necessário para o PR nomear outro (salvo se puder optar pela dissolução da AR, o que não é o caso). Demitido o Governo pela AR, o PR tem obrigação constitucional de nomear outro, por duas razões: (i) porque seria um verdadeiro desafio à autoridade do parlamento (contempt of parliament) manter em funções deliberadamente um governo rejeitado pela AR e que, portanto, perdeu toda a legitimidade para continuar em funções ; (ii) porque o "regular funcionamento das instituições" - que compete ao Presidente assegurar - supõe naturalmente um governo em plenitude de funções.

2. Nas circunstâncias, o Presidente só poderia evitar a nomeação de António Costa, se tivesse outra alternativa de governo no atual quadro parlamentar. Ora, essa alternativa não existe, tanto mais que ao demitir o novo Governo de Passos Coelho, os partidos da oposição fizeram-no justamente na base de um governo alternativo que tem o seu apoio maioritário.

Direita birrenta

Depois da derrota parlamentar, a direita entrou em modo birrento e confrontacional.
Só assim se compreende que tenha insistido no debate de propostas feitas pelo Governo antes da sua rejeição parlamentar, quando a Constituição é explícita quanto à sua caducidade com a demissão do Governo (CRP, art. 167º-6).
Depois de ter contestado as regras mais elementares da democracia parlamentar, a direita contesta agora diretamente as mais inequívocas normas constitucionais. Um despautério!

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O Semestre Europeu e a injustiça fiscal...

"O Deputado Paulo Rangel tentou por em causa a legitimidade democrática de um governo à esquerda em Portugal, que, cumprindo os compromissos europeus, tente corrigir a devastadora deriva austeritária que empobreceu drasticamente o País, obrigou mais de 500.000 portugueses a emigrar nos ultimos 4 anos e não reduziu, só aumentou, o endividamento público e privado.
Mas, Sr. Comissário Dombrovkis, é a si que eu pergunto se a Comissão Europeia não tem vergonha da desigualdade activamente fomentada pelas políticas que a Troika abençoou em Portugal, incluindo a amnistia fiscal de 2012, que  serviu para lavar, legalizar e manter milhares de milhões em paraisos fiscais, sem sequer os obrigar a repatriar, apesar de serem produto de fraude e evasão fiscais e de corrupção. Ou continua a não ver o esquema de beneficios e isenções fiscais que, em total opacidade, o Governo Português prosseguiu nestes 4 anos, favorecendo grandes empresas e o grande capital, enquanto sobrecarregava de impostos quem trabalha?
Será que a Comissão vai usar o Semestre Europeu para corrigir as políticas fiscais regressivas e obscenas em Portugal e noutros Estados Membros, por políticas pró-europeias, pró-crescimento e pró-justiça social e fiscal?"

Esta foi a Intervenção que fiz  esta tarde no debate em plenário do PE sobre o Semestre Europeu, em que Portugal veio muito à baila. O Comissário respondeu que a CE usaria o próximo Semestre Europeu para incentivar os EMs a corrigirem as políticas fiscais, em particular com a redução de impostos sobre trabalhadores com baixos salários. A ver vamos! 


terça-feira, 10 de novembro de 2015

Um pouco mais de chá democrático, sff (2)

1. O mantra da direita, mil vezes repetido, é o de que "quem ganha as eleições tem direito a formar governo".
De acordo com as regras da democracia parlamentar não é assim necessariamente, quando quem ganha não tem maioria absoluta. Mas é assim que as coisas se passam entre nós. E foi isso o que sucedeu mais uma vez; o PSD foi chamado a formar governo, fez uma coligação com o CDS, o Governo foi nomeado e empossado e encontra-se agora a prestar provas na AR, como a Constituição manda. Portanto, o seu "direito a formar governo" foi integralmente respeitado. Não foi nem "usurpado" nem "expropriado".

2. O que o Governo minoritário de direita não tem (nem nenhum outro o tem) é um alegado direito de não ser rejeitado pela AR, se não tiver uma maioria absoluta de apoio, como é o caso.  Trata-se de uma regra mínima da democracia parlamentar, onde os governos dependem da confiança parlamentar. Se a direita não obteve maioria absoluta nas eleições nem conseguiu um acordo pós-eleitoral para suprir esse défice de representatividade parlamentar, não pode impedir o funcionamento das regras constitucionais. Esse poder da AR é que eles não podem cancelar, como pretendem. É a vida, numa democracia constitucional!

3. A bancada governamental e a sua bancada parlamentar bem podem carpir-se, berrar, protestar, insultar os adversários, achincalhar as instituições, como têm feito neste debate lamentável.
Só revelam mau perder e défice de formação democrática (bem maior do que o seu défice de representação parlamentar).

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Um pouco mais de chá democrático sff.


Esta acusação é um dislate político, que mostra o desespero e a falta de chá democrático da direita quando as coisas não lhe correm bem. Quando perde o poder até as boas maneiras políticas perde.
Como tenho dito várias vezes, o acordo de governo feito à esquerda pode ser o pior do mundo, politicamente falando, mas é inatacável sob o ponto de vista da legitimidade constitucional e da moral política. Decididamente, a direita deveria aproveitar o próximo afastamento do Governo para fazer reciclagem democrática num curso elementar de democracia parlamentar.

Adenda
Não sou fã da solução de governo que aí vem, longe disso. Mas só para ver o destrambelhamento da direita na iminência da perda do poder e a perda do verniz democrático, vale a pena.

Nem mais um euro (2)

Pior do que a reversão da concessão dos transportes urbanos de Lisboa e do Porto, só a proposta de o Estado retomar o controlo do capital da TAP, que os novos donos da empresa obviamente rejeitarão, obrigando o Estado a retomar todo o capital.
Mesmo que o contrato de privatização não chegue a ser assinado, a proposta de reversão custará desde logo muitos milhões de euros de indemnização de custos e dinheiro adiantado pelos compradores. Depois, como a companhia necessita urgentemente de capital, terá de ser o Estado a proporcioná-lo; e como a Comissão Europeia só autorizará essa ajuda de Estado (se autorizar...) com significativas contrapartidas, o preço vai ser a diminuição substancial da dimensão e das operações da TAP. No final, uma TAP mais cara e de escala mais reduzida.
Não consigo ver as vantagens deste negócio. Como referi aqui, a má gestão pública e o controlo sindical da TAP já custaram ao País muito dinheiro ao longo das últimas décadas. Por minha parte, não estou disponível para contribuir com mais um euro para voltar ao mesmo. Para esse peditório já dei.

Adenda
Para uma visão preocupante da reestruturação das empresas aéreas europeias ver esta elucidativa notícia.

Benefício da dúvida

Não participo na celebração da epifania das esquerdas e duvido que a parceria tenha vida longa.
Penso que não existe a "química" necessária à solidez das alianças duradouras e à simples lealdade e confiança imprescindível em toda a cooperação política não ocasional. É menos aquilo que as une (o Estado social e os direitos dos trabalhadores, mesmo aí com diferenças assinaláveis) do que aquilo que as separa (democracia liberal, economia de mercado, papel do Estado na economia, disciplina orçamental, União Europeia, euro, alianças internacionais). Há décadas de hostilidade recíproca acumulada e, muitas vezes, de inimizade e de ressentimento antissocialista militante por parte da extrema-esquerda.
Não ignoro os milagres que a necessidade e o voluntarismo político podem gerar. Mas a necessidade é má conselheira e o voluntarismo é muitas vezes vizinho do oportunismo e da reserva mental. Poderá haver alguma sinceridade no apoio da esquerda radical a um governo social-democrata, ainda por cima numa situação em que o Estado não pode abrir os cordões à bolsa para financiar dispendiosas políticas sociais?
Nestas situações, no entanto, é de bom tom deixar em aberto o benefício da dúvida. Também gostaria de estar enganado!

Eleições em Myanmar - a Lady, os Generais, e os mais...

"Eleições em Myanmar: a Lady e os Generais

A Birmânia, "tigela de arroz da Ásia" na independência em 1948, transformou-se - em 60 anos de conflito inter-étnico armado e 50 anos de ditadura militar - em Myanmar, um dos mais pobres e atrasados países do Sudeste Asiático. A ponto de levar os próprios militares a considerar a soberania nacional ameaçada quando a dependência económica da vizinha China se tornou asfixiante: a necessidade de reequilibrar relações (com o Ocidente) explica a transição ensaiada através do assento parlamentar de Aung San Suu Kyi, a líder da oposição ostensivamente roubada em 1990 (a NLD obteve 81%), via "eleições" intercalares em 2012.
Seguem-se as eleições de 8 de Novembro, que poderão vir a ser as mais abertas e competitivas que o povo de Myanmar já conheceu, mas se desenrolam num contexto legal, institucional e político que não corresponde aos padrões internacionais exigidos para eleições democráticas: a Constituição, imposta pela Junta Militar em 2008, reserva a militares 25% dos assentos nas Câmaras Alta e Baixa da Assembleia Nacional e das Assembleias Regionais e sectores da governação; a Comissão Nacional de Eleições não é independente; credenciação de candidatos e registo de eleitores prestaram-se a manipulações antes, durante e depois da votação - não se sabe quantos eleitores estão inscritos, quantas as mesas de voto, como vai ser controlado o "voto antecipado". Para não falar nos milhares (milhões ?), designadamente das minorias étnicas, não registados e, portanto, impedidos de votar.
Mas estas são contingências aceites pela histórica NLD (Liga Nacional para a Democracia), que acredita chegar ao poder finalmente. E pela comunidade internacional, que não desperdiçou a oportunidade de, pela primeira vez, observar o processo, ajudar na capacitação da máquina eleitoral e na educação  cívica, sempre democraticamente muito compensadora.
É longa a lista de insuficiências, irregularidades e violações da lei e do "fair play" eleitoral relatadas aos observadores internacionais, como os do Parlamento Europeu que eu chefio e se articulam com a Missão de Observação Eleitoral da UE, no terreno desde Setembro. Uma lista indissociável da polarização e das contradições entre forças nacionalistas (NLD e USDP, dos militares no poder) e as representativas das minorias étnicas. E também por via do extremismo religioso do budismo dominante, contra a minoria muçulmana, em particular os Rohingya, no Arakan.
Mas nada impedirá o povo de ir votar no domingo. A promessa eleitoral da NLD é só uma: mudar para haver governação democrática, diálogo, reconciliação nacional, paz. Nas reportagens da BBC antecipa-se uma "landslide" que torne a Lady, impossibilitada constitucionalmente pelos generais de ser Presidente, em determinante "Kingmaker" (capacitação política da veterana liderança da NLD é investimento esperado de UE e EUA). Defensores de direitos humanos e outros actores e activistas birmaneses preferem a NLD a ganhar moderadamente, de forma a não assustar os generais, que podem usar o extremismo budista e muitos outros recursos para inviabilizar a governação NLD. Diálogo e compromisso também são fundamentais com a que seguirá sendo a mais poderosa instituição do país, a militar - que organizou e quer controlar a transição para o poder civil."


Esta é a versão integral do artigo que escrevi para o "Diário Económico" na noite antes do acto eleitoral que se realizou no Myanmar (Birmânia). Versão que teve de ser cortada para caber no limite de 2000 caracteres.
Depois do que observei ontem em Rangum e arredores - esmagador afluxo de eleitores, extraordinária participação cívica e primeiros resultados da contagem a indicar que a NLD vai conseguir uma significativa vitória - mantenho tudo o que escrevi. 
E mantenho, reforçada, a apreensão que deixei implícita no artigo - a NLD vive muito da figura da Lady - Aung San Suu Kyi -  embora tenha uma vibrante base de activistas capazes e organizados. Mas há também uma preocupante desconexão funcional entre essa base e a gerontológica liderança no topo. 
Capacitação para o funcionamento democrático da NLD e para a governação democrática se afirmar face ao poder que vão manter os Generais -  é aquilo em que a UE mais tem de investir. Urgentemente.

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sábado, 7 de novembro de 2015

Nem mais um euro

Um das piores medidas do anunciado programa de governo do PS é a reversão da concessão dos transportes coletivos de Lisboa e do Porto, não somente porque isso vai custar ao Estado (ou seja, aos contribuintes) muitos milhões de euros de indemnização por responsabilidade contratual, mas também porque os défices de exploração e os encargos da dívida das empresas vão voltar a ser suportados pelo orçamento do Estado, ou seja, pelos contribuintes de todo o País, que já pagam os seus próprios transportes públicos locais e que não têm nenhuma obrigação de subsidiar os de Lisboa e do Porto, como tem sucedido ao longo de muitos anos.
Nem mais um euro do orçamento para os transportes de Lisboa e do Porto! Os transportes públicos urbanos devem ser uma  responsabilidade municipal ou intermunicipal, não do Estado.

Adenda
Além disso, com a regresso às mãos do Estado, os transportes de Lisboa e do Porto, pela importância eleitoral dessas cidades vão voltar a ser carne para canhão das famosas "greves gerais" da CGTP (que na verdade não passam de greves do setor público), como é tradicional. Só esta medida vale o acordo para o PCP!

Portucaliptal

Uma das boas medidas do anunciado programa do próximo governo PS é a revogação do decreto-lei do Governo PSD-CDS que liberalizou a plantação do eucalipto - um miserável frete à fileira agroindustrial da celulose.
Mas é pouco. Como propus antes, urge parar o financiamento público do eucalipto (o que é um escândalo) e, em vez disso, passar a taxar a sua plantação. Em vez de gastar dinheiro a ajudar a dar cabo dos solos e da paisagem do país, o Governo passaria a receber algum dinheiro com a praga.

Um governo, vários acordos

1. Então, a ver se compreendo o que ainda se não conhece inteiramente sobre o "acordo de governo à esquerda".
Pontos firmes são os seguintes:
- não vai haver um governo de coligação à esquerda liderado pelo PS, mas sim um governo do PS apoiado externamente em "acordos de sustentação parlamentar" com o PCP e com o BE;
- também não vai haver um programa comum de governo, mas sim um programa de governo do PS que incorpora os compromissos pontuais por ele assumidos com os de mais partidos;
- tampouco há um acordo de sustentação parlamentar a três, mas sim acordos bilaterais separados, parcelares e distintos do PS com o PCP e com o BE (deixo de fora o PEV que é uma simples sucursal do PCP), porque estes não se entendem entre si.

2. Pontos que se podem inferir são os seguintes:
- tudo indica que não vai haver à partida uma manifestação formal de apoio parlamentar ao Governo do PS por parte do PCP e do BE expresso numa moção de confiança;
- aparentemente, nem sequer existe um compromisso firme antecipado do PCP e do BE de não porem em causa a trajetória prometida pelo PS quanto ao saldo orçamental (défice nominal, défice estrutural, saldo primário) e da dívida pública ao longo da legislatura, pelo que cada orçamento vai ter que ser negociado entre as partes, mantendo o PCP e o BE a chave do poder negocial.

3. Se entendo bem, portanto - e sob reserva de desconhecimento do teor dos acordos firmados -, o PCP e o BE obtiveram alguns ganhos significativos quanto ao termo da austeridade orçamental, comprometendo-se para já somente a deixar passar o Governo, sem porém se vincularem antecipadamente a apoiar outras medidas governamentais com que não concordem, incluindo os orçamentos.

Adenda
Prescindi de utilizar a exotérica expressão "acordo de incidência parlamentar", que - vá-se la saber porquê - se tornou usual no nosso jargão político.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

"Semipresidencialimo" ou "poder moderador"?


Este é o lead da minha coluna de hoje no Diário Económico. Haverá alguma vantagem em qualificar de "semipresidencialista" um sistema de governo que apresenta os principais traços do sistema parlamentar sem possuir nenhum dos traços essenciais do sistema presidencialista?

Ser de esquerda

Comentando o meu post abaixo contra o aumento geral das pensões, um leitor diz que devo ser "o único pensionista contra".
Imagino que não deve haver muitos, mas estou habituado a defender aquilo que me parece justo mesmo que vá contra os meus interesses pessoais. Aliás, não vejo como é que alguém da classe média pode ser genuinamente de esquerda se não estiver disponível para defender posições contrárias aos seus próprios interesses, como, por exemplo, IRS progressivo, imposto sobre sucessões de valor elevado, prestações sociais familiares apenas para quem não tem recursos, preços das utilities (água, transportes públicos, etc.) que cubram pelo menos os custos (com tarifas sociais para quem tem menos rendimentos), etc. Mas, pela mesma razão, e ao contrário da esquerda irresponsável, sou a favor do pagamento de portagens nas autoestradas, de taxas moderadoras no SNS (com as devidas isenções) e de propinas no ensino superior (com bolsas de estudo para quem não pode pagá-las), etc.

Adenda
Ser a favor de um generoso Estado social é fácil. O problema é que são cada vez menos os que estão dispostos a pagá-lo...

Contraproducente

Um leitor reagiu indignado à minha afirmação sobre o salário mínimo no post precedente e afirma que estou de certeza enganado.
Não tem razão. Como referi há uns meses, usando o conhecido critério da relação entre o salário mínimo e o salário mediano, a verdade é que o nosso SMN está muito bem colocado no ranking europeu. Num país onde os salários são em geral muito baixos não se pode esperar que o salário mínimo seja alto.
Considero o salário mínimo uma garantia necessária de um mínimo de dignidade na remuneração do trabalho e sou a favor da sua atualização periódica; mas o seu valor não pode afastar-se tanto da produtividade do trabalho não qualificado que acabe por vitimar aqueles mesmos que pretende proteger. Apesar de tudo, é preferível ter um emprego menos bem remunerado do que não ter emprego nenhum porque as empresas menos competitivas deixam de poder pagar.

Adenda
Conhecido o aumento do salário mínimo no anunciado programa de governo do PS - quase 20% nos próximos quatro anos (de 505 para 600 euros) -, é fácil verificar que ele fica muito acima da projeção de crescimento económico acumulado (cerca de 7 %) e da inflação acumulada (cerca de 5%) no mesmo período de tempo  (extrapolando as previsões da Comissão Europeia até 2017).

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O PCP não quer acordo nenhum?


Neste comunicado hoje tornado público, na fase crítica das negociações com o PS, o PCP insiste em objetivos imediatos que ele sabe serem obviamente inaceitáveis, como, entre outros, o aumento de salário mínimo nacional para 600 euros já em 2016.
Com uma baixa produtividade e com um desemprego elevado, uma subida excessiva do SMN (que já é relativamente elevado em termos comparados) seria irresponsável, pois não só não passaria na concertação social como iria causar mais desemprego e mais falsos recibos verdes.
Ou se trata de uma chantagem política de última instância sobre o PS, que parece disposto a pagar um preço alto pelo acordo, ou o PCP vem declarar urbi et orbi que não está a fim de entrar no jogo...

Adenda
De um leitor: «Apenas para lhe dar outra perspetiva sobre essa situação: eu não excluiria a possibilidade de se tratar de retórica para militante/eleitor CDU ver, num momento em que as coisas podem estar quase fechadas com um resultado final bem diferente do ora reivindicado».
Minha resposta: «Sim, provavelmente é isso. E depois dizer: "Lutámos até à última por isto mas os malandros dos socialistas recusaram".»

Pântano político

Causou alguma excitação política esta notícia no Público de hoje.
No entanto, lidas as declarações atribuídas ao PM, ele limita-se a dizer o óbvio, ou seja, que se o seu Governo não passar na AR ele se mantém em funções de gestão até ser substituído, o que aliás não é um direito, mas sim uma obrigação constitucional. O resto da peça, ou seja, que ele aceitaria ficar indefinidamente em gestão caso o PR não nomeasse um novo governo, é especulação jornalística.
Como expliquei aqui e aqui, uma tal situação seria constitucional e politicamente insustentável. Aliás, mesmo que o PR caísse nesse abuso de poder qualificado, no que não acredito, duvido que o PM aceitasse de bom grado permanecer em funções indefinidamente depois de rejeitado pela AR, privado de poderes efetivos e sujeito à humilhação política quotidiana de ter de executar as decisões de uma maioria parlamentar hostil, essa em plena efetividade de funções.
Pela lógica das coisas, Passos Coelho deve ser o primeiro a não aceitar um pântano político desses.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Não é bem assim

Carlos César não acredita «que um socialista prefira um Governo PSD/CDS-PP com o apoio do partido a um Governo socialista com o apoio do PCP e do Bloco de Esquerda».
Só que a dicotomia que está em cima da mesa não é essa, mas sim entre um Governo do PSD/CDS com a oposição do PS e o tal governo socialista com apoio do PCP e do BE, ou seja (como expliquei aqui, aqui e aqui), entre um PS a liderar uma oposição forte ao governo minoritário da direita ou a liderar um governo problemático (para dizer o menos) com a extrema-esquerda parlamentar.

Adenda
Parece-me óbvio que se não chegar a haver um acordo à esquerda a alternativa que resta ao PS não é propriamente "servir de mulata" ao governo de direita!

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Risco


São notícias como esta (apropriadamente ilustrada com o rosto da líder do Bloco...)
que fazem descrer na sustentabilidade orçamental de um acordo de governo do PS com a extrema-esquerda parlamentar.
As pensões constituem o principal fator de pressão sobre as finanças públicas. Manter os atuais montantes já requer uma exigente ginástica orçamental. Descongelá-las é um obvio risco para as necessárias metas de redução do défice orçamental e de aumento do saldo primário das contas públicas. Não se vislumbra onde está a margem orçamental para isso...