terça-feira, 11 de junho de 2013

Um discurso presidencial no Parlamento Europeu

No 10 de Junho quem fez um discurso de Estado foi o Dr. Silva Peneda. Mas amanhã voltaremos a ouvir o Presidente da Republica  no Parlamento Europeu. Eis o que eu gostaria que ele dissesse, por estas ou outras palavras:

"Faltam 30 anos para Portugal celebrar 9 séculos de existência. 30 anos são mais do que os que leva como Membro da União Europeia. 
Quando aderimos ao projecto de uma Europa unida em 1986, queríamos ancorar a nossa democracia, construir prosperidade com justiça social, projectar respeito pela lei e paz no Mundo.
27 anos depois, para onde foi essa Europa? perguntam os portugueses , como tantos outros cidadãos pelo Continente fora. 
Crise, austeridade, recessão, desemprego, empobrecimento,  troika, Alemanha e PIGS tornaram-se referências do ciclo destruidor que vivem  desde 2008 e por isso descrêem de governantes, políticos  e da UE.
Nós em Portugal cometemos erros - e o pior foi acreditar que da UE só nos chegavam fundos e  boas orientações. 
Com o Euro, encarecemos a nossa produção  e destruímos muito do que sabíamos produzir. Por outro lado, a moeda comum nasceu sem mecanismos de correcção das divergências macro-económicas entre Estados Membros e sem mecanismos de recurso em caso de crise financeira, com o BCE focado no controlo da inflação e alheio à evolução da economia real.  Políticas industriais, comerciais e outras deixaram de sustentar o modelo social europeu e a coesão, passando a servir os fortes e a afundar os fracos.
No engodo de que o mercado se auto-regulava, os governantes deixaram-se comandar por bancos, fundos  e interesses privados, encorajando o regabofe de endividar a baixos juros  as famílias, as empresas e os Estados: a crise financeira resultou da folia ultraliberal desreguladora em que  governos de direita e de esquerda embarcaram nas ultimas décadas. 
Tardámos em debelar o problema na Grécia. E hoje temos recessão espalhada no espaço económico europeu.
Portugal, apanhado na voragem da especulação contra o Euro a pretexto das dividas soberanas, entregou-se à receita austeritária da Troika,  tão devastadora que até obriga  o FMI  a demarcar-se, admitindo erros e expondo quem aproveitou com a demora na reestruturação da dívida grega - os bancos e credores privados que trataram de se livrar de títulos tóxicos passando-os a instituições públicas, como em Chipre, para em ultima análise os contribuintes voltarem a pagar. 
E quem paga as vidas dos cidadãos que a austeridade  já conduziu ao suicídio? 
E quem paga o custo de empurrarmos para a emigração os jovens qualificados mas desempregados?
Cortamos salários, pensões, serviços públicos, depósitos bancários  e privatizamos ao desbarato,  para atirar mais dinheiro a bancos e outros credores, sem que refinanciem a reactivação da economia  para gerar emprego e riqueza. 
Não reforçamos realmente a moeda unica: criámos vários  Euros, consoante as taxas de juros a que se financiam os nossos Estados e empresas. As dívidas soberanas, essas continuam a aumentar com a recessão. 
Deixamos de lado solidariedade, lições da História, bom senso. 
Clamamos por mais governação económica e mais integração política; mas como, se alienamos a confiança dos cidadãos?
A crise não é apenas económica e financeira. É política:  deixamo-nos capturar pela corrupção, pelo "outsourcing", PPPs, "trust funds", swaps", finanças e fiscalidades criativas que desviam recursos, capacidades e responsabilização dos Estados. 
Desvirtuamos Mercado Interno, regras de concorrência e competitividade ao carregarmos de impostos trabalhadores, famílias e PMEs  e isentarmos os  lucros de multinacionais e das  transações financeiras, continuando a proteger evasores fiscais e criminosos  nos offshores que toleramos.
Descredibilizamos a União quando aprovamos  um Tratado Orçamental incumprivel, tanto como o PEC que nao respeitámos.  E quando  desatamos  a falar de crescimento e emprego, mas só fazemos  investimentos pírricos e não tomamos medidas para dotar de orçamento adequado e de recursos próprios a União. E quando adiamos a  União  bancária, a revisão do mandato do BCE e a mutualização das dividas publicas, correndo o risco de que o casino financeiro volte a estoirar.
Precisamos de uma Comissão Europeia com legitimidade democrática reforçada, não de um governo alemão que pode impôr,  mas não lidera - porque liderar implica gerar solidariedade, coesão e uma estratégia de futuro e não de destruição da esperança dos europeus.
Não aceitamos desistir do Euro e da União Europeia. Depois de recuperar as liberdades fundamentais em 25 de Abril de 1974, os portugueses não vão desistir de uma União Europeia que afirme valores e interesses comuns e determine a governação mundial. Assim continuaremos Portugal".

Este texto serviu-me de base ao comentário de hoje no "Conselho Superior", ANTENA 1