segunda-feira, 30 de abril de 2012

Improcedente

A única maneira responsável de julgar a nova "taxa de segurança alimentar" (sobre as grandes superfícies comerciais alimentares) que o Governo quer introduzir para financiar o novo Fundo de Segurança Alimentar consiste em saber: (i) se se justifica esse novo Fundo e a despesa inerente, tendo em conta os tempos de austeridade orçamental em curso e (ii) se não existe outro meio para o seu financiamento que não passe pela criação de um novo imposto, em tempos de sobrecarga fiscal.
Já não pode considerar-se procedente o argumento de que a nova "taxa" vai ser repercutida sobre os consumidores. Primeiro, a repercussão não é automática, visto que a concorrência pode obrigar as grandes superfícies a absorver pelo menos uma parte do imposto (aliás de valor reduzido); segundo, porque, se o imposto incide só sobre as grandes superfícies, é uma solução mais justa do que se ele incidisse também sobre as pequenas mercearias e lojas, cuja margem comercial é bastante inferior.

Adenda
O PS já anunciou estar contra esta iniciativa do Governo. Tudo bem, se não concordar com a despesa em causa. Caso contrário devia indicar um alternativa de financiamento.

sábado, 28 de abril de 2012

O plebiscito

É evidente que Sarkozy vai perder as eleições presidenciais em França pela mesma razão que todos os governos -- de esquerda ou de direita, desde o Reino Unido à Espanha -- as têm perdido nos últimos anos, ou seja, por causa do impacto da crise (recessão, desemprego, austeridade, insegurança quanto ao futuro, etc.). Os eleitores castigam o governo que está. É a "lei de bronze" da crise .
Todavia, além de ter contribuído para a sua derrota com um estilo truculento e instável, que lhe diminuiu a credibilidade, Sarkozy tem mostrado na campanha eleitoral uma inaceitável dose de oportunismo e total ausência de carácter político. As tiradas anti-imigração e contra Schengen, as hipérboles securitárias, a proposta de congelar a contribuição da França para o orçamento da UE (justamente quanto esta precisa de mais recursos para responder à crise) e finalmente a ideia de submeter a referendo o "Pacto Orçamental" (que ele sabe que, nas actuais circunstâncias, seria rejeitado) revelam um Presidente sem princípios e sem consistência, pronto a ceder em tudo o que lhe parecer necessário para tentar evitar a derrota. Lamentável!
Quem não sabe aceitar a derrota anunciada merece ser duplamente derrotado. Tendo deixado transformar as eleições num plebiscito à sua presidência, não esteve à altura do desafio, longe disso. Decididamente, Sarkozy não merece continuar a ser Presidente.

Como era de esperar

«Merkel avisa Hollande de que Tratado Orçamental "é inegociável"».

Para além da recusa de Merkl (e previsivelmente dos demais governos da UE, mesmo dos que têm primeiros-ministros socialistas), o problema de Hollande é que o Tratado não precisa da França para entrar em vigor, enquanto a França não pode excluir vir a precisar do Tratado.
Acresce que, como alguém já disse, Hollande (tal como o PS em Portugal) não contesta o que está no Tratado mas sim "o que lá não está". Por isso, embora rejeitando reabrir o Tratado Orçamental, importa saber se Merkl e os demais governos europeus podem recusar-se a considerar a ideia de um "protocolo adicional", reforçando o capítulo "crescimento" do mesmo Tratado.
Embora seja de antever a enorme dificuldade de um compromisso quanto à substância, não se trata propriamente de uma ideia exótica. Afinal, não é verdade que os próprios Tratados da UE estão acompanhados de numerosos "protocolos" anexos, com o mesmo valor deles?

Um pouco mais de rigor, sff

«António Costa defende taxar rendas no IRS».
A verdade é que as rendas sempre foram "taxadas" em IRS, sendo até agora tributadas em conjunto com os demais rendimentos (embora seja conhecida a grande evasão fiscal, por não declaração do respectivo rendimento). O que agora se discute é, pelo contrário, se as rendas devem ser desagregadas da tributação geral do IRS e tributadas à parte, por uma "taxa liberatória" plana, como sucede com os rendimentos do capital (juros, dividendos, etc.).
O que Costa propôs, segundo se deduz da notícia, é que a taxa liberatória a aplicar às rendas seja inferior à que vigora para os rendimentos de capital, actualmente 25% (depois do aumento de 5pp no orçamento deste ano).

Adenda
Uma forma de tornar efectiva a tributação das rendas é obrigar ao seu pagamento por via de depósito em conta bancária, incumbindo os bancos de cobrar o imposto na fonte, como sucede com o imposto sobre os rendimentos de capital.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Sim, a noção é a mesma...

... mas o conteúdo não é.
O Presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, que já fora o autor e proponente do "Pacto Orçamental" ("Fiscal Compact" em Inglês) no final do ano passado, logo depois concretizado no tratado conhecido pelo mesmo nome, veio agora secundar os que, como o PS entre nós, propuseram um "Pacto para o Crescimento" ("Growth Compact"), para completar aquele, acusado de tratar somente da (necessária) disciplina orçamental (o que até nem é inteiramente verdade...).
Mas é bom de ver que, para além do mesmo objectivo, pouco mais há de comum, se é que alguma coisa, entre ambas as propostas, pese embora o mesmo nome.
Na verdade, enquanto a proposta socialista europeia assenta no investimento e no estímulo ao investimento como motor do crescimento e da criação de emprego -- o que dificilmente é compatível com os actuais constrangimentos financeiros da maior parte dos Estados-membros da União --, a proposta de "pacto para o crescimento" do presidente do BCE assenta principalmente, se não exclusivamente, na aposta na competitividade e na concorrência, mediante as chamadas "reformas estruturais" -- especialmente no mercado laboral, na regulação das profissões, no sistema de pensões e de segurança social, etc. --, bem como na eliminação das barreiras subsistentes no mercado interno europeu. Por mais convincente que seja esta orientação, a verdade é que é que esta receita não produz resultados a curto prazo, como a outra.
Com as mesmas palavras nos desentendemos...

Ainda bem...

... que a sensatez regressa ao processo de designação dos novos juízes do Tribunal Constitucional.
Com efeito, desta vez tudo correu mal, tendo os partidos vindo para a praça pública indicar os seus próprios candidatos e sujeitá-los ao fogo adversário, em vez de previamente, e discretamente, concertarem uma soluação de consenso, como noutras ocasiões.
É esta uma boa oportunidade para os dois partidos de poder adoptarem um código de conduta sobre a escolha dos juízes do TC, quer quanto ao procedimento quer quanto aos requisitos de indigitação. E talvez seja também chegada a altura de estabelecer um razoável período de "nojo" entre o exercício de cargos políticos (nomeadamente governamentais) e a indicação para o Tribunal Constitucional (e vice-versa), de modo a evitar a "porta giratória" entre a vida política e a justiça constitucional. O que foi aceito ou pelo menos tolerado outrora, claramente deixou de o ser. Aos candidatos ao Tribunal Constitucional já não basta serem competentes e darem garantias de independência...

quarta-feira, 25 de abril de 2012

A Bola do 25 de Abril

Quando foi possível gritar Livre! fora do campo de futebol Pode descobrir aqui

Uma visita ao 25 de Abril

Parabéns ao Centro de Documentação 25 de Abril pelo seu site. Lá pode ver e partilhar cartoons, videos, textos, imagens, todas as que temos na memória e muitas outras. Como esta pintura de Jorge Pinheiro

Valorizar o sucesso

O Presidente da Republica escolheu a imagem de Portugal como tema do seu discurso. Estou de acordo com a escolha. Para isso temos de mudar cá dentro, deixando de cultivar a ideia de que somos irremediavelmente "feios, porcos e maus". Se nós próprios não nos orgulharmos do que fazemos bem no setor público e privado como o poderemos mostrar mais aos outros? Temos de usar a "inveja" de quem faz bem como energia para tentar fazer melhor e não para desvalorizar o sucesso ! Seremos capazes? Talvez. Nos últimos seis anos vi a administração pública ganhar vários prémios e ser internacionalmente distinguida, embora cá dentro isso raramente tenha sido noticia. Vi a inovação portuguesa a ser exportada. Pena que o Presidente não o tenha elogiado mais cedo (ainda me lembro do seu discurso de posse). A que se deve, por exemplo, a excelente melhoria dos indicadores da investigação cinetifica ontem revelados? Enfim, mais vale tarde do que nunca. Tomara mudemos de atitude! Em nome de Portugal e de todos nós. Em nome do 25 de Abril que também existiu para isso.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Hollande (3)

O que é muito preocupante nos resultados da 1ª volta das presidenciais é a elevada percentagem do voto anti-europeísta na extrema-esquerda e na extrema-direita (30%). A demonstraçao de força da "França do Não", boa parte da qual votará em Hollande, constituirá um considerável constrangimento para a política europeia do novo Presidente da República.

Hollande (2)

O problema de Hollande é que com a desconfiança que algumas das suas propostas podem criar nos mercados financeiros a França pode vir rapidamente a defrontar-se com um agravamento dos custos da sua elevada dívida pública, obrigando-o a enveredar por um programa de austeridade orçamental que obviamente não está nos seus planos.

Hollande (1)

Tal como Seguro propôs em Portugal e depois propôs aos demais partidos socialistas europeus, também Hollande pretende complementar o Pacto Orçamental da UE com uma adenda sobre o investimento e o crescimento na Europa (sem porém pôr em causa a disciplina orçamental).
Como é óbvio, sendo eleito, tem outras condições políticas para lutar por esse objectivo. Consegui-lo-á?

Miguel Portas (1958-2012)


A morte de Miguel Portas, tão prematura, não é somente uma enorme perda para a família e os amigos  mas também para a vida política do País, que ele tanto prestigiou, e para o Parlamento Europeu, de que era um dos mais empenhados membros.
Viveu a combater por causas, deixa a vida confrontando a morte anunciada da única forma que sabia: de frente!

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Despropositado

Não faz sentido a decisão dos "militares de Abril" de não participarem nas celebrações oficiais do 25 de Abril. Pelo contrário, é nos momentos difíceis, como os actuais, que os responsáveis pelo derrube do "Estado Novo" em 1974 não podem colocar-se à margem, deixando as comemorações oficiais nas mãos da coligação das direitas no poder. Os governos passam, a memória e a herança do 25 de Abril permanecem...

Adenda
Se os militares erraram, os políticos que os seguiram não fizeram melhor.

Adenda 2
São descabidas as declarações do Primeiro-Ministro sobre as "personalidades que gostam de protagonismo em datas especiais" (cito de memória). Passos Coelho deveria cuidar mais do que diz.

Os distritos

Um fim anunciado? Ler aqui o artigo publicado no Diário As Beiras no dia 21 de Abril

Memória de Africa

É assim que me recordo de África. Estradas de terra vermelha que parece não terem fim, ladeadas de vegetação muito densa e variada. Nesta foto, o Norte de Moçambique.

Mudança

Hollande venceu a 1ª volta das eleições francesas com folga suficiente para enfrentar com excelentes perspectivas a 2ª volta. Sarkozy perdeu a sua aposta em atrair o voto da Frente Nacional para tentar ganhar a 1ª volta, partindo para a segunda etapa em má situação. Salvo alguma improvável surpresa, François Hollande será o próximo inquilino do Eliseu, tornando-se o segundo presidente socialista da V República, depois de Miterrand (1981-1995), quebrando assim um "jejum" de 17 anos.
Se tal se confirmar, é praticamente seguro que o PS ganhará também as próximas eleições legislativas, repetindo a experiência normal da V República, de sintonia partidária entre a presidência da República e a maioria parlamentar, o que permite ao Presidente da República exercer todo o poder, numa espécie de superpresidencialismo "a la Française", que Sarkozy levou ao extremo. Resta saber se Hollande e o PS poderão levar a cabo a profunda mudança que se propõem na política nacional francesa e na política europeia. De facto, nem as condições económicas e financeiras da França nem o forte domínio da Direita na Europa deixam muita margem para grandes mudanças, seja a nível nacional seja a nível europeu. Mas é evidente que, apesar disso, várias coisas vão mudar.

Hollande, evidemment. Pour l' Europe!

François Hollande é a chance de salvação da Europa! Uma salvação que está para além do homem. Que o é e as suas circunstâncias. Na "Merkollande" Portugal terá a chance de sair da crise com menos crueldade, com mais tempo para o ajustamento estrutural e com incentivos à competitividade não destrutiva, ao crescimento e ao emprego. Ou seja, com menos pessoas, familias e empresas destroçadas pela austeridade recessiva que a dupla "Merkoelho" se obstina em impor-nos punitivamente. Os lusos laparotos, se não tivessem as meninges afectadas pela beatice ultra-liberal, estavam há muito a meter velinhas à vitória de François Hollande em França!!!

sábado, 21 de abril de 2012

Simplex autárquico

Começou em 2008 a titulo experimental em 9 municípios, Porto e Lisboa incluídos. Por adesão voluntária, no ano seguinte eram já 60 e um ano depois 125. Contém as medidas que cada autarquia inscreve no programa, com uma data para a sua conclusão. Umas são mais ousadas (abrir um balcão único de atendimento) outras menos ambiciosas (melhorar o sistema de reclamações, eliminar uma certidão), conforme a necessidade e a capacidade de cada município. Nenhuma delas é simples de fazer e todas refletem um compromisso com uma nova cultura, menos burocrática e mais amiga do cidadão, o que é o mais importante. Uma cultura administrativa muda-se devagar, com pequenos passos como estes, que no ano seguinte podem ser maiores; não se muda por decreto ou mera decisão de um governo. A comunicação dos resultados para dentro (os funcionários) e para fora (os munícipes e os outros municípios) é, por isso, essencial. O resultado do último Simplex autárquico (2011), que tinha ao todo 758 medidas, recentemente publicado aqui, foi muito bom para os 22 municípios que cumpriram a 100% os seus compromissos, entre os quais o Porto, Esposende, Setúbal, Palmela, Viseu, Odemira, Chaves, Portalegre, Seixal, Vila Franca, Ponte da Barca, Reguengos ou Grândola, e em geral também para os outros que ficaram acima de 75% de execução. Parabéns a todos. Eles sabem que custa muito e eu também. Estranho, por isso, que o governo continue a dizer que tudo não passa de uma operação de marketing. Não tanto por causa do compromisso com a Troika de alargar o Simplex autárquico, mas sobretudo porque Portugal precisa de serviços de proximidade mais eficazes e eficientes, o que é uma tarefa para várias legislaturas, como sempre afirmei pensando no passado e no futuro.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

À bruta

Juntamente com o sistema de pensões, os subsídios de doença e de desemprego constituem pilares essenciais do Estado Social, de modo a assegurar um rendimento decente quando se perde capacidade de trabalho. Ora, depois de atacar o subsídio de desemprego, o Governo ataca agora o subsídio de doença.
Admitamos que em tempos de constrangimento financeiro da segurança social há que velar pela sua sustentabilidade. Admitimos também que subsídios de doença e de desemprego demasiado generosos podem respectivamente incentivar a fraude ou desincentivar a busca de novo emprego. Todavia, há que manter um equilíbrio que assegure aos beneficiarios um nível de vida aceitável e qualquer redução dos subsídios deve ser efectuada de forma gradual e não à bruta, como é timbre de tudo o que este Governo faz.

domingo, 15 de abril de 2012

German Submarines

In the town where I was born
Ruled those set to steal the people
And they chose German suppliers
To get bribes for submarines

So we sailed on to the crisis
Till we sank in a sea of sleaze
And ruined the Union beneath Merkel
With our German submarines

We all bought a German submarine
Two German submarines or
Three German submarines.
We all sink in a German submarine
Sold by German Ferrostaal
Hiring banks and lawyers
To engineer bribes and fake offsets

And the rulers close their eyes
In Brussels, Lisbon, Athens or Berlin
And the gang continues to steal

We all bought a German submarine
While they stole taxpayers and
Even got bribes for it
We all sink in a German submarine
Sold by German Ferrostaal

{Full speed ahead Captain Barroso,full speed ahead
Full speed ahead it is, Master Merkel
Cut the corners, drop the sail,
Ignore courts, shut the media
Aye, aye, Mam, aye, aye
Captain, captain}

As people live a life of misery
Some have much more than they need
(In Merkel's recession the rich get richer and greedier)
Sky of Europe and sea of corruption
(Sky of Europe and sea of corruption)
In our German submarines
(In our German submarines.. aha)

We all sink in a German submarine
In Greece, Portugal, the Troika steers
In Berlin they close their eyes
Who cares who is to fault for
Excessive sovereign debt
Buying a German submarine
Two German submarines
Many German submarines...

In Greece people rebel - arrest the Minister who signed the contract!
In Portugal justice is too busy
To even hear the then Defense Minister
Now so busy
In Foreign Affairs business...

We are sailing Merkozy's stormy seas
Barroso swims trough darkest waters
Nobody cares at EU's helm
We are sailing
At German submarine speed
To crash at the bottom of the crisis.

We will all sink in German Europe.

original by Songwriters: Lennon, John; Mccartney, Paul; © SONY BEATLES LTD; SONY/ATV TUNES LLC;

These lyrics are freely adapted by Ana Gomes, MEP

Sarkozy treme e teme

Se não, não apelava à "maioria silenciosa" para encher o comício de hoje.

E eles também seriam felizes...

Sarkozy e Marine Le Pen declaram-se anti-adopção de crianças por casais gays, ao bom velho estilo populista que agrada aos mais primários, à direita e ao centro (mas também a muitos que se dizem à esquerda...).
A SOS Homophobie começou ontem na imprensa francesa esta campanha, com o menino Sarko, a bébé Marine e os meninos Hollande, Mélenchon e Bayrou, estes três apoiantes do direito de adopção.
A Marinita e o Sarkozinho das fotos, lá por serem filhos de casais homosexuais, têm direito à segurança familiar, tanto como quaisquer outras crianças - procura sublinhar a campanha da associação gay.
Dedico estes posts aos deputados portugueses que aprovaram a legalização do casamento entre homosexuais, mas lhes vedaram a possibilidade de adoptar.
Para que lhes aproveite muito.
Pelo menos, tanto como a Sarko e Marine.

Uma flor para a MAC

Não é por eu e muitos lá termos nascido.
É pelos que lá devem ainda poder nascer.
E por ser um magnifico hospital da Mulher.

sábado, 14 de abril de 2012

Um nova etapa?

Até agora o Governo PSD/CDS preferiu concentrar-se em cumprir (e superar) o acordo da troika para a consolidação orçamental e a competitividade económica, deixando na gaveta prudentemente o programa do Governo no que respeita a aspectos mais ideologicamente neoliberais, como a liberalização e privatização do Estado Social, através da chamada "liberdade de escolha" na educação, na saúde e na segurança social.
Era um atitude inteligente, não somente para não desviar energias da tarefa essencial para o Governo mas também para não agravar a tensão social, já sobreaquecida pelas medidas de sobre-austeridade. Acresce que a "liberdade de escolha" suscita divisões no próprio campo de apoio social do Governo. Por isso só pode considerar-se uma surpresa o anúncio de uma próxima iniciativa para a instituição de um "sistema misto" na segurança social (ver post anterior). Será que o CDS aposta numa pista própria, mesmo à revelia da orientação governamental, ou trata-se antes de uma nova etapa na politica governamental, assumindo por inteiro a sua marca neoliberal?

Ideológico mas pouco lógico

O relançamento pelo Governo da ideia de um "sistema misto" de pensões – em que o sistema público só é obrigatório até um certo limite das remunerações, podendo as pessoas destinar os descontos sobre o restante rendimento para um sistema privado de pensões – agrada seguramente ao sector financeiro, que ambiciona explorar esse filão, e aos partidários ideológicos da privatização pelo menos parcial da segurança social. É portanto uma ideia cara à Direita.
Todavia, não parece muito avisado lançar essa ideia num período de constrangimento financeiro da segurança social, pois a primeira consequência desse sistema será a redução das receitas desta -- por causa da perdas de deduções sobre os rendimentos acima do "tecto" definido -- sem concomitante redução da despesa com pensões, a qual só vai diminuir muitos anos depois. A não ser que o propósito escondido seja justamente colocar em dificuldades o sistema público de segurança social...

Adenda
Enquanto lucubra os meios de "emagrecer" o sistema publico de pensões em geral, o Governo continua incapaz de rever o injustificavel privilégio de algumas categorias do sector público (magistrados e corpo diplomático), cujas pensoes de "jubilação" equivalem as (elevadas) remunerações da função, sendo sempre actualizadas de acordo com ela...

Tratado: Somos os primeiros! Cadê o brinde?

A 10, 13 e 22 de Março fui aqui - e noutros dias na ANTENA 1 e na RR - explicando por que Portugal não devia ter pressa nenhuma em ratificar o "pacto para o desemprego" que é, na actual versão, o Tratado Orçamental assinado na última cimeira europeia. Além de ser perigosamente judicializante da responsabilidade política.
O meu partido, o PS, tem razão nas críticas substantivas que faz ao Tratado; tem razão nas propostas concretas que apresentou para alterar/adicionar o Tratado; e tem razão quando pressiona o governo de Passos Coelho a exigir a mudança/aditamento do Tratado com tudo o que lá não está de políticas para o crescimento e o emprego. Pena foi que nada tenha feito para impedir a apressada ratificação do Tratado.
Pronto, agora aí temos este perverso Tratado ratificado por Portugal. Um Tratado que, a aplicar-se algum dia, tal como está, nos trataria de mandar rapidamente para o caixote do lixo da Europa.
E aí temos Portugal, como Vítor Gaspar tanto queria, em bicos dos pés, a proclamar "urbi et orbe" que foi o primeirinho a ratificar o Tratado.
Um Tratado que, se Hollande ganhar em França, será modificado.
Um Tratado que, tudo indica, terá mesmo de ser modificado, em qualquer caso, porque a actual versão é inconstitucional em termos europeus e, na prática, ainda mais incumprível que o PEC original do Euro.
Mas Portugal esmera-se no zelo cumpridor, para alemão ver. Que os sacrossantos mercados, lá parvos não são e nada ligam...
Portugal excede-se na subserviência acrítica ou apesar da crítica. Invocando o estado de necessidade, ratifica até o Rato Mickey...
Portugal quis ser o primeiro, mesmo na corrida para o abismo consagrada por este Tratado, tal como está.
Aguardemos pelo brinde que tanto zelo certamente nos reserva.

Quem se importa com a Guiné-Bissau?

Mais um golpe-de-Estado na Guiné-Bissau.
Atão, e os 300 militares angolanos que supostamente lá estão para evitar golpes-de-Estado?
E agora, mais paninhos quentes por parte de Portugal, da CPLP, da UE, da UA, da ONU?
Para daqui a algum tempo ser dado outro golpe, num Estado em estado falhado, controlado pelo narco-tráfico, com outros tipos de criminalidade organizada rondando na região, incluindo pirataria e os grupos terroristas AQMI e Boko Haram?
Anuncia-se que zarpam fragatas para salvar portugueses e outros estrangeiros. E os guineenses, que se danem?
Portugal está membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas, não é certamente só para o MENE sempre que possa zarpar para Nova Iorque, a pretexto de ler discursos ao lado da Sra. Clinton e dos Srs. Hague e Juppé.
O mínimo é sacar rapidamente uma resolução ao Conselho a condenar os golpistas, exigir a protecção de civis, a restauração do governo, um processo eleitoral limpo, e a autorizar a UA, CPLP, UE ou quem quer que possa, conjuntamente ou não, a ir lá tratar disso, pondo golpistas e "sus" narco-donos rapidamente com dono.
Portugal está de rastos, mas para isto ainda pode. Tem de poder. Trate-se de accionar já o que se puder: a CPLP tem de servir para alguma coisa, a PCSD da UE também. Portugal que se chegue à frente, mobilize, persuada, exija. Enfim, faça política, política europeia, política externa!
E, de uma vez por todas, percamos complexos coloniais.
A Guiné-Bissau precisa. Os guineenses precisam.
Exerçamos a Responsabilidade de Proteger.
Protegendo-os.
E, no fundo, protegendo-nos a nós.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Oposição responsável

Ao votar o Tratado Orçamental da UE, apesar das reservas ao mesmo, A. J. Seguro declarou que o PS faz na oposição aquilo que faria se estivesse no Governo. Ora, parece evidente que se o PS fosse Governo nao poderia deixar de aprovar o Tratado.
Já escrevi várias vezes que o PS é um partido de governo mesmo na oposição, o que o distingue da oposição de protesto profissional do PCP e do BE.

Divisoria de aguas

A discussão e votação do Tratado Orçamental da UE mostra que existe sempre uma inultrapassavel linha divisória entre o PS por um lado e o PCP e o BE por outro lado, que passa tanto pela convicção na integração europeia como pela questão do rigor e da disciplina orçamental. Pensar que com estas profundas divergências pode alguma vez existir uma aliança de governo à esquerda não passa de ilusão.
No governo ou na oposição o PS não pode contar com as esquerdas radicais.

Boa saida

O PS saiu muito bem da votação do Tratado Orçamental. Um claro triunfo politico de A. J. Seguro, tanto mais importante quanto teve de vencer alguma resistencia no PS.
Por um lado,o PS votou responsavelmente a favor do Tratado, apesar de o consideurar desequilibrado, por convicção europeísta e por respeito ao interesse nacional (visto que os paises que o não ratificarem perdem acesso ao fundo de assistência financeira da União). Por outro lado, apresentou uma proposta de adenda ao Tratado, completando a vertente do rigor e da disciplina orçamental com a vertente do crescimento, do emprego e da coesao social, que tambem sao valores da União Europeia, ultimamente assaz esquecidos.
Seguro tem razão quando diz que quem quebrou o consenso bipartidario europeu entre nos foi o PSD, ao votar contra a resolucao do PS.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Rezando pelo resgate da Espanha

Pela Europa. Por Portugal. Pela própria Espanha.
Para sairmos da crise.
Para que finalmente o ataque especulativo a uma grande economia europeia como a espanhola permita que se faça luz nas cabeçorras quadradas da direita neo-liberal que domina a UE. Que continuam ainda a recusar reconhecer que é desastrosa a receita de austeridade recessiva e de destruição do modelo social europeu que estão a impor.
Foi o que defendi anteontem, no "Conselho Superior", ANTENA 1.

Os amigos da Síria

Na semana passada, a partir de Beirute, expressei no "Conselho Superior" da ANTENA 1 o temor de que o conflito violento entre o povo sírio e o regime assassino de Bashar Al Assad estivesse para durar e se agravar, falhando o plano Annan.
Estamos a horas depois de provocatórias incursões das forças de Bashar contra campos de refugiados sírios em território turco. E a horas antes de crucial teste ao plano, depois de Kofi visitar Teerão e o regime iraniano "aconselhar" Damasco a mostrar-se disponível para lhe dar cumprimento.
O plano é o único visando impedir uma guerra prolongada na Síria.
Mas pode já não a impedir.
Porque, marimbando-se para os interesses e o sofrimento do povo sírio, há quem queira a guerra e use Bashar e os sírios como peões-de-brega.
São duas as "proxy wars" que se travam sobre a Síria, por cima dos cadáveres dos sírios:
- a "fria", que se desenrola em Nova Iorque, no Conselho de Segurança, entre o "Ocidente" versus China e Russia, com Brasis em equilibrismo desconfortável em cima do muro, a pretexto do erro da NATO de não dar cavaco ao Conselho durante a execução do mandato para a Líbia;
- e a "quente", no terreno, entre sunitas sauditas e qataris, que se aprestam a financiar e armar quem resista a Bashar, para realmente derrotar o shiita Irão. Com a Turquia a agarrar-se ao muro, enquanto de cima atiça verbalmente as partes, mas só qb....
Israel, vizinho, sabendo que forças extremistas os dois regimes sunitas poēm à solta, prefere o diabo que já conhece, ainda por cima agora acossado: Bashar.
Os EUA registam: em ano de eleições presidenciais, preferem desmultiplicar-se em "reuniões de amigos", como a declarativa de há dias, em Istanbul.
A Europa, em profunda crise economica/politica - que obviamente tem graves repercussões na sua acção externa - não consegue sequer acordar, dentro ou à margem do CSNU, numa "no fly zone", mesmo só de protecção humanitária, mesmo só em território turco....pois declará-la implicaria a obrigação de a securizar... e a Europa não pode com uma gata pelo rabo, depois da Líbia (e como a NATO demonstrou na Líbia).
Pobre povo sírio!
Com amigos destes, ...

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Austeridade assimétrica

«Mário Soares diz que os mais favorecidos têm escapado à auteridade».
A afirmação de Mário Soares não é inteiramente exacta, mas é-o no fundamental. Na verdade, houve um agravamento da IRC sobre os grandes lucros das empresas e do IRS sobre os altos rendimentos, bem como, sob pressão do PS, um aumento sensível da taxa liberatória sobre os rendimentos de capital, de 20% para 25%. Mas é muito pouco quando comparado com os sacrifícios de rendimentos e de perda de regalias sociais impostos à generalidade dos trabalhadores, para não falar dos custos do desemprego.
Face à dimensão da consolidação orçamental em causa ter-se-ia justificada plenamente um imposto extraordinário sobre as grandes fortunas ou pelo menos sobre certas áreas do património facilmente identificáveis, como segundas casas e segundos automóveis, automóveis de luxo, iates, aeronaves, piscinas, etc. Era também uma ocasião de ouro para restabeelcer o imposto sobre sucessões e doações, em má hora extinto pelo Governo Durão Barroso.
Em vez de batalhar ingloriamente contra a austeridade orçamental, a que nenhum governo poderia fugir, mais valera ter lutado focadamente contra uma austeridade tão socialmente iníqua como a imposta pelo Governo PSD/CDS.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Alvos preferenciais

Os funcionários públicos são os alvos preferenciais dos programas de consolidação orçamental. Assim sucede entre nós, aliás desde antes da crise da dívida pública e da intervenção da troika.
É fácil perceber porquê. Primeiro, eles são pagos pelo orçamento e representam uma factura pesada na despesa pública. Segundo, tradicionalmente beneficiavam de um regime mais favorável do que o do sector privado, como maior segurança no emprego, menor horário de trabalho e mais férias, melhor regime de pensões, melhores remunerações em muitos sectores, etc. Terceiro, a sua relação de emprego pode ser unilateralmente modificada pelo empregador público, ao contrário do que sucede no sector privado, onde valem as regras do contrato de trabalho.
As últimas propostas do Governo na matéria, visando maior convergência do regime dos funcionários públicos com os trabalhadores do sector privado, não pode por isso surpreender ninguém.

Código de conduta

Perguntam-me por vezes por que não respondo por via de regra às críticas e aos ataques de que ocasionalmente sou alvo por parte dos comentadores nos jornais ou na blogosfera, mesmo quando infundados ou malévolos.
A resposta é simples. Ainda quando era deputado do PCP, no final dos anos 70, António Almeida Santos deu-me dois preciosos conselhos que tenho procurado seguir nos ocasionais períodos de desempenho de cargos políticos: (1) não recorrer a ataques pessoais no debate político, porque só se favorece o adversário; (2) não responder a críticas ou ataques de comentadores, porque só lhes damos notoriedade e porque não jogamos no mesmo "campeonato". Na actividade política os políticos respondem perante os eleitores, não perante os comentadores.
Tenho-me dado bem com este código de conduta auto-imposto, que me tem poupado a polémicas inúteis e a incómodos desnecessários. Já bastam as exigências próprias da actividade política...

Regra ou excepção?

Não se pode antecipar quem ganhará a 1ª volta das eleições presidenciais francesas, com Sarkozy a superar a diferença que durante muito tempo o separou de Hollande nas sondagens, as quais contudo continuam a apontar para uma confortável vitória do segundo na 2ª volta. O realinhamento dos votantes dos candidatos eliminados na 1ª volta ditará o vencedor.
Desde o início da crise em 2008, a regra tem sido a derrota dos governos nas eleições (Irlanda, Reino Unido, Portugal, Espanha, Dinamarca, etc.). Houve até casos em que os governos caíram mesmo sem eleições (Grécia, Itália). Quem está no governo, independentemente da orientação política, paga a responsabilidade política pela crise (recessão ou estagnação económica, desemprego, corte na despesa pública e nas regalias sociais, etc.).
Não há razão para a França ser uma excepção, dados os problemas económicos e sociais existentes (estagnação económica, desemprego, défice da balança comercial externa, aumento do défice orçamental, perda do "triplo AAA" no rating da dívida pública, etc.).

segunda-feira, 9 de abril de 2012

A dificuldade de fazer Europeus

Gideon Rachman, colunista do Financial Times, fala neste artigo da dificuldade da União Europeia em "fazer Europeus", um pouco maior do que a da Itália em fazer Italianos desde a unificação, há 150 anos.
Vale a pena ler.

Entrevista

Recolhi no Aba da Causa a minha entrevista ao jornal "i" no dia 8 do corrente mês.

Como era de esperar

«O PS votará a favor do Tratado Europeu».
Como aqui se defendeu, prevaleceu no PS a responsabilidade europeísta em relação ao chamado "Pacto Orçamental", apesar das reservas em relação ao mesmo. E a ideia de apresentar uma resolução política a acompanhar a votação -- uma proposta de "protocolo adicional" ao Tratado, como lhe chamou Seguro --  é um bom "achado".

sábado, 7 de abril de 2012

"Soberania orçamental"

Rejeitar o novo "Pacto Orçamental"  da UE por ser alegadamente atentatório da "soberania orçamental" dos Estados-memebros pode ficar bem à direita e à esquerda nacionalistas, que sempre se opuseram à integração europeia por razões soberanistas. Mas é um argumento descabido no campo do PS, que sabe bem que toda a integração europeia consiste na partilha de poderes soberanos a nível da União Europeia ou na transferência de poderes soberanos para a União. A "união orçamental" que agora se ensaia não constitui excepção.
O Tratado está longe de ser perfeito ou sequer equilibrado. Mas é seguramente um passo em frentre na integração orçamental, "missing link" da união económica e monetária.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

"Inconstitucionalidade"

Não procede a acusação de que o chamado "Pacto Orçamental" da UE (texto oficial aqui) é incompatível com a Constituição portuguesa no ponto em que obriga os Estados signatários a incorporarem no seu direito interno a regra do equilíbrio orçamental bem como a estabelecerem mecanismos automáticos de correcção dos eventuais desvios, neste caso de acordo com  "princípios comuns" definidos pela Comissão Europeia (art. 3º-2).
Por um lado, esse poder da Comissão só se refere às situações de infracção dos limites ao défice pelos Estados, sendo por isso excepcional e plenamente justificado; por outro lado, o Tratado só permite à Comissão indicar o "carácter" das medidas em abstracto, mas não as medidas concretas a tomar em cada situação, que obviamente competem aos governos e parlamentos de cada País. O mesmo preceito do Tratado garante o integral respeito das "prerrogativas dos parlamentos nacionais".
Por isso, a meu ver, a ratificação do novo Tratado não implica nenhuma alteração prévia da CRP, ao contrário do que se verificou várias vezes no passado, desde logo para abrir caminho à própria adesão de Portugal à então CEE (revisão constitucional de 1982) e depois para permitir a ratificação do Tratado de Maastricht (revisão de 1992).

Decididamente

Há uma coisa que o PS não pode nem deve consentir antes deve combater decididamente: que a ajuda externa e as medidas de austeridade por que passamos sejam apresentadas pelo Governo como uma consequência do "desvario do PS na gestão das finanças públicas".
Entre 2005 e 2008 houve um bem sucedido programa de controlo das contas públicas e de redução do défice deixado pelo PSD. Depois houve a grave crise económica de 2008, a tentativa do governo do PS de minorar os seus custos sociais mediante o aumento da despesa pública, o desencadeamento da crise da dívida pública europeia, o governo minoritário do PS em 2009, o plano do PSD desde o Verão de 2010 para desgastar e derrubar o Governo apostando na degradação financeira do País, a intervenção externa na Grécia e na Irlanda, o equívoco orçamento para 2011 por falta de cooperação do PSD, a persistente resistência de Sócrates em recorrer à ajuda externa, o chumbo do PEC IV, que tinha o apoio europeu, pela coligação CDS+PSD+PCP+BE, a consequente queda do Governo e a degradação da situação política e financeira, a secagem do acesso dos bancos ao crédito externo e a sua chantagem sobre o Governo, por fim o inevitável recurso à ajuda externa para evitar um iminente mal maior. O PSD tinha conseguido o que desde há muito queria...
Não é somente uma questão de verdade histórica, mas também de defesa da honra e da responsabilidade política do Partido Socialista no governo do País.

Adenda
Sobre a hsitória do recurso à ajuda externa e os seus custos vale a pena ler o artigo de Pedro Silva Pereira hoje no Diário Económico.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Onde está a esquerda europeia?

"O modelo social europeu está morto", Mario Draghi dixit.
Tem a vantagem de ser a lapalissada que ninguém na Europa deixa assumir.
Será a pedrada que acorda a esquerda europeia?

De lapso em lapso, a destroçar Portugal

Houve um colossal, mas não assumido:
- no orçamento para 2012, o ministro Vitor Gaspar esqueceu-se de orçamentar a despesa em que o Estado incorrerá por ter de pagar as pensões dos bancários, cujos fundos tratou de assumir, por malabarismo contabilistico.
Agora, com o orçamento rectificativo, cai-nos em cima outro lapso de Vitor Gaspar, monumental na desfaçatez de o assumir, hoje, a pretexto de ter baralhado a data do fim do programa de resgate - desculpa esfarrapada para desferir mais um golpe sobre os portugueses porque que afinal só em 2015 serão - parcialmente- repostos décimo terceiro e décimo quarto mês (ou seja, uma medida adicional das tais que o PM há dias apenas afiançava não ver no horizonte).
Haverá mais lapsos, cada vez mais expondo a má-fé dos governantes e cada vez mais empobrecendo a maioria dos portugueses, cada vez tornando mais injusto e desigual o país.
De lapso em lapso, numa estratégia devastadoramente errada, que não está apenas a destruir-nos a economia: está a destroçar Portugal.

Pacto orçamental

Importa lembrar que a ratificação do novo Pacto Orçamental da UE -- que vai de certeza colher o número de ratificações nacionais suficiente para entrar em vigor -- será doravante condição de acesso à assistência financeira da União. A própria aprovação do Pacto em Dezembro passado foi também condição essencial para permitir ao Banco Central Europeu lançar o programa de financiamento dos bancos a longo prazo, que aliviou decisivamente a pressão nos países sob ameaça de estrangulamento financeiro, evitando o risco de "credit crunch".
No caso de Portugal, um dos países sob assistência financeira, uma recusa de ratificação seria politicamente irresponsável por parte dos partidos de governo entre nós (mesmo quando transitoriamente na oposição). Desde logo porque ninguém nos pode garantir que não voltemos a precisar de assistência financeira no futuro, qualquer que seja o Governo...

Uma nova era

Durante décadas pensámos que o nosso nível de vida e de protecção social só poderia aumentar, nunca diminuir. Os constitucionalistas elaboraram mesmo uma teoria da "proibição do retrocesso social", dando como adquirido cada novo patamar de realização do Estado social.
O longo ciclo de retracção económico-social iniciada com a crise financeira de 2008, logo seguida da crise económica de 2009 em diante e prolongada até hoje na crise das finanças públicas, veio desmentir as esperanças arreigadas e as generosas construções doutrinais.
Não é somente o PIB, o rendimento per capita e o emprego que estão a diminuir, mas também o nivel de efectivação de vários direitos sociais. E mesmo quando, passada a crise, aqueles começarem a recuperar, de um patamar bem abaixo do de antes da crise, o mesmo dificilmente sucederá com os segundos, sobretudo devida a constrição das finanças públicas. Afinal o caminho não era sempre para melhor e as conquistas sociais não eram irreversíveis.
Terminou definitivamente a "era expansiva" do Estado social; passamos à "era da resistência". Doravante do que se trata é de salvaguardar o essencial do Estado social contra um direita radical que quer aproveitar a oportunidade para levar tudo raso e desfazer um século de progresso social na Europa.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Abortado um atentado ao Estado de Direito

Como era de esperar, o Tribunal Constitucional "chumbou" o chamado "crime do enriquecimento ilícito", que em má hora uma fronda populista e "justicialista" promoveu e que uma coligação da direita governamental com a esquerda radical fez aprovar no Parlamento. Como aqui afirmei várias vezes, tratava-se de instrumentalizar o direito penal e o Ministério Público para fins de perseguição política. Na verdade, todas as formas de enriquecimento ilícito já são crime...
Tendo resistido sozinho à pressão política e ao oportunismo mediático, primeiro no Governo e depois na oposição, merece homenagem a firmeza do PS na defesa dos mais elementares princípios do Estado de direito em matéria penal (definição precisa dos crimes, necessidade de prova da acusação, etc.), que vêm desde o início da era constitucional. Especialmente preocupante, no sentido oposto, foi o apoio e o zelo da actual Ministra da Justiça na promoção da lei agora felizmente abortada, o que só a descredibiliza.

Beirute, esta manhã

Igreja de Sao Jorge dos Maronitas e Mesquita Mohammad Al Amin, no centro de Beirute, rua dos Lazaristas.

Os custos da pressa

Houve quem se surpreendesse com o novo pulo na taxa de desemprego, um record de 15%. Na verdade, o que surpreende não é a subida do desemprego, consequência fatal do programa de austeridade orçamental e da consequente recessão económica. O que saiu acima das previsões foi a dimensão da subida. Mas os números limitam-se a reflectir a aposta deliberada do Governo, por razões de estratégia política, em encurtar o ciclo da consolidação orçamental, mediante uma sobredose de austeridade concentrada, rapidamente e em força.
Até que as coisas não têm corrido mal ao Governo, numa parte por mérito próprio (convicção e determinação na aplicação da receita), noutra parte por razões externas (estabilização da zona euro, novo programa de ajuda à Grécia e sobretudo maciça disponibilização de liquidez pelo BCE aos bancos). Mas a sobredose das medidas agrava necessarimente a recessão, não somente com os custos sociais inerentes ao maior desemprego mas também com os riscos de derrapagem das próprias metas orçamentais (menos receita fiscal e mais despesa pública, sobretudo subsídio de desemprego). No final, o resultado pode ser a necessidade de medidas de austeridade adicionais...

terça-feira, 3 de abril de 2012

Teste de oposição

O PS precisa de inclusão e não de divisão, de estabilidade e não de agitação, de serenidade e não de crispação, de paciência e não de frenesim.  É na oposição que se testa a resiliência dos partidos de governo.

Erro de focagem

Como era inevitável, na polémica do corte permanente do 13º e do 14º meses de remuneração não faltou logo quem viesse transformar uma questão essencialmente política numa questão de (in)constitucionalidade. Na verdade, porém, as duas remunerações complementares não gozam de protecção constitucional directa nem pertencem ao "núcleo duro" do Estado social que se deva considerar intocável, como o direito à pensão, ou o direito à protecção da saúde, ou o direito ao rendimento mínimo, entre outros. Nem tudo é constitucionalmente protegido nem muito menos irreversível...

Produções Marcelo

Graças ao avanço da tecnologia, chegaram-me aos confins da fronteira sírio-libanesa ecos de lusas querelas, incomparavelmente menos pungentes que as imagens trazidas pelo ribombar das explosões no bucólico encadeamento das colinas.
Tudo porque o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa resolveu servir, no programa de entretenimento que mantém semanalmente na TVI, mais uma das suas imateriais "vichyssoises", desta vez cozinhada sobre as decisões da ultima Comissão Nacional do PS.
Ligeireza e falta de rigor são apanágio das produções Marcelo, que alguns teimam em designar por "comentário político". Mas desta vez o emérito professor quis atirar-se para altas cavalarias culinárias, confeccionando a "teoria da golpaça" para empanturrar o país, envenenar o PS e enterrar António José Seguro.
Porque estive na Comissão Nacional do PS e votei todas as alterações aos Estatutos que lá foram ser discutidas (e foram mesmo, mesmo depois de meses em debate nos órgãos de base do PS), sinto-me no dever de recomendar aos socialistas e aos portugueses que não se deixem tentar pela apresentação sofisticada das terrinas Marcelo: a mistela foi confeccionada com ingredientes fora de prazo, putrefactos.
Ao contrário do que sugeriu o Prof Marcelo, não houve golpaça nenhuma na Comissão Nacional do PS: por votação democrática foi aprovado o método proporcional para a composição das listas de deputados por escolha directa dos militantes - com o meu voto a favor. E foi sujeita a votação democrática - com o meu voto contra - a proposta de fazer corresponder os mandatos dos órgãos electivos aos ciclos eleitorais.
A "golpaça", tal como a "vichyssoise", parece, de facto, emérita especialidade do emérito Prof. Marcelo.
E com especialidades destas, o país fica de sobreaviso sobre os riscos que corre de o ter como candidato à presidência da Republica, sem duvida o conduto dos seus comentários passados, presentes e futuros.

A foice em seara alheia

É inaceitável, por descabida e impertinente ingerência, a observação do funcionário da Comissão Europeia na equipa da troika para Portugal segundo a qual o corte dos subsídios de férias e de Natal deveria tornar-se permanente.
A troika pode impor condições enquanto se mantiver o programa de ajuste assinada por Portugal. Depois dele, o Governo e o Parlamento recuperam a liberdade de decisão política, incluindo quanto aos meios de conseguir os objectivos de equilíbrio orçamental. Saber se as finanças públicas comportam a recuperação das duas remunerações complementares só se pode saber depois e só ao governo português diz respeito.

Na fronteira sírio-libanesa 2

A paisagem é idílica.
Mas atrás da colina ao fundo fica a martirizada cidade de Homs, apenas a 25 km dali.
As bombas de Bashar Al Assad continuam a devastar. E a assustar as crianças, incluindo as do lado libanês da fronteira: ouvimos as explosões e sentimos o tremor.
E a margem esquerda do rio, tão suave a deslizar sobre os seixos, está pejada de minas, semeadas pelas forças de Bashar Al Assad. Para que os sírios não fujam.
Mas cada semana chegam mais 40 a 50 famílias sírias a este enclave libanês, muito pobre, onde a guerra ao lado fez parar a actividade que mais dava sustento: o contrabando.
Chegam muitos feridos, e todos sem nada, só o que lhes cobre o corpo.
São só 35.000 os habitantes no enclave de Wadi Khaled. E no entanto há mais de um ano que as famílias locais solidariamente acolhem mais de 5.000 refugiados sírios.

Na fronteira sírio-libanesa

Crianças sirias refugiadas no norte do Líbano (Wadi Khaled).
Os miúdos chutavam um saco de plástico cheio de lixo: ninguém se lembrou de lhes trazer uma bola e as famílias não têm nada, nem sequer teabalho, vivem do que lhes é dado.
Fotografei-as hoje numa velha escola recuperada pelo ACNUR para alojar 21 famílias (8 a 11 pessoas por família).
Os relatos das razões porque homens, mulheres e crianças fugiram das aldeias próximas da vizinha Síria são coincidentes.
Uma mulher de uns trinta anos, de incríveis olhos verdes, tão verdes quanto tristes, contou-me: "Queríamos viver em liberdade. Os serviços secretos abriram um posto na aldeia, começaram a desaparecer jovens, o meu irmão apareceu morto, mutilado, fora torturado. Víamos imagens do povo a revoltar-se na Tunisia, no Egipto. Começamos a fazer manifestações, nao pediamos que Bashar caisse, queríamos reformas, liberdade, serviços de água, electricidade, trabalho. Bashar mandou os tanques bombardear-nos, vieram a seguir por fogo às nossas casas. Tívemos de fugir só com as roupas que tínhamos vestidas, para sobreviver e salvar os nossos filhos. Perdi um no caminho, com seis anos, a passar o rio. Corriamos durante a noite, pelo mato. Eles vinham atrás de nós, procurávamos evitar as minas espalhadas ao longo da margem do rio. Vivo atormentada, não sei se se o menino vive! antes esteja morto! Quero voltar ao meu país, mas só com Bashar derrubado. Só o Exercito Livre da Siria nos pode valer, existe para protege o povo. É a nossa unica esperança".

domingo, 1 de abril de 2012

Pestífero

Em mais uma das suas tiradas radicalmente demagógicas, Francisco Louçã veio apelar ao PS para não aprovar o novo Pacto Orçamental da União Europeia. Segundo o líder do Bloco, o novo Tratado «vai impedir o Serviço Nacional de Saúde, (...) vai impedir a segurança social, (...) vai impedir a escola pública, (...) vai impedir democracia e responsabilidade no combate à crise». Assim mesmo, o pestífero Tratado vai "impedir" a própria democracia!
Na verdade, porém, a única coisa que o Tratado vai impedir é que o Estado viva sistematicamente à conta de dinheiro emprestado, acumulando défices e dívidas em excesso e depois gastando milhões para pagar os juros. Mal fora do SNS, da segurança social, da escola pública e da própria democracia se só pudessem sustentar-se a crédito. Pelo contrário, o único futuro sustentável do Estado social está na disciplina orçamental e no bom desempenho da economia (que também depende daquela).

Excepções

Tal como já tinha sucedido com o corte das remunerações no sector público, de que foram poupadas algumas empresas públicas, também agora o Governo resolveu abrir excepções ao congelamento das promoções no sector público, desta vez nas forças armadas e nas forças de segurança.
Como sempre sucede, as excepções aos sacrifícios gerais redundam em privilégios para os beneficiários, pondo em causa a legitimidade da sua imposição aos demais.

Viagens na Minha Terra




Lusaka, Zâmbia, na semana passada