segunda-feira, 12 de março de 2012

Caso perdido

Cavaco Silva procura virar em seu proveito o facto de alguns terem negado erradamente a existência de um dever geral de informação do Primeiro-ministro face ao Presidente da República, a fim de tentar sair airosamente do buraco em que se meteu ao acusar Sócrates de deslealdade institucional qualificada. Mas a emenda não é melhor do que o soneto.
Primeiro, o incumprimento de um dever de informação não equivale necessariamente a uma deslealdade institucional, que pressupõe má fé e vontade de desconsiderar o Presidente; como em tudo, é preciso proporcionalidade nas acusações. Segundo, Cavaco Silva não tem o direito de passados tantos meses vir qualificar como deslealdade agravada o que na altura própria nem sequer assinalou como falta institucional, muito menos como agravo qualificado. Terceiro, se Cavaco Silva considera tão grave a conduta de Sócrates, em termos de lhe atribuir dimensão histórica, não se compreende que na altura própria não tenha exigido uma explicação pública ao primeiro-ministro, para não falar na possibilidade de o demitir por delito de lesa-majestade. Por último, Cavaco Silva continua por explicar por que é que considera legítimos todos os agravos públicos com que ele próprio "mimoseou" Sócrates, numa atitude de "deslealdade institucional continuada" (para não falar na frequente ingerência na esfera governativa em deliberado desafio ao Governo) e acha intolerável e merecedora de pelourinho a única falta que aponta ao antigo primeiro-ministro. "Est modus in rebus", diziam os antigos.
Não fica bem a um Presidente da República em funções fazer justiça em causa própria, para mais numa publicação oficial, em matéria de conflitos com um ex-primeiro-ministro, de que só a história pode ser bom juiz. O "poder moderador" que incumbe ao Presidente não pode dar mostras de imoderação incontida. Em vez do distanciamento e da "majestade" que engrandecem o cargo de Presidente da República, Cavaco Silva revela ressentimento, mesquinhez e espírito vingativo. Infelizmente não é caso isolado na actuação presidencial.