terça-feira, 8 de novembro de 2011

Eleições na Nicarágua 12


Durante as penosas horas em que estive fechada naquela mal iluminada e suja sala de aula da escola primária de San Sebastian, onde voltei ontem ao fim da tarde para assistir à contagem dos votos, consolei-me a devolver imaginariamente aquele achincalhante "turismo eleitoral" ao gordalhunfo, e com requintes de malvadez: via-o ali, como eu encarcerado e abafado pelo calor e os odores pestilentos dos restos de comida abandonados, mas a destilar sebo por todos os poros e assim desviando de mim os insectos que se entretinham a morder-me canelas, pulsos e pescoço. E tornando-se pasto de todas as osgas que faziam carreiras pelas paredes e dos gekos que cacarejavam nos interstícios do telhado de zinco e madeira.
O pessoal da mesa de voto nem queria acreditar quando me viu entrar, perto das seis da tarde (de facto, já noite cerrada), dez minutos antes da hora de fecharem as urnas; e de abrirem a caixa de papelão que fazia de urna; e dos dois "policias eleitorais" aferrolharem a lamentável sala de aula. "Quer mesmo observar, até ao fim?".
Os quatro membros da mesa e os cinco "fiscales" das candidaturas concorrentes estavam já espapaçados pelo longo dia, desde que ali nos tínhamos encontrado para a abertura antes das seis da manhã.
Mas a pior parte estava para vir: mais quatro horas e meia de procedimentos que ninguém conhecia muito bem e de quatro contagens sucessivas (uma para uma das quatro eleições diferentes que o único boletim contemplava) dos 265 votos depositados na urna (o que quer dizer que naquela zona de Managua, tradicionalmente sandinista, muita gente não se deu ao trabalho de vir votar - alem dos 400 registados no caderno eleitoral, havia os votantes extra que se admitiram a votar, como os " fiscales", policias, militares etc...).
O que vale é que valia tudo e facilmente consensualizavam o que fazer, mesmo o que não se devia fazer: "este está em branco? Ok, anula-se...". Na contagem das eleições para deputados nacionais obteve-se um voto a mais: "ok, tira-se à Frente, que já nem precisa...".
Era verdade: a Frente Sandinista tinha ganho sempre à roda dos 187 votos obtidos por Ortega, contra 51 para o Fabio Gadea, o octogenário candidato do único partido de real oposição, o PLI. O PLC, do criminoso Alemán com quem Ortega tem um pacto para arrasar opositores, só sacara 11; a ALN, 1 voto (não é certo que fosse da própria "fiscale" na contagem, pois de manhã a rapariga tinha-se-nos identificado como representante da Frente Sandinista ...). E a APRE, outra coligação fabricada pelo partido no poder para dividir e reinar sobre quem se lhe oponha, nem sequer o voto do seu próprio "fiscale"...
Catherine Grèze, a azougada colega Verde com quem muito gostei de trabalhar em equipa, contou-me que na sala ao lado, onde ela também abafara a observar a contagem, a jovem "fiscale" do PLI estava exultante no final com a vitória de Ortega, apesar do partido que representava ter averbado ali uma pesada derrota. Em santa ingenuidade, a jovem confidenciara-lhe: era sandinista de alma e coração, estava ali trabalhar para o seu partido fazendo o papel de "fiscale" do PLI...
Pobre Nicarágua, a gerar um novo somozismo! Explico amanhã, depois da conferência de imprensa da Missão de Observação da UE.