sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Iniquidade na austeridade

Eis as respostas que dei à jornalista Ligia Simões do Diário Económico sobre as novas medidas de austeridade:

O Sr. Presidente da República lançou hoje, publicamente, dúvidas quanto à constitucionalidade dos cortes dos subsídios a partir de 2012, ao afirmar que é injusto reter subsídios só na Função Pública, considerando que “viola um princípio básico de equidade fiscal". Neste contexto, solicito o seu comentário:

1 – Partilha da opinião que a medida viola um princípio básico de equidade fiscal?

No meu artigo do Público de 3ª feira passada explico por que é que estamos perante uma enorme iniquidade social na repartição dos sacrifícios da austeridade. E no meu blogue desafiei o PR a pronunciar-se sobre o assunto.
Se se trata de "iniquidade fiscal", parece-me ocioso discutir. Tecnicamente, o corte de remunerações ou de pensões não é um imposto, mas materialmente trata-se de um sacrifício equivalente também em favor do erário público. Os princípios da igualdade e da proporcionalidade valem para todos os sacrifícios impostos aos cidadãos.

2 – Considera que coloca dúvidas quanto à constitucionalidade?

Não costumo debater questões políticas em termos de constitucionalidade, que tende sempre a reduzir o debate político. Nem tudo o que é politicamente iníquo é desde logo inconstitucional e nem tudo o que não é inconstitucional é politicamente aceitável. Deixemos as questões de constitucionalidade ao Tribunal Constitucional, sabendo-se que este é muito prudente e contido quando se trata de julgar medidas que afetem a capacidade financeira do Estado.
Mesmo que não seja inconstitucional, a medida não torna menos injusta.

3 – Estas dúvidas não foram já esclarecidas pelo Tribunal Constitucional quando no acórdão nº 396/11 concluíu que o corte salarial dos Funcionários Públicos, previsto no OE/2011, enquanto "o sacrifício adicional exigido aos servidores públicos não é arbitário, tendo e conta que, em função da finalidade prosseguida, quem recebe por verbas públicas não está em posição de igualdde com os restantes cidadãos", rebatendo, assim, o argumento de igualdade na repartição dos encargos públicos, enquanto princípio estruturante do sistema fiscal, o qual, segundo o TC, "não pode ser automaticamente covertido em princípio impositivo de medidas tributárias"

Concordo com a decisão do TC no caso em apreço. Mas penso que as situações não são idênticas, nem quanto aos montantes em causa, muito mais elevados agora (e que se somam à anterior redução salarial…), nem quanto ao universo de pessoas agora em questão, pelo menos no que respeita aos pensionistas, que não podem ser equiparados a funcionários, sobretudo os pensionistas da CNP. O sistema de pensões é um sistema contributivo, que não depende do orçamento do Estado.

4 – Este acórdão não veio garantir espaço de manobra ao Executivo para novos cortes, como aquele que se pretende agora com os subsídios?

Uma decisão sobre uma situação excepcional não “cobre” automaticamente outras situações que não são idênticas, como mostrei.