terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Saber ou ... não querer saber

A WikiLeaks trouxe de novo para a agenda política a questão dos voos operados através de Portugal para transporte ilegal de prisioneiros - em voos civis ao serviço da CIA, mas também em voos militares, americanos e não só....
O MENE, reagindo à primeira revelação WikiLeaks (telegrama da embaixada americana em Lisboa de 20.10.2006) voltou a negar no passado dia 8, perante a AR, que Portugal tivesse autorizado o transporte de presos para Guantanamo, afirmando que nem sequer o repatriamento de ex-prisioneiros de Guantánamo para outros destinos chegara a realizar-se, apenas fora objecto de "diligências" por parte dos EUA.
Dias depois, a 12 deDezembro, o El PAIS escreveu "los diplomáticos agradecen a Sócrates haber "permitido a EE UU usar la base de Lajes en las Azores para repatriar a detenidos de Guantánamo", "una decisión difícil que nunca se hizo pública", señala un despacho de septiembre de 2007. Convirá ler o texto integral do telegrama americano, que ainda não encontro publicado em lado nenhum.
Numa conmunicação mais recente já disponível, de 25.09.2009, a embaixada americana escreve "The Portuguese government provides liberal access to Portuguese air and seaports for U.S. military operations in support of our efforts in Iraq and Afghanistan. This year 2,557 U.S. military aircraft have flown over Portuguese-controlled airspace and 1,103 have transited through Lajes Air Base in the Azores".
Como é óbvio, nenhum voo militar americano passaria por espaço aéreo nacional ou aterraria em aeroportos ou bases militares portugueses, sem a necessária autorização diplomática, com consulta ao MDN, emitida pelo MNE (ainda que muitas autorizações sejam dadas "liberalmente", ou seja "por grosso", no esquema designado de "blanket clearance authorization").
Trata-se de autorizações portuguesas porventura semelhantes às dadas a voos militares e alguns classificados "de Estado" que, a par de outro vooscivis operados por companhias testas-de ferro da CIA, transportaram prisioneiros para Guantanamo desde o dia 11 de Janeiro de 2002 - ou o MNE autorizou todos esses voos militares e "de Estado" e não sabe o que transportavam e ao que iam? Porque não permite então a consulta aos arquivos sobre os respectivos pedidos de autorização e e condições da sua concessão? Aqui estão elencados, na lista de voos de e para Guantanamo, entre 11.1.2002 e 24.6.2006, elaborada pela NAV, lista que o MENE não forneceu à AR nem ao PE, mas que eu obtive e tornei pública.
E a questão fundamental é a de saber se Portugal sabia o que levavam aqueles aviões ou ... não quis saber!
Quanto aos voos com prisioneiros de Guantanamo a que alude a telegrafia americana como objecto de pedidos de autorização para repatriamento, não devem ser confundidos com os efectuados para reinstalar detidos em países terceiros (incluindo o nosso): estes últimos são posteriores a Luis Amado, em Dezembro de 2008, ter tomado a iniciativa (que eu louvei e louvo) de oferecer o nosso país, e de incitar outros países europeus, a aceitar pessoas libertadas de Guantanamo, para ajudar Obama a encerrar Guantanamo; e realizaram-se, obviamente, depois da posse de Obama, em Janeiro de 2009, envolvendo justamente pessoas que os EUA queriam libertar de Guantanamo mas não podiam repatriar, porque nas pátrias respectivas poderiam ser mortos ou ainda mais torturados.... Há quem esteja agora a procurar criar a confusão entre esses dois tipos de autorização, para obnubilar responsabilidades das autoridades portuguesas com voos de transferência ilegal de presos para Guantanamo e de Guantanamo para outras prisões e para os respectivos países de origem (aí sim, de repatriamento), em anos anteriores, incluidos na lista acima referenciada.
E não foram só aviões americanos que foram autorizados por Portugal a ir a Guantanamo. Há até um voo militar saudita (a 24.6.2006, curiosamente) e outros dois kuwaitis, (a 3.11.2005 e a 7/3/2005) que vão de Guantanamo para Casablanca/Marrocos e que, obviamente, só podiam passar no nosso espaço aéreo com autorização diplomatica portuguesa.
No quadro da investigação do Parlamento Europeu em 2006/2007, já se havia apurado que tinham passado por espaco aereo portugues voos para repatriar prisioneiros. Através das diligências de duas parlamentares - a britânica Sarah Ludford e a belga Frieda Broeppels - junto das suas respectivas autoridades, apurou-se que um avião militar britânico (voos RRR6868 e RRR6869) foi autorizado por Portugal a seguir pela nosso espaço aéreo para Guantanamo em 8/3/2004 e regressar no dia seguinte, com o objectivo de repatriar prisioneiros. E em 25/4/05, um avião militar belga (BAF 699A) partiu de Guantanamo para Melbroek (Belgica), com autorização de sobrevoo de Portugal, também para repatriar prisioneiros.
Enfim, resta aguardar que mais telegrafia americana confirme aquilo que o Ministro Luis Amado vem desmentindo…