sábado, 10 de abril de 2010

Sudão: eleições ou o quê?

Estou em Cartum, a ver o Nilo Azul confluir calmamente com o Nilo Branco, engrossando para norte, entre margens verdejantes, a caminho do Mediterraneo.
Estou num hotel novo-rico, desses de plástico, aço e mármore, mas bastante mais confortável e limpo do que aquele em que fiquei, há seis anos, na minha primeira missão no PE, a caminho do Darfur. Investimento do libio Kadhaffi, segundo parece.
As oportunidades de saida do hotel são, porém, menores ainda, sem ser devidamente enquadrada, alem do zelo seguidor da «segurança» local. Dos discursos eleitorais do principal candidato presidencial que resta, ressalta que os como nós, os das missões americanas e europeias de observação eleitoral, facilmente nos habilitamos a um corte dos dedos ou da língua (mesmo se a linguagem for figurada, há muito quem a possa entender literalmente).
E, no entanto, qualquer contacto pessoal com sudaneses tem sido extremamente cordial, incluindo na Comissão Nacional Eleitoral onde o nosso simpático interlocutor não sabia responder a nada do básico que perguntavamos - tipo «como é que cada pessoa sabe em que mesa de voto há-de ir votar? o que se faz aos votos contados, depois de serem transmitidos os resultados da mesa de voto ao centro de tabulação?».
Para mim, particularmente iluminante foi o encontro ontem com representantes dos observadores nacionais, agrupados na plataforma SUGDE - homens e mulheres determinados a aproveitar todo o espaço politico aberto pela campanha eleitoral com observação internacional para falar aos jovens (a maioria esmagadora dos sudaneses), que nunca conheceram outro regime senão a ditadura e a guerra - em politica e em governação em democracia. Todos já passaram pela cadeia, todos sabem que correm o risco de para lá voltar em breve, se não pior.... E, no entanto, nao desistem. E agradecem-nos ter vindo, apesar de tudo. E esperam de nós a verdade, nada menos que a verdade: que não se sacrifique a democracia e os direitos humanos por uma pretensa estabilidade, que uns julgam determinante da unidade, outros da secessão do país, havendo referendo no Sul no próximo ano.
A circunspecção das palavras em todos os comentários que eu possa fazer neste momento - aqui e sobretudo nos contactos com os media - é-me imposta não apenas pelas obrigações do código de conduta como observadora eleitoral, mas pelo bom senso politico e pela segurança de todos, designadamente dos mais de 140 observadores europeus (incluindo alguns outros portugueses) espalhados pelos locais mais inóspitos deste país, o mais vasto de África.
Valho-me de remeter quem queira entender melhor a situação aqui e agora, para o que disse ontem Susan Rice, a embaixadora de Obama na ONU (uma avaliação significativamente muito diferente da que anda por aqui a sugerir um tal Enviado Especial dos EUA, de sua graça Scott Gration). Ah, e para o que disse o português Victor Angelo, que tendo sido representante da ONU no vizinho Chade(acolhedor de mais de 200.000 sudaneses refugiados do conflito no Darfur) sabe bem do que falamos.