quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Anarcografia

O último argumento contra o acordo ortográfico vem de Desidério Murcho, que numa manifestação de anarquismo ortográfico -- o horror ultraliberal contra qualquer norma ou regulação continua em alta entre nós -- defende que "legislar sobre a língua" é impróprio de uma sociedade livre.
Só é de admirar que todo o seu texto esteja impecavelmente redigido de acordo com a norma ortográfica oficial, resultante da sucessiva legislação do século XX, sem a mínima sombra de libertarismo ortográfico! Pelos vistos, o problema não está em legislar, mas sim em mexer na legislação vigente. Só que há uma pequena diferença entre ultraliberalismo e ultraconservadorismo...

Notícias do SNS

Que um editorialista de um jornal de referência, como o Público de hoje, insista no truismo de que o «direito à saúde das populações não pode ser sacrificado em nome da sustentabilidade das finanças públicas», para dizer obviamente que era isso que estava a suceder com as políticas de Correia de Campos, mostra o dificuldade de fazer triunfar na opinião pública um discurso reformista sério sobre o SNS.
Três notas a este respeito:
a) o encerramento das pseudo-urgências não afectou nenhum direito à saúde, antes visou garantir um direito a melhores cuidados de saúde, o que, como mostrou o encerramento dos blocos de partos, na altura tão vilipendiado, não se assegura com maus serviços ao pé da porta;
b) o reordenamento territorial dos serviços de urgência não obedece a nenhuma lógica de poupança financeira, pois os encargos da nova rede de urgências e dos meios de transporte são muito maiores do que os custos dos serviços encerrados;
c) como é sabido, a salutar contenção do crescimento (insustentável) dos gastos do SNS deve-se sobretudo a ganhos de eficiência (ver o caso do Santa Maria) e a poupanças na factura dos medicamentos.
Nesta altura do campeonato, e consumada a saída do "culpado", tudo isto deveria ser pacífico. E o mínimo de homenagem que se deve ao ex-ministro da Saúde consiste em não lhe imputar o infamante projecto de querer "poupar dinheiro à custa da saúde dos portugueses". Para demagogia, basta o que basta!

O 1º de Abril ainda vem longe!

«Durão Barroso nomeado para Nobel da Paz».
Deve ser por causa da cimeira dos Açores!...

"Ainda o sistema de governo autárquico"

Já está disponível na Aba da Causa o meu artigo desta semana no Público, com o título em epígrafe. Por um lado, contesto a coabitação forçada da maioria e da oposição nas câmaras municipais, agora que elas deixam de ser directamente eleitas; por outro lado, critico a garantia institucional de governos minoritários, mesmo contra uma oposição maioritária nas respectivas assembleias.

Paridade

O Tribunal Constitucional espanhol rejeitou a arguição de inconstitucionalidade do PP contra a lei da paridade espanhola que impõe que as listas eleitorais tenham um mínimo de 40% e um máximo de 60% de candidatos masculinos ou femininos.
Decididamente, a direita não se conforma com as medidas positivas de promoção da "igualdade de género", ou da igualdade em geral. A promoção da igualdade (ou a luta contra as desigualdades) continua a ser o principal critério de diferenciação da esquerda face à direita.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Corporativismo de esquerda

A reacção da generalidade da esquerda francesa (ressalve-se a excepção de Ségolène Royal) contra o "relatório Attali" -- que, entre outras coisas, preconiza a abolição geral dos proteccionismos profissionais (desde as farmácias aos táxis, passando pelos veterinários e pelos advogados) -- confirma um dos maiores equívocos da esquerda tradicional na actualidade.
Ao abrigo de que princípio há-de a esquerda defender privilégios e coutadas profissionais, contra os utentes e contra a economia em geral?!

Voos da CIA

É reconfortante a reafirmação de que o Governo não soube nem autorizou os voos de prisioneiros da CIA (também era o que faltava!). Mas sendo os voos indesmentíveis, torna-se necessário também saber três coisas:
a) Se tais voos, que começaram em 2002, foram autorizados expressa ou implicitamente pelos Governos anteriores;
b) Se houve alguma conivência de funcionários portugueses, cuja responsabilidade disciplinar haja que apurar.
c) Se Portugal protestou oficialmente, como devia, contra o abuso dos Estados Unidos na utilização do espaço aéreo e do território nacional para actividades ilegais, que permitiram associar o nosso País a essa história indigna.
Estas questões políticas estão obviamente fora da alçada do inquérito da Procuradoria-Geral da República...

Mais "políticas neoliberais contra o Estado social"

«Sócrates anuncia novas medidas de combate à pobreza».

Correio da Causa: Remodelação

1. «Queria felicitá-lo por sublinhar "a clara vitória da rua, do aparelho do PS e da oposição", a que acrescentaria "do Presidente da República", o qual, em tempos, também cedeu aos contestatários da primeira tentativa de pôr ordem na saúde [Leonor Beleza] e que não quis que o governo fosse por caminho diferente. É lamentável que "a demagogia da rua", e a ignorância dos tablóides, que tanto mal faz à democracia, vençam tantas vezes.»
João V.

2. Concordo em absoluto com a opinião emitida sobre a saída do Ministro da Saúde. Não pode uma reforma essencial para o futuro do País e para a sobrevivência do Serviço Nacional de Saúde ser desta forma posta em causa. A saída do Ministro foi uma cedência, em toda alinha, a:
- grupos de interesses (farmacêuticas, médicos e outros);
- aos Alegres deste País, que de forma demagógica, sem que se entenda porque razão, são incapazes de resistir ao protagonismo mais bacoco;
- aos caciques e interesses partidários locais;
- aos partidos de oposição que demagogicamente, sem qualquer vergonha, cavalgaram a onda de contestação;
- ao Presidente da República (e seus conselheiros), que através da mensagem de fim de ano colocou lenha na fogueira, numa matéria cuja importância aconselhava prudência;
- à comunicação social, que no seu registo tablóide lá vai fazendo o seu caminho de meros vendilhões de opiniões alheias;
- ao calendário eleitoral.
Não esperava que aqueles cujos interesses, de muitos milhões, foram afectados, aplaudissem as medidas tomadas. Sabia que esses interesses patrocinariam campanhas, nomeadamente, através da comunicação social (sempre muito receptiva...) no sentido de denegrir a reforma. Sabia que a oposição e interesses partidários locais, irresponsavelmente, procurariam capitalizar os descontentamentos. Na linha daquilo que tem feito, era normal que Alegre procurasse os seus momentos de protagonismos (o homem que forme lá o partido).
Só não esperava o Alto Patrocínio da Presidência da República. E não esperava que o Primeiro-Ministro entregasse, numa bandeja, a "cabeça" do Ministro da Saúde, para gáudio de alguns e para mal de todos aqueles que necessitam do Serviço Nacional de Saúde.»

David C.

3. «Aquela que julgo ser a "pergunta para queijo" no assunto da remodelação, que gostaria que comentasse: se é verdade que o Presidente da República teve uma mão na remodelação governamental, devemos aceitá-la como normal representação da sensibilidade popular, ou interferência em função de um projecto político específico?
Pergunto-o porque me preocupa a possibilidade, não de o Presidente poder interferir, mas de poder interferir sem nunca se explicar ou se dar a ver. Existirão, contudo, recados na comunicação social, que pretendem tornar "evidentes" e "de interesse nacional" os conselhos do Presidente (i.e., NAL, o referendo europeu), quando se trata de opções políticas ideologicamente determinadas. Se o Presidente considerava que as reformas da saúde apenas careciam de explicação, porque não "ajudou"? E já agora, porque não "ajudou" Alegre, que no essencial concordava com a racionalização dos serviços? Se é atribuído mérito à remodelação "comunicacional", os que se interessam pela política "de facto" não terão tudo a perder?»

João M.

Remodelação

Se esta notícia tiver fundamento e estiver para haver mais mexidas no Governo, é de toda a conveniência que elas sejam feitas acto contínuo, sob pena de adensar um clima de "caça aos ministros" por parte dos media e da oposição e de instalação de um ambiente de instabilidade e insegurança no seio do Governo.
Aliás, continuo a entender que a remodelação governamental devia ter sido feita logo no início do ano -- e de uma vez.

Como se desfaz um ministro

Primeiro monta-se uma metódica campanha de assassinato político, com a prestimosa colaboração das televisões-tablóide. Depois passa-se a mensagem de que "o ministro é insustentável"...

"Alemanha a cinco"

Nas Alemanha, as eleições estaduais no Hesse e na Baixa Saxónia franquearam a entrada da frente das Esquerdas (Die Linke) -- constituída pela aliança dos neocomunistas e dos dissidentes do SPD -- nos respectivos parlamentos, replicando o seu êxito das eleições federais de 2005. A paisagem partidária alemã diversifica-se numa constelação pentapartidária, deixando a cláusula-barreira de 5% de ser obstáculo à tendência para o multipartidarismo que é inerente ao sistema proporcional.
Se esta tendência se consolidar, acompanhada da diminuição relativa do peso eleitoral dos dois grandes partidos (CDU-CSU e SPD), vai ser cada vez mais difícil estabelecer governos de coligação de um deles com apenas um pequeno partido, como era tradicional, sobretudo à esquerda, onde o SPD é o mais prejudicado com a emergência dos Die Linke.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Remodelação

O afastamento do Ministro da Saúde na esperada remodelação governamental constitui uma clara vitória da rua, do aparelho do PS e da oposição. Decididamente é impossível fazer reformas contra os interesses estabelecidos, contra as visões localistas e contra o clamor demagógico dos média.
Resta esperar que a reforma do SNS que Correia de Campos concebeu e iniciou - absolutamente necessária para a sua sobrevivência - não fique pelo caminho, para gáudio dos que apostam sobretudo na sua insustentabilidade. Mas o mais prudente nestes cenários é temer a contra-reforma...
Aditamento
Bem gostaria de saber, mas é fácil adivinhar, o papel que os interesses da indústria e do comércio farmacêutico, a quem Correia de Campos cortou um bocado dos seus fabulosos proveitos, teve na óbvia campanha de "assassínio político" do ex-Ministro da Saúde. Como é bem sabido, os interesses não dormem...

Universidades-fundação

Como se não bastassem as vantagens inerentes ao estatuto das fundações de direito privado no capítulo da gestão financeira e da gestão de pessoal das universidades que optem por esse estatuto, J. Mariano Gago acaba de lhes proporcionar mais um bónus, conseguindo a sua exclusão da aplicação do Código de Contratos Públicos, hoje publicado na folha oficial. Mesmo que se questione se essa exclusão vale para os contratos de valor acima dos limiares a que se aplica o direito comunitário (ver o caso dos hospitais-empresa), trata-se ainda assim de uma considerável vantagem relativa.
Ou me engano muito, ou há instituições de ensino superior que ainda se vão arrepender de não terem entrado na primeira vaga de transformação fundacional...

Centenário da República

Foi finalmente publicado o diploma legislativo que define os objectivos, o calendário e a estrutura organizatória das comemorações do Centenário da República, em 2010. A dois anos da data estabelecida para o seu início (31 de Janeiro de 2010), urge proceder à nomeação dos órgãos previstos (comissão nacional e comissão consultiva) e à elaboração e aprovação do programa comemorativo. Em questões destas perde-se normalmente pela demora.

"A viagem da morte"

«The “Journey of Death” - Over 700 prisoners illegally rendered to Guantanamo with the help of Portugal» -, tal é o nome de um relatório da organização britânica Reprieve, especializada na investigação de perseguições e julgamentos ilegais.
Trata-se de um relatório que fornece dados minuciosos sobre as "transferências" ilegais de prisioneiros da CIA para o campo de concentração norte-americano de Guantanamo em Cuba, entre 2002 e 2006, utilizando o espaço aéreo e/ou o território nacional. Sendo de duvidar que tantos voos pudessem ter passado despercebidos ou insuspeitos quanto à sua missão, impõe-se pelo menos apurar que grau de conhecimento e/ou de envolvimento existiu por parte das autoridades portuguesas competentes.

As bastonadas do Bastonário


É muito significativo o clamor dos “meninos de coro”, armados em ofendidos pela denúncia do óbvio, por parte do novo Bastonário da Ordem dos Advogados:
- que este país está minado pela falta de ética e pela corrupção infiltrada a altos níveis do Estado; pela promiscuidade entre políticos, deputados (também advogados ou não) e todo o tipo de traficantes de influências; pela aviltante remuneração de magistrados judiciais por jeitos futebolisticos e outros; e uma desconcertantemente fácil “passerelle” entre governantes, autarcas, gestores públicos e banqueiros, empresários, patrões futebolitiscos, etc...; e sobretudo pela gritante impunidade – judicial e política - em que tem vivido a maior parte dos corruptos e corruptores neste país, os maiores ladrões e desfalcantes do Estado, além de todos os que têm grosseiramente desbaratado o erário público por desleixo ou incompetência.
Claro que nem todos os altos funcionários, nem todos os deputados, nem todos os dirigentes políticos, nem todos os governantes são corruptos ou delinquentes, tal como nem todos os banqueiros e patrões são desonestos e corruptores.
Mas, quem não deve, não teme – não teme, designadamente, a criação dos mecanismos anti-corrupção propostos por João Cravinho e lamentavelmente enterrados... (pelo PS). Não teme, designadamente, que se reveja o onús da prova e que quem é suspeito de enriquecimento ilícito passe a ser obrigado a demontrar de onde lhe vêm os súbitos rendimentos – o que o PS recusou na AR.
Eu não temo. E por isso as palavras do Dr. Marinho Pinto em nada me incomodam, nem me beliscam a reputação, como responsável política, deputada e alta funcionária do Estado que sou. E por isso as aplaudo.
Precisamos de pedradas no charco. Precisamos de bastonadas do Bastonário. Para ver se Portugal abana, admite a doença e começa a combater o mal sinistro que o empobrece, lhe corroi a Democracia e lhe destroi o Estado de direito.

Paridade, mas só para homens...

Para o “bloco centrão” a Lei da Paridade é admissível em certos órgaos políticos...mas nas autarquias – onde os negócios fiam fino – era o que mais faltava!
O projecto de lei sobre as eleições autárquicas, aparentemente acordado entre PS e PSD, descarta a Lei da Paridade: nas assembleias municipais sim, mas os executivos municipais ficam desobrigados.
Tal como no Parlamento, o “centrão” reaccionário tolera algum mulherio (premiadas se caladinhas e submissas...), mas no Governo e nas cadeiras do poder “hard” (municipal que seja...) – “ni hablar”! Aquilo é para continuar nas mãos dos “boys” de fato e gravata, independentemente de terem barba rija ou voz aflautada...
Vamos bem, vamos!
Foi para isto que o PS andou durante a presidência europeia a lançar foguetes sobre a promoção da “igualdade de género”?

Etiópia 2005/Quénia 2007

O Quénia saiu a rua, em protestos massivos contra a fraude nas eleições de 27 de Janeiro. Desde então a violência tem vindo em crescendo, as atrocidades já mataram quase mil pessoas. Mais de 500.000 estão fora de casa, o número de refugiados nos países vizinhos não para de crescer. O Quénia está no caos.
Desde então a UE não fez nada, deixando Kofi Annan ir para o terreno sem retaguarda assegurada. Hoje mesmo, o Conselho emitiu um deplorável voto piedoso – ameaçando descontinuar o “business as usual”.... Nada de dar ouvidos ao PE, que há semanas recomendou que aumentasse a ajuda humanitária prestada ao povo queniano, mas cortasse a ajuda directa ao orçamento do Estado (400 milhões de Euros previstos para 2008, dos quais uma tranche de 40 milhões já foi transferida, logo no dia a seguir às polémicas eleições..). Estamos a falar de ajuda europeia directa ao regime corrupto do “chapeleiro” Presidente Kibaki.
Não posso deixar de fazer o paralelo com a forma desastrosa como Comissão e Conselho reagiram em 2005, quando, ao lado, na grande vizinha Etíópia, o ditador Meles Zenawi também fez grossa falcatrua eleitoral para se manter no poder – como a Missão de Observação Eleitoral da UE, que eu chefiei, denunciou.
Nos dias seguintes às eleições o reles Meles aboliu as parcas liberdades cívicas, fechou a imprensa independente, massacrou a população (milhares de mortos), prendeu outros milhares – incluindo todos os principais líderes da oposição ... e, dois anos depois, a UE continua alegremente a apoiar o orçamento do Estado de que rouba a clique no poder na Etiópia. Entretanto a economia etíope definha, mas o reles Meles lança-se numa guerra de agressão e invasão na vizinha Somália, a pretexto da “guerra contra terrorismo” – ele que é o terror do seu povo! E, apesar de tudo isso, continua, o reles Meles, a ser desvanecidamente recebido na Europa, como se fosse estadista respeitável!
Ora não havia o vizinho Kibaki de lhe copiar o exemplo!
E foi para isto que se fez a Cimeira UE-África?

Gazear Gaza?


O muro da fronteira entre a Faixa de Gaza e o Egipto rebentou na semana passada, tal como a furia de quem vive, encurralado, na prisão apinhada e impossível que é Gaza – a prisão à guarda do Hamas, mas cercada e incendiada por Israel (estupidamente, inutilmente, porque os misseis kassam continuam a fustigar colonatos israelitas).
Eu, confesso, respirei de alívio e aplauso quando rebentou o muro fronteiriço onde dias antes a polícia egípcia espancava mulheres palestinianas desesperadas.
Eu, confesso, vibro quando ruem os muros da nossa vergonha, como Humanidade.
Muros como o que Israel continua a construir em território roubado à Palestina - um muro que um dia também há-de ruir, ou rebentar, como rebentou o de Rafah.
Pobre Gaza, pobre gente de Gaza, que todos, incluindo a UE, com Israel à cabeça, entregam de bandeja à tirania do Hamas!
Que mais há-de a indigência estratégica e moral da actual liderança israelita inventar para punir colectivamente os palestinianos de Gaza? O que faltará fazer-lhes? Gazear Gaza?

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

USA 2008

Edward Kennedy apoia Obama. Um apoio de peso, mais um revés para Hillary Clinton, a somar à pesada derrota na Carolina do Sul.

Eleições espanholas

Na campanha para as próximas eleições parlamentares, o PSOE lidera as sondagens, ainda que sem vantagem segura. Mais importante é a chamada "dinâmica de vitória", na medida em que uma folgada margem de eleitores prevêem a vitória de Zapatero. Porém, a mais de um mês das eleições, o desfecho eleitoral continua manifestamente em aberto.

Sistema de governo autárquico (2)

Muito provavelmente, o equívoco da proporcionalidade da composição das câmaras municipais não teria tido a extensão que tem tido, se os partidos proponentes não tivessem acordado em atribuir automaticamente aos partidos de oposição uma quota (minoritária) de lugares nas câmaras municipais (não nas juntas de freguesia), à revelia da lógica da separação entre órgãos executivos e órgãos deliberativos.
Por vezes as concessões ao pragmatismo político, à margem dos princípios, dão mau resultado...

Sistema de governo autárquico (1)

Na sua coluna de hoje no Público André Freire considera uma «brutal distorção da vontade popular» o abandono da proporcionalidade na composição partidária das câmaras municipais, que deixam de ser directamente eleitas. Como já mostrei várias vezes, uma tal afirmação só pode basear-se no equívoco de que o princípio da proporcionalidade é aplicável à composição de órgãos executivos não directamente eleitos, o que, porém, não pode retirar-se de nenhum princípio constitucional ou democrático.
Pela mesma lógica, aliás, teríamos de concluir:
a) que as juntas de freguesia incorrem nesse grave pecado desde a origem, pois nunca se lhes aplicou tal princípio;
b) que o mesmo sucede em todo o poder autárquico por esse mundo fora, onde a composição proporcional de executivos municipais não é seguramente a regra;
c) que o mesmo teria de ser dito também em relação aos governos nacionais, a começar pelo nosso, normalmente baseados no princípio da maioria.
Aditamento
Como já argumentei e voltarei a mostrar amanhã na minha coluna no Público, eu também entendo que, para além de outras objecções, o sistema de governo autárquico proposto pelo PS e pelo PSD não cumpre os cânones constitucionais e democráticos --, mas por não respeitar o princípio maioritário...

Levar a sério a ASAE

«PSD: "Só José Sócrates leva a sério a ASAE". Uma oposição séria e responsável também deveria respeitar e apoiar o organismo público que veio dar visibilidade e eficácia à defesa da segurança económica e alimentar (independentemente dos "show-offs" do seu presidente), condição elementar de um país civilizado . Mas pelos vistos falta essa oposição.

domingo, 27 de janeiro de 2008

Incontinência verbal

A democracia está "em perigo" em Portugal, Sócrates é "fascista", a lei do tabaco é "nazi", a ASAE é "como a PIDE". Que mais dislates teremos de ouvir!?

Diz o nu ao roto

«Menezes diz que PS vive crise de identidade».

sábado, 26 de janeiro de 2008

Regulação

E eu que julgava que a regulação é um modo de corrigir as "falhas de mercado" do capitalismo...

Mudança de poiso

Incompatibilizado com o poiso de origem, o Blasfémias foi pregar para outras paragens.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Mercados financeiros globais precisam de regulação global

O Primeiro-Ministro britânico publicou no Financial Times a sua visão sobre a crise financeira e o modo de regular o sistema financeiro mundial:
«While financial flows and therefore risks have crossed borders effortlessly and reside in global companies, their supervisors and regulators are largely national. The world has no effective early warning system and no common approach to handling major global market disruptions. (...) We need a clearer, more authoritative watchdog. Regulators need to be enabled to overcome their boundaries with common principles, shared analyses and information, and collaborative management of crises.
(...) The International Monetary Fund should be at the heart of this reform. (...) To be effective for a new era, the IMF should act with the same independence as a central bank – responsible for the surveillance of the world economy, for informing and educating markets, and for enforcing transparency through the system. (...) We should also consider how the IMF’s responsibilities for financial stability could be made clearer.»
(Gordon Brown, "Ways to fix the world’s financial system", Financial Times).
As crises são o melhor incentivo das reformas. A proposta de Brown faz sentido. É preciso um regulador global para a globalização financeira.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

A crise

As atitudes perante a crise financeira e os seu previsível impacto económico mostram que há coisas que não mudam. A esquerda anticapitalista não esconde a sua excitação perante a perspectiva de uma crise a sério do sistema financeiro mundial. A direita liberal faz de conta que não vê o falhanço da "mão invisível" nem o pacote de medidas keynesianas (ó heresia!) desencadeadas pelas autoridades dos Estados Unidos para tentar travar o risco de recessão. Quando a situação se recompuser, os primeiros regressarão à sua crença na condenação final do "sistema" e os segundos voltarão à sua ortodoxia nos malefícios da intervenção do Estado...
O que seria do Mundo sem convicções tão resistentes aos factos?

"Salvação do SNS"

Já está disponível na Aba da Causa o meu artigo desta semana no Público sobre a reforma do SNS. Contra a tese da "destruição do SNS".

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Bragaparques - acabou-se a roda livre...




Palmas a António Costa ! por procurar reverter a negociata corrupta da permuta de terrenos entre o Parque Mayer e a Feira Popular, efectuada pelo executivo PSD-carmonal.
Esperemos as revelações que o processo permita desencadear.
E cruzemos os dedos pela operação de limpeza que Câmara e os compinchas bracoparquenses, há muito em roda livre nos diferentes partidos (PS incluído ...), andam mesmo a pedir!

Proporcionalidade eleitoral

Ao contrário do que alguns comentaristas parecem entender a propósito da lei eleitoral para as autarquias locais, a questão da proporcionalidade eleitoral só se coloca em relação aos órgãos colegiais directamente eleitos, em especial as assembleias representativas, e não os órgãos executivos não directamente eleitos, onde a regra democrática é a maioria na assembleia (nos sistemas presidenciais o executivo é um órgão uninominal directamente eleito, por vezes por maioria absoluta).
Ora, a proposta de lei autárquica em dicussão parlamentar em nada afecta a proporcionalidade da eleição das assembleias deliberativas (assembleia municipal e assembleia de freguesia), estando a sua principal inovação na eliminação da eleição directa separada da câmara municipal (a junta de freguesia nunca foi directamente eleita), solução aliás anómala em termos comparados.
Aditamento
Por isso, não concordo com Paulo Gorjão neste post. O problema não é alegado desrespeito da proporcionalidade na composição das câmaras municipais, mas o desrespeito do princípio da maioria, como argumentei aqui.

Antologia do anedotário político

"Em 1900, Portugal estava bastante mais avançado do que hoje." (Duarte Pio de Bragança ao Correio da Manhã, via Público de hoje).

Wishful thinking?

«BE prevê "catástrofe económica" em Portugal».

Um pouco mais de rigor sff.

Noticia o Jornal de Notícias, com base num estudo da companhia de seguros Axa:
«Pensões em Portugal são as mais baixas da União a 15 países. Só dois dos novos países da União Europeia têm pensões de reforma mais baixas do que Portugal, mas, se se excluir a República Checa e a Hungria, os aposentados portugueses estão no fim da lista no que toca ao valor recebido depois de uma vida de trabalho.»
Para começar, embora verosímil, a primeira afirmação não pode retirar-se do estudo invocado, pois este só abrange 7 dos países da UE-15.
Em segundo lugar, o resto é somente meia verdade. Com efeito, como o estudo da Axa expressamente diz (p. 41):
«A seguir à Hungria e à República Checa, Portugal é o país europeu onde as pensões são mais baixas - bem como o montante necessário para fazer face às despesas domésticas. Verifica-se, em Portugal, um défice entre o rendimento e necessidades, embora menor do que em países como França e Bélgica.»
Ou seja, embora sejam comparativamente inferiores (desde logo por as remunerações de base também o serem), o défice entre o seu valor e as necessidades dos pensionistas é menor do que em alguns países onde elas são muito mais altas (mas onde a satisfação das necessidades ainda é mais exigente, desde logo pela diferença de preços).

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

O "fundador" do Brasil

Há duzentos anos, na sua fuga de Portugal para o Brasil, D. João VI aportava a Salvador da Baía, onde se deteve antes de rumar para o Rio de Janeiro. Quatorze anos mais tarde, pouco depois do seu regresso a Portugal, o Brasil tornava-se independente sob a égide de seu filho, D. Pedro.
Seguramente teria havido de qualquer modo independência do Brasil por essa altura, tal como ocorreu com as demais colónias americanas. Mas sem a mudança da corte para o Rio em 1808, o mais provável é que, tal como sucedeu com as colónias espanholas, o Brasil se tivesse partido em várias repúblicas. Como se argumenta no "best seller" 1808(na imagem), recentemente publicado (que "devorei" em recente visita à Baía), se o imenso Brasil se manteve como país uno, deve-o verosimilmente a... D. João VI.
Grandioso feito para tão improvável personagem!

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Notícias do SNS

«Tempo médio de espera e número de doentes diminuem na região Norte».
Mais uma prova da "destruição do SNS"...

Antologia da demagogia política

Quando um dia se fizer uma antologia da demagogia política, nela há-de figurar com honras de caso exemplar a miserável exploração mediática e partidária da morte de uma criança numa ambulância à chegada ao hospital de Anadia, imputando essa morte ao encerramento do serviço de urgências desse hospital, sem nenhum fundamento.
Aditamento
Para ver como a decência política desertou no caso de Anadia ver este post.

Queimar etapas

Se, como anunciou hoje o Ministro das Finanças, o défice das contas públicas de 2007 vai ficar bem abaixo dos 3% (o que o pode colocar entre os mais baixos do pós 25 de Abril) e se, consequentemente, a previsão orçamental de 2,4% para o corrente ano vai ser revista em baixa (quem sabe, para os 2%), então é altura de pensar em reduzir o IVA já este ano.
O Governo aumentou o IVA em 2oo5 como medida inevitável para sanear as finanças públicas. Conseguido esse objectivo antes do previsto (ganho de um ano), Teixeira dos Santos só não deve aliviar o IVA se a instabilidade da economia internacional não der margem para o fazer com um mínimo de segurança.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Remunerações no sector público

«Sócrates e Cavaco também perdem poder de compra».
Era o que faltava se não fosse assim ("ou há moralidade ou comem todos")! Na verdade, os titulares de cargos políticos até perderam relativamente mais do que a função pública. Não eram só os funcionários que tinham remunerações acima das possibilidades financeiras do Estado, depois das subidas provocadas pelo sistema de remunerações do último Governo de Cavaco Silva e das decretadas por Guterres no seu primeiro Governo.
Quando se sobre demasiado, tem de se descer...

Gratificação

Escandalosamente beneficiada pela Câmara Municipal de Lisboa no negócio dos terrenos do Parque Mayer -- negociata que valeu para já uma acusação penal contra o então presidente da CML e outros vereadores --, a Bragaparques retribuiu a gentileza com uma contribuição para o financiamento do PSD nas eleições municipais de 2005.
É evidente que se trata de "simples coincidência". Mas mesmo que o não fosse, a gratidão nunca ficou mal a ninguém. De resto, depois do caso da Somague, é evidente que há empresas que adoram o PSD.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Governo autárquico (2)

Com a errada fixação na contestação da perda da proporcionalidade na composição da câmara municipal -- esquecendo que ela nunca existiu na junta de freguesia --, a oposição desvalorizou a principal objecção contra o regime em vias de aprovação, que consiste na imposição de executivos maioritários monopartidários mesmo contra uma folgada maioria da oposição na assembleia.
De facto, segundo a proposta PS-PSD a rejeição da junta ou da câmara proposta pelo presidente exige uma maioria de 3/5 na assembleia, o que lhe permite "passar" mesmo que tenha 59% de votos contra. Ora, não sendo o executivo directamente eleito (salvo o presidente), de onde virá a sua legitimidade democrática (seja a junta de freguesia, seja a câmara municipal) para se impor à maioria da assembleia autárquica, essa sim directamente eleita?
Recorde-se que no caso do sistema de governo nacional, nenhum governo pode passar na AR se tiver contra ele uma maioria absoluta...

Governo municipal (1)

Sou insuspeito de apoiar a reforma do sistema de governo autárquico acordado entre o PS e o PSD, que desde há muito critico (por último aqui), entre outros aspectos pelo superpresidencialismo autárquico que a nova lei vai consagrar.
Todavia, não sufrago a principal linha de contestação seguida pela oposição, baseada no fim da proporcionalidade na composição da câmara municipal. Pelo contrário, acho esse argumento totalmente improcedente. A meu ver, não deveria haver nenhuma coabitação forçada entre governo e oposição no executivo municipal, que é insólita no direito comparado. Tomada a opção de suprimir a eleição directa da câmara municipal -- solução perfeitamente legítima, que desde sempre valeu para as freguesias, sem nenhuma reserva --, o "poder executivo" deveria caber ao partido ou coligação maioritário/a na assembleia autárquica, como sucede no caso do Governo da República e nos governos regionais, em que não se concebe a presença da oposição dentro do governo.
O lugar da oposição é na assembleia, devendo ser reforçados e os direitos do partidos de opoisção e os meios de escrutínio e fiscalização da assembleia.

"Porton di nos ilha"

A pedido da autora incluí na Aba da Causa o texto de Maria Manuel Leitão Marques publicado esta semana no Diário Económico, com o título em epigrafe, sobre a "administração electrónica" em Cabo Verde.

"O País inclinado para Sul"

Coligi na Aba da Causa o meu artigo desta semana no Público, com o título em epígrafe, sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa.

Discrepância

«Número de desempregados inscritos cai 13,8% em Dezembro».
Alguém consegue explicar convincentemente a discrepância entre estes dados do IEFP, que revelam uma diminuição consistente do número de pessoas à procura de emprego, e os números do INE, que asseveram uma taxa de desemprego muito superior, aliás em crescimento até há pouco tempo?

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Elementos de teoria e prática democrática

«Nós não vivemos numa República que tenha deferido o poder de legislar a procuradores-gerais adjuntos. (...) Estamos a consagrar reformas que representam o ponto de vista dos eleitos e não de um determinado grupo profissional. (...) Há certas reformas que se as deixamos na dependência dos seus destinatários, corremos o risco de não as realizar». (Alberto Costa, ministro da Justiça, entrevista à revista "Visão", ed. de hoje).

Cartéis

«[Autoridade da] Concorrência multa 4 [empresas] farmacêuticas em 13,4 milhões de euros».
Que a mão não doa à Autoridade da Concorrência!

Remunerações na função pública (3)

Não é preciso ser adivinho para prever para 2009 uma actualização acima da inflação prevista. Como a tradição política indica, em ano de eleições (aliás triplas: europeias, parlamentares e locais) as restrições orçamentais costumam ser atenuadas (embora seja de esperar que a disciplina orçamental não entre em "ano sabático"...).

Remunerações na função pública (2)

Outra questão é a de saber se os rendimentos dos funcionários não devem mesmo sofrer estagnação (ou mesmo alguma redução) em termos reais. Não falta quem o defenda com bons argumentos, quer em termos de sustentabilidade das finanças públicas quer em termos de equidade social.
Por um lado, sendo as despesas públicas com pessoal na Administração Pública muito superiores à média da UE e da OCDE, só há dois meios de a reduzir, ou seja, pela redução de funcionários e/ou pelo crescimento das remunerações abaixo do crescimento do PIB. Por outro lado, um tal congelamento (ou mesmo redução) pode justificar-se em termos de igualdade, considerando que as remunerações da função pública são em muitos casos superiores às do sector privado (o mesmo sucedendo com as suas pensões) e que os funcionários gozam de muitas outras vantagens (menor horário de trabalho, mais férias, menor desconto para a segurança social, um subsistema de saúde privativo que a respectiva taxa não dá para sustentar e, sobretudo, uma muito maior segurança no emprego).

Remunerações na função pública (1)

O Público de ontem destacava na 1ª página o seguinte: «Se se mantiver a tendência dos últimos anos e as previsões do Governo para a inflação falharem, os trabalhadores do Estado vão em 2008 perder poder de compra pelo nono ano consecutivo.»
Mas uma coisa é o aumento da tabela salarial e outra o aumento do rendimento, em geral maior, entrando em conta com subsídios complementares e sobretudo com as progressões. Mesmo com uma actualização da tabela abaixo da inflação o aumento do rendimento dos funcionários pode ser superior à subida dos preços. O único meio de saber é pelo cálculo do rendimento per capita, dividindo os gastos efectivos com pessoal pelo número de funcionários.
A referida perda de poder de compra só se deve ter verificado desde que Manuela Ferreira Leite decretou em 2003 o congelamento das remunerações e das progressões. Já não é seguro que se verifique em 2008, se a taxa de inflação não for muito superior à prevista e se houver descongelamento das progressões, como previsto.

Mais uma prova da cavilosa "destruição do Estado social"...

«Menos cem mil pobres».
(Ou como se desfaz a ideia de um generalizado "aumento da pobreza"...).

Reconhecimento

Sim, a recuperação do notável Mosteiro de Tibães (Braga), onde vai decorrer a cimeira luso-espanhola, deve muito ao empenho de Ademar Ferreira dos Santos. (Também andei por lá nos anos 80...)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

"TV popular de Lisboa"

Na abertura do telejornal, a RTP, serviço público de televisão, dedicou 9-minutos-9, depois acrescentados com mais duas intervenções, com vários "directos" e tudo, ao estranho caso de um esquisito mau-cheiro numa zona de Lisboa (que inicialmente se supunha ser gás), e que não causou nenhuns danos materiais ou humanos.
Para além da manifesta desproporção, mais própria de uma "televisão tablóide", cabe perguntar se a RTP dedicaria a mesma atenção ao acontecimento se ele tivesse ocorrido noutra cidade...

Referências

Passa hoje o aniversário da morte de Manuel da Silva Passos (16 de Janeiro de 1862), que ficou conhecido para a História por Passos Manuel, combatente liberal, democrata, proto-republicano e progressista, figura maior do "setembrismo", cujas numerosas reformas governativas (1836-37), sobretudo no campo da educação (criação dos liceus), da cultura (Academia de Belas Artes e Teatro Nacional) e da administração territorial (distritos, concentração dos municípios e descentralização municipal) marcaram decididamente o futuro de Portugal até hoje.
Uma das referências históricas da nossa modernidade política.

Não é bem assim...

Diz o Diário de Notícias de hoje sobre a retirada dos juízes e dos magistrados do Ministério Público da lei do regime do emprego público:
«O TC tinha chumbado a inclusão no diploma dos magistrados judiciais, aliás um dos aspectos que tinha suscitado reservas em Belém.
Porém, já não tinha feito o mesmo em relação ao magistrados do Ministério Público. Por outras palavras: para efeitos da lei, os procuradores continuavam a ser considerados funcionários públicos, tornando-se dependentes do poder político
A última consideração não faz sentido. Embora os magistrados do Ministério Público, diferentemente dos juízes, sejam agentes hierarquicamente subordinados e responsáveis, como é próprio dos funcionários públicos, pertencem porém a uma instituição autónoma em relação ao poder político, pelo que não dependem do Governo (mas sim do PGR). Isso não depende de eles estarem incluídos ou não na referida lei, que nunca poderia afectar nem a sua subordinação funcional nem a autonomia constitucional do Ministério Público.
Não há nenhuma relação necessária entre o estatuto de funcionário e a autonomia em relação ao Governo. Por exemplo, os professores universitários são funcionários públicos e todavia poucas pessoas são politicamente mais independentes do que eles (não é por acaso de muitos comentadores políticos são professores...), justamente por as universidades serem autónomas face ao Governo. Em contrapartida, há dirigentes e gestores públicos que, embora não sendo funcionários públicos, dependem do Governo.

Peixeirada

Quem observe a campanha eleitoral na Ordem dos Médicos -- ao nível de qualquer peixeirada no mercado da Ribeira (sem desdouro para peixeiras desavindas) -- há-de perguntar-se se tal é digno de uma instituição pública.
Simplesmente disgusting!

Cadilhe

Depois da sua pesada derrota nas eleições da administração do BCP (ficando por uns humilhantes 2%), não fica bem a Miguel Cadilhe atacar a CGD por ter participado na votação. Primeiro, cabe à CGD defender os seus interesses accionistas no BCP; segundo, mesmo que a CGD se tivesse abstido de votar, o resultado não seria diferente; terceiro, é de perguntar se a reacção teria sido a mesma se a CGD tivesse votado... nele.
O ressentimento na derrota, ainda por cima anunciada, não é próprio de pessoas do (grande) gabarito de Cadilhe.

Constâncio

Realizada a eleição da administração do BCP, não subsiste nenhuma razão para adiar a audição parlamentar do Governador do Banco de Portugal. Aliás, é do seu próprio interesse o cabal esclarecimento das questões relativas à supervisão do BCP, até para atalhar de vez à campanha de insinuação e denegrimento contra si movida pelo CDS e pelo PSD.

"Mais uma medida neoliberal contra o Estado social"

«Pré-escolar: Governo quer 100% de cobertura em 2009».

E não podem antecipar o grande momento?

«Jardim estará com madeirenses quando povo quiser independência».

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Visita ao Iraque - 6



Não é turismo. É a prova que já se podem fazer coisas normais, numa zona como a Provincia de Nassiria, que está hoje segura, graças ao controle das forças políticas (e das forças armadas) iraquianas.
Na foto de cima, tirada no topo do milenar zigurate sumério de Ur, que o boçal Saddam mandou "restaurar" com cimento, vê-se a Base de Talil, onde estiveram os militares portugueses da GNR em 2003 e 2004.
PS. O seu a seu dono: as fotografias com datas são tiradas com a minha máquina. As outras são de Angus Beaton.

Visita ao Iraque - 5


A beleza dos "marshes" (a ria, creio que se poderá dizer em português) em torno de Nassiria é incrível. Vi paisagens que devem estar como em tempos bíblicos. Mas só 40% da àgua voltou, despois de destruidas as barragens de Saddam. A Turquia também continua a reter água do Eufrates... Boa parte da fauna e do equilibrio ecológico poderá estar definitivamente destruido. E a pobreza e abandono das gentes é evidente e confrangedora.

Visita ao Iraque- 4

Ouvindo as queixas dos líderes tribais dos "marsh people" - eu, o governador da provincia de Nassiria e os ministros que acompanhavam. Chegou o tempo de falar e exigir, para populações terrivelmente brutalizadas pelo regime de Saddam.

Visita ao Iraque -3


O que é que querem ser quando forem grandes? A maioria das raparigas queria ser "doktor"...
Visitando escolas nas aldeias, muito, muito pobres, de Al Islah e Al Fuhud, na ria, nos arredores de Nassiria. Meninos e meninas filhos de gente que sofreu a mais sinistra repressão por parte do regime de Saddam Hussein, incluindo o "refinamento" de construir de barragens para secar a ria, extinguindo os "marsh people" através da extinção do seu "habitat" natural.

Visita ao Iraque -2

Com o Primeiro-Ministro Al Maliki, dia 11 de Janeiro.
Comigo na foto, a minha colega Baronesa Emma Nicholson (Liberal-Democrata, Grã-Bretanha), o Ministro e porta voz do governo iraquiano Ali Al Dabagh, e o Representante da Comissão Europeia em Bagdad, Embaixador Ilkka Usitallo (todos essenciais para organizar o programa de contactos durante a estadia).

Visita ao Iraque -1

Acabo de regressar de cinco dias passados em visita ao Iraque, repartidos entre Bagdad e Nassiria e arredores, entre 10 e 14 de Janeiro. Fui recolher dados para escrever um relatório sobre o papel da Europa no Iraque, relatório de que fui encarregue no Parlamento Europeu. Como é óbvio, recuso-me a escrever "relatórios de sofá": por isso fui ao terreno, falar com quem devia - autoridades iraquianas, parlamentares, ONGs, representações diplomáticas da UE e simples elementos do povo. E não descurei, evidentemente, a ONU e a chefia militar americana no terreno.
A recepção pelos interlocutores iraquianos não podia ter sido mais calorosa e desejosa de reforço da presença europeia no Iraque em todos os campos.
Escreverei aqui sobre o que vi e descobri. Mas, para já, deixo uma curta reportagem fotográfica.


No Parlamento iraquiano, dia 12 - foi-me dado o privilégio de falar ao Plenário. E de assistir à votação, entrecortada por vivas intervenções, da Lei de Verdade e Reconciliação (também chamada de des-bathificação).


Com membros da Comissão das Mulheres e Crianças do Parlamento Iraquiano, 12 Janeiro.

Sofisma

«(...) 80 por cento [dos proprietários de estabelecimentos de diversão nocturna] disseram que não concordam com a lei [do tabaco] e afirmaram que, se pudessem, optavam por manter o fumo de cigarro livre nos seus estabelecimentos
Mas o que é que os proíbe de optarem por espaços separados para fumadores? De resto, os bares que tenham menos de 100 m2 podem ser integralmente destinados a fumadores. Basta-lhes cumprir os requisitos da lei, designadamente quanto à sinalização e à ventilação apropriada.

Referendo

Mesmo na Irlanda não existe propriamente um referendo obrigatório dos Tratados da UE. O que sucede é que, como a Constituição irlandesa não tem uma cláusula geral sobre a UE -- como a Constituição Portuguesa --, sempre que há um novo Tratado é necessário alterar a Constituição para permitir especificamente a sua ratificação, como tem sucedido com todos os tratados de revisão, desde a adesão da Irlanda à então CEE. Ora na Irlanda as revisões constitucionais têm de ser aprovadas por referendo.
O que há portanto é um referendo constitucional obrigatório, sendo a ratificação dos tratados depois feita por via parlamentar, como sucede nos outros países. Mas é claro que sem esse referendo constitucional prévio não pode haver ratificação do Tratado. É evidente que substancialmente o referendo acaba por versar sobre autorizar, ou não, a ratificação do Tratado. Porém, formalmente, o referendo não tem por objecto directo o próprio Tratado mas sim a alteração do art. 29º, nº 4, da Constituição Irlandesa.

Eleições norte-americanas

No campo Democrata parece-me que as propostas políticas da senadora Clinton, no plano da política económica, fiscal e sobretudo social (ver o caso da cobertura universal do seguro de saúde), são mais avançadas e consistentes do que as de Obama (apesar de no caso da Guerra do Iraque ela ter votado a favor...).
Por isso, se eu fosse cidadão norte-americano, votava Clinton nas "primárias" que estão a decorrer.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Aeroporto

Uma das coisas mais intrigantes a propósito da nova localização do aeroporto é o aplauso dos que acusavam a Ota de ser demasiado longe. Ora, como já mostrei e o relatório do LNEC confirma, a nova localização é mais afastada do que a Ota, mesmo para os residentes em Lisboa (e logo mais demorada e mais cara).
Provavelmente, da perspectiva de Lisboa os quilómetros são mais compridos na direcção norte do que na direcção sul!...

Lusoponte (2)

Porque é que, sempre que o Estado afecta a equação financeira de uma concessão em prejuízo do concessionário, ninguém contesta que deve haver "reequilíbrio financeiro" em favor do segundo, e quando o Estado toma decisões que favorecem os concessionário (com sucede agora com a deslocalização do aeroporto), logo se contesta que deva haver também reequilíbrio financeiro, agora em favor do Estado?

Lusoponte

Não podia estar mais de acordo com este texto de Mário Crespo, sobre o escândalo das benesses da Lusoponte, ainda por cima principal beneficiária da localização da novo aeroporto de Lisboa na margem sul do Tejo.

Lei do tabaco

Perguntam-me pela minha opinião sobre a lei do tabaco e a reacção apaixonada que ela provocou. Não tenho dificuldade em responder:
a) Considero o regime de proibição de fumar em recintos fechados justo e equilibrado, conjugando a proibição geral com excepções que permitem estabelecer zonas confinadas de fumo em numerosas situações, incluindo organismos públicos, locais de trabalho, restaurantes, etc.
b) Entendo que não procedem os argumentos contrários -- vários deles, aliás, revelando desconhecimento da lei --, sobretudo quando feitos em nome da "liberdade individual de fumar", pois, recordando o princípio liberal clássico, "a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade dos outros", neste caso a liberdade dos não-fumadores de não compartilharem do fumo alheio.
c) Evidentemente, não está em causa nenhuma interdição da liberdade individual de fumar, como se pretendeu fazer crer, pois esta só é limitada nos espaços fechados de uso público ou colectivo (aliás, com excepções), continuando ilimitada nos espaços privados e ao ar livre.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Pequenos partidos

Estou de acordo com uma eventual eliminação do requisito dos 5000 militantes, mas entendo que ele deveria ser substituído pelo requisito de um número mínimo de votos nas eleições parlamentares.

Aeroporto

Agora que a decisão já está tomada, os beneméritos financiadores do estudo da CIP que defendeu a localização em Alcochete já podem dar cara....

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Não nos lixem (3)

Vão acabar as sandes feitas com pão genuíno nas cafetarias dos espaços públicos. Em breve, estaremos confinados às sandochas intragáveis das vending machines. Os frequentadores da Gulbenkian já sentem no palato os efeitos do autoritarismo higiénico e não estão felizes.

Fare well, Portela!

Com uma lágrima de conveniência ao canto do olho, espero poder assistir aos finados da Portela. Por piedosas que pareçam as intenções de alguns espíritos, não há razões que justifiquem a manutenção artificial do aeroporto mais esclerosado do espaço europeu.
Faça-se Alcochete, depressa e bem, se não quisermos ser ultrapassados pela concorrência espanhola de Barajas. Para a história da escolha alcochetense ficará, envolta em mistério, a alternância de humores das instâncias militares. Salve!

Aeroporto (3)

Um leitor acusa-me de "mau perder" por não "acatar" o estudo do LNEC e a decisão do Governo. Mas sem razão.
É evidente que eu não "desacato" nem um nem outro. Aceito alguns argumentos importantes a favor de Alcochete, que aliás nunca questionei (nomeadamente a maior facilidade de construção e operação, bem como a maior capacidade e expansibilidade), sem porém poder ignorar as suas desvantagens (sobretudo para os utentes e para o ambiente). Seja como for, decidida a nova localização, só quero que se construa sem mais nenhuma demora.
Segundo, não vejo por que é que se pôde contestar a Ota -- aliás com argumentos "técnico-terroristas" que o LNEC de modo nenhum corrobora -- e não se pode discutir Alcochete.
No entanto, o estudo do LNEC não é menos discutível do que qualquer outro estudo. Ora, há aspectos incompreensíveis, como por exemplo:
a) Por que é que o custo da nova travessia rodoviária do Tejo, tornada necessária pela nova localização (como o LNEC demonstra), não foi incorporado nos custos globais da sua equação financeira, o que provavelmente faria pender a balança desse factor a favor da Ota?
b) Por que é que entre as desvantagens de Alcochete para a grande maioria dos utentes directos (incluindo os residentes em Lisboa), em termos de tempo e distância de acesso ao aeroporto, não foi calculada e contabilizada também a componente do custo, notoriamente agravada pela portagem da travessia do Tejo?
c) Como é que foram consideradas equivalentes a passagem directa da linha de TGV pelo aeroporto (caso da Ota) e a construção de um ramal de acesso (caso de Alcochete), o qual que só será acessível por uma parte dos comboios que vierem de Lisboa (os que não se destinem a Madrid), sendo inacessível aos que vierem do Leste?
Mais importante foi a surpreendente verificação de que, contra todas as indicações (incluindo as que foram filtradas para a opinião pública), o LNEC não se limitou a avaliar separadamente cada um dos sete factores analisados, tendo-se permitido declarar um vencedor aos pontos (4 contra 3), numa avaliação global que deveria ter sido deixada para o poder político, depois da devida ponderação do peso de cada um dos factores.

Aditamento
Essa inesperada, e despropositada, conclusão global do estudo (fazendo equivaler a importância de todos os factores) permitiu ao Governo limitar-se a endossar o veredicto "técnico" e desresponsabilizar-se pela sua decisão eminentemente política. Mesmo que a decisão devesse ser a mesma, ela deveria ser uma decisão governamental, politicamente fundamentada, e não um simples expedito carimbo numa opinião pretensamente "técnica", que convenientemente já trazia uma conclusão (política).

Referendo

Não existe nenhum argumento menos convincente a favor do referendo do que a ideia de que ele fomenta a participação dos cidadãos na vida política. Ora, os referendos têm por norma muito menos participação do que as eleições, havendo aliás todas as razões para crer que no caso do Tratado Europeu essa participação seria comprometedoramente baixa.
Sabendo-se que mesmo quando não sejam juridicamente vinculativos os referendos se tornam sempre politicamente vinculativos, os referendos podem ser o meio mais eficaz de pôr a minoria a decidir pela maioria.

Aeroporto (2)

Escolhida a nova localização do aeroporto de Lisboa, só é de esperar que a sua construção avance rapidamente, de modo a abandonar tão depressa quanto possível o esgotado e decrépito aeroporto da Portela, sem necessidade de lá enterrar mais dinheiro, sendo de esperar que a decisão sobre o novo aeroporto tenha enterrado também definitivamente a abstrusa alternativa da "Portela+1".

Aeroporto (1)

Na sua militância pela deslocalização do aeroporto para a margem sul do Tejo -- chegou a defender entusiasticamente a solução Poceirão, que os próprios autores vieram depois a enjeitar --, o Público afirma que «as conclusões do LNEC são a negação de todo o [meu] argumentário».
Ora, o relatório do LNEC dá vantagem à Ota em três dos sete elementos considerados e se tivesse integrado todos os custos envolvidos -- nomeadamente a nova travessia rodoviária do Tejo -- o próprio critério financeiro seria provavelmente desfavorável a Alcochete. O LNEC só afirma a vantagem de Alcochete no plano "técnico e financeiro", sendo a solução claramente desvantajosa, entre outros aspectos, em termos de acessibilidade dos utentes, como sempre sustentei (nunca tendo eu questionado os aspectos técnicos...).
O Público deveria ser mais imparcial neste dossier...

Correio da Causa: Aeroporto

«Apesar de fazer uma avaliação globalmente positiva da actuação deste governo nestes dois anos, não sou capaz de compreender o facto de, por um lado, se terem alimentado durante semanas dois tabus desnecessários (método de ratificação do Tratado de Lisboa e remodelação ministerial) e, por outro lado, demorar apenas meio dia a estudar e reagir ao famigerado relatório do LNEC.
Não coloco objecções ao sentido da decisão tomada, até admito que após uma análise ponderada de todos os factores envolvidos (engenharia, impacto económico, financeiro e ambiental) pudesse ser a melhor opção. Mas será que, numa decisão tão estrutural quanto esta, um estudo técnico de engenharia é suficiente para justificar toda a decisão e afastar um estudo comparativo (também levado a cabo por especialistas, mas da área económica e financeira) das variáveis económicas implicadas e uma análise integrada e comparativa dessas variáveis entre si? Será que faz sentido os Ministérios da Economia e Finanças aparecerem, pelo menos aparentemente, arredados do epicentro da decisão?»

Tiago M.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Correio da Causa: Abuso com cartões de débito

«Isto não é um simples problema Zara. Face à notícia da SIC, isto parece ser uma prática normal e aceite pelas instituições financeiras (Banca e Unicre)!
Onde está a supervisão e fiscalização do sistema financeiro, a defesa do consumidor, etc.? Não há aqui crime de abuso de confiança?
Tudo finge não ver quando o lesado é o cidadão e os prevaricadores são as grandes organizações financeiras. Como diria o Ministro, cuidado com o "Ladrão", mas não deixa de ser espantoso o estado a que os "Polícias" deixaram isto chegar!
Com supervisão e regulação assim, diria como um velho amigo – "escusamos de ficar descansados"...»
João R.

Hipocrisia

«Bush: Israel deve pôr fim [a] ocupação [de] territórios».
E os colonatos estabelecidos ao longo destes anos, roubando as melhores terras palestinianas e ocupando boa parte da Cisjordânia, sempre com o apoio e com o generoso financiamento norte-americano? Como se quer estabelecer uma paz duradoura na base da espoliação dos territórios ocupados?

Aeroporto (6)

Quem sai mais prejudicado pela opção Alcochete são obviamente os utentes que residem a Oeste e Norte de Lisboa -- que são um grande percentagem, dada a grande densidade populacional do Norte e do Centro --, em termos de distância, demora e custos de acesso, tanto por via rodoviária como por via ferroviária. Mesmo os lisboetas saem a perder.
[revisto]

Aeroporto (5)

Uma evidente menos-valia de Alcochete está em não ter passagem directa do TGV Porto-Lisboa-Espanha, ao contrário do que sucedia na Ota, que tinha prevista uma estação no aeroporto. Se é certo que se prevê um ramal de acesso ao aeroporto do lado norte (mas que parte dos comboios seguem para o aeroporto em vez de seguirem para Madrid?), faz sentido que os utentes vindos do Leste (e da Espanha) em TGV tenham de vir até Lisboa para tomar o "shuttle" de volta para aeroporto?
Neste aspecto a proposta da CIP era mais vantajosa, na parte em que fazia passar o TGV Lisboa-Madrid pelo novo aeroporto.
[revisto]

Aeroporto (4)

O LNEC só deu vantagem a Alcochete no capítulo dos custos porque não incluiu nos mesmos o custo do acréscimo do tabuleiro rodoviário na prevista ponte ferroviária Chelas-Barreiro, nem os sobrecustos que as portagens da travessia do Tejo importam para a maioria dos utentes do aeroporto, que residem a norte do Tejo. Incluídos esses custos, parece evidente que a solução Alcochete fica globalmente mais cara do que a Ota.

Aeroporto (3)

Na análise do LNEC são consideradas sete variáveis, que o laboratório entendeu não ponderar relativamente entre si (por exemplo, se o peso da melhor acessibilidade dos utentes é maior do que o menor custo financeiro), certamente por não ser da sua competência. Pelos vistos, o Governo também prescindiu de o fazer (até porque não tomou tempo para isso), limitando-se a verificar que Alcochete ganhava por 4 a 3.
Mas, se isso foi assim, onde está a autonomia da ponderação política sobre a avaliação técnica? Doravante, em questões desta natureza a decisão política será substituída pela avaliação técnica, e o Governo limitar-se-á a endossar os estudos do LNEC?

Aeroporto (2)

Não pode deixar de surpreender a rapidez de decisão do Governo. Mesmo admitindo que o Primeiro-Ministro e o Ministro das Obras Públicas tenham tido conhecimento antecipado das conclusões, não deixa de ser notável que todo o Governo tenha tido tempo e disponibilidade para analisar e ponderar o relatório de centenas de páginas do LNEC, que só ontem foi entregue, de modo a tomar a decisão na reunião logo no Conselho de Ministros desta manhã...

Aeroporto (1)

Se a decisão sobre o novo aeroporto de Lisboa vier a preferir Alcochete, penso que se torna obrigatório resgatar a concessão da Lusoponte nas travessias do Tejo.
De facto, seria um escândalo acrescentar ao leonino contrato de concessão que o Estado lhe cedeu -- que inclui o exclusivo em novas travessias! -- mais uma mina de ouro inesperada, como seria milhões de travessias adicionais pagas pelos utentes do aeroporto (em larga maioria residentes a Norte do Tejo). Trata-se de uma verdadeiro "enriquecimento sem justa causa". Ao menos que seja o Estado a beneficiar dele!

Aditamento
Como se sabe, a responsabilidade do milionário contrato de concessão com a Lusoponte, celebrado em 1994, cabe ao então Ministro das Obras Públicas, Joaquim Ferreira do Amaral, o qual (obviamente por coincidência) é hoje presidente do conselho de administração da dita concessionária, cujo principal accionista nacional é a Somague de Diogo Vaz Guedes (essa mesmo, a que financiou ilegalmente o PSD anos depois...).

Ensandeceram?

A propósito da lei antitabaco ou da actuação da ASAE, não se inibem uns de falar em "fascismo", outros em "totalitarismo".
Não se trata somente de banalizar demagogicamente o significado dos conceitos políticos, mas também de insultar intoleravelmente a memória das vítimas dos genuínos regimes fascistas ou totalitários. Haja decência!

Tratado de Lisboa

Longe, no Kuwait, oiço que a ratificação será feita no parlamento.
Ora bem! Prevaleceu o bom senso. Pensou-se europeu e não apenas português, paroquialmente.
Quem por cá clama por referendo, estará preparado para um a sério sobre a questão de fundo – “sim ou não a Portugal na UE”? Nesse, eu alinho já. Tratemos de acertar quando.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Clinton-Obama: o meu "dream ticket"

Gostei do discurso de Obama na noite do triunfo no Iowa, sem triunfalismos mas a incutir confiança, com a preocupação de unir não apenas os democratas, mas os americanos, e incentivar mais participação popular na mudança que propõe para a América.
Gosto que seja um produto americano, em tudo antítese do wasp boçal que é George W. Bush: tem nome árabe, é um cosmopolita que fez Yale e Harvard, viveu entre a Indonésia, o Hawai, NY, Chicago e Washington, produto de mãe branca do Kansas e pai negro queniano, visitante de avó e tios bem pretos ainda a viver no Quénia.
Gostei que tenha triunfado um candidato democrata que votou contra a invasão do Iraque e sempre se demarcou de Bush na guerra e no combate ao terrorismo. Gostei que tenha ganho ele, um afro-americano, num estado do interior da América que tem 95% de população branca. Graças aos jovens e independentes que desta vez decidiram ir votar. È destes milagres cívicos que se faz a minha admiração pela América.
Mas também gostei ontem que Hillary Clinton tenha ganho a Obama no New Hampshire. Porque as mulheres se mobilizaram. E porque Hillary é mulher e é forte e experiente na substância política do que realmente me importa. E é também forte psicologicamente, como é preciso para chegar à presidência e fazer nela o que ela tem como programa para fazer. Como Hillary admitiu, de olhos bem secos mas voz marejada, na véspera da votação – incluo-me no naipe dos que acreditaram que ela foi genuina e só ganhou com isso.
E quando passo, como ontem pude passar, umas horas durante a noite a zapar sobre o QG da propaganda do inimigo – a FOX News – só saí reforçada na convicção de que Hillary será não só a melhor candidata, como o/a melhor Presidente: aquela canalha bushista e até já post-bushista odeia verdadeiramente a mulher e aproveita tudo – mas mesmo tudo - para a vilipendiar! A tolerância em relação ao Obama é instrumental, claro: se ele continuasse à frente, lá chegaria o dia em que tratariam de o abater. Um dos maiores confortos da vitória de Hillary no New Hampshire foi ver esta manhã os carões furibundos dos «foxes», incapazes de deglutir a vitória dela e de explicar o total falhanço das suas previsões (apesar de não terem sido únicos).
Interessa-me que Clinton e Obama não se ataquem mutuamente – e a tentação pode ser maior nela que nele, até porque será o que lhe sopra a entourage (e a dela tende a ser mais arrogantezinha do que a dele). E interessa-me por que eles dois são o meu “dream ticket”, com ela a Presidente e ele a Vice-presidente. Uma mulher progressista e forte, que pode «deliver» o «establishment». E um Obama sem medo de incomodar o «establishment», que pode trazer os jovens e lufadas de ar fresco para a política americana e mundial.
Um “dream ticket” demasiado perigoso para os mais criminosos interesses instalados, reconheço. Tanto que há já quem exorcize tragédias kennedyanas...

PS - John Mc Cain – apesar da reviravolta no New Hamshire, o homem é “too good, too decent”, para vir a ser no final o candidato dos Republicanos. Nah.. nem que o desespero nas fileiras elefantes seja total....

O novo Bastonário

Determinação e coerência – são os meus votos para o recém-eleito Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. Marinho Pinto.
Para que se empenhe em levar à prática os propósitos que anunciou em entrevista ao «Público» depois de ser eleito, em Dezembro passado. Designadamente para se bater e conseguir a consagração legal da incompatibilidade do exercicio de advocacia e funções parlamentares. E a obrigatoriedade de abertura de concursos públicos pelo Estado para os serviços adjudicados a sociedades de advogados.
Trata-se de medidas essenciais para travar o tráfico de influências em que se especializaram muitos advogados e políticos, incluindo deputados e ex- e futuros governantes.

Blair ou "bliar"?

O próprio Tony explica. Em entrevista à Newsweek, edição especial 31.12.2007:
Pergunta: "Você vendeu as suas memórias recentemente por 9 milhões de dólares. Como convenceu o seu editor de que pode escrevê-las e fazer a paz no Médio Oriente ao mesmo tempo?”
Resposta: “Olhe, eu sou um político. Consigo convencer uma data de gente sobre uma data de coisas” (risos).

Ferro Rodrigues à VISÃO

Entrevista inteligente, ponderada, séria, franca – como Ferro Rodrigues é e sempre foi.
Do socialista que ele sempre foi e continua a ser – para vergonha de alguns que se dizem socialistas e se portaram miseravelmente, advogando o mergulho quando a vaga de ataques desabava sobre ele, Paulo Pedroso e o PS.
É uma visão lúcida, mas desencantada com a vida política no país também, que Ferro Rodrigues não tinha, mas passou a ter de ter - pudera!.
Um desencantamento que pode ter cura, porém. E a cura é o próprio país, o Estado de direito democrático em Portugal, quem mais dela precisa. Ferro explica: “é muito importante provar que Portugal não é um país de pedófilos impunes, nem um paraíso de caluniadores”.
Por enquanto ainda é.
Esta cura só a Justiça a pode facultar. E ainda não o fez. A Justiça que não passa apenas pelo julgamento do Processo Casa Pia, que ainda não chegou ao fim e já todos duvidam do que vai dar (como eu demasiado cedo disse, esse era o objectivo de tudo enlamear e baralhar, para mais confundir ....).
A Justiça terá de passar por mais investigações judiciais e policiais, feitas por gente séria e competente, por iniciativa da PGR. Incluindo aos investigadores que demonstraram, no mínimo, grosseira incompetência e monumental instrumentalidade. E a Justiça passa também por serem levados até ao fim outros processos judiciais, nomeadamente os instaurados por Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso contra os seus caluniadores identificados e os seus mandantes, ainda não identificados. Processos que é ignóbil, que é injusto, que é intolerável que sejam encerrados e arquivados, ainda por cima por intervenção de magistrados sobre quem recaiem suspeitas de instrumentalização ou parcialidade. Para continuar a proteger quem? Quem tem medo de que se apure quem caluniou, porque caluniou, como caluniou, quem mandou caluniar? Quem foge da verdade?


PS - Ferro Rodrigues incomoda? Na espuma da entrevista à VISAO, encontro rasto de frenesim comentarista, tão de trazer por casa como pantufas que sujeitos acomodados nunca largam: farfalhudos no colorido e no feitio, mas maleáveis e deslizantes na soalho...

BCP e o mais...

BCP – 1
Os colarinhos eram brancos, sem mácula, os dos homens de confiança do “Senhor Engenheiro”. Ele e a Opus Dei controlavam. O Banco de Portugale a CMVM também. Mas, zangam-se as comadres accionistas e as verdades vêm ao de cima: as práticas eram afinal sujas, ilegais, iníquas, defraudando o Estado (todos nós) e os clientes mais crentes e cumpridores.
Há quem diga que o Banco já tem pouco a perder, passando para as mãos da Opus Night.

BCP – 2
Ninguém será criminalmente responsabilizado, quanto mais não seja pelo recurso a operações off-shore ilegais? Que sinal se dá então às direcções de outros bancos? Será fartar vilanagem...?

BCP – 3
O Banco de Portugal e CMVM, se toparam, nada fizeram, a tempo e horas,...
Ninguém assume responsabilidades pelo falhanço?
Quem não regulou neste caso, vai recuperar credibilidade para regular outros?

Benazir assassinada

Estava escrito, mas faz, na mesma, muita impressão. Era corajosa, desafiadora e muito bonita. Uma mulher, líder política, num país muçulmano amarrado pelo tribalismo e a ditadura militar, o obscurantismo das madrassas, a rivalidade nuclear, o aventureirismo terrorista. Tudo com a cumplicidade inepta e contraproducente dos EUA - acriticamente seguidos pela Europa.
Benazir não fora grande Primeira-Ministra, deixara o marido tornar-se o “sr. 30%”, não havia sequer feito esforço para punir e erradicar os “crimes de honra” que tantas mulheres vitimam no seu país, não fizera nada também para mudar a base tribal e dinástica do seu próprio partido (ao ponto de legar a direcção ao filho adolescente). Mas era, apesar de tudo, a mais siginificativa esperança de que o Paquistão pudesse evoluir para algum controlo democrático.
A tragédia que eliminou Benazir confirma que a hidra terrorista está fortemente aninhada no Paquistão – e eu não acredito na tese dos militares de que ela foi morta pela Al Qaeda, até porque esta, por definição, tem interesse em reinvindicar os crimes que comete. Desgracadamente nada sugere que EUA e a UE estejam preparados para fazer o que é necessário para enfraquecer a hidra - o que passa por deixar cair o ditador Musharrraf.

pôr o CN em dia

Confesso que tive de fazer algum esforço para me manter, este tempo todo, a leste do CAUSA NOSSA (é real a vertigem adictiva de que fala o Vital). Mesmo só lambendo títulos dos jornais, as rádios e TVs fustigam com notícias, novidades, polémicas que impelem a escrever.
Chegou a altura de não resistir mais e procurar condensar o importante em curtos apontamentos:

NY no «countdown» bushista

Grandes férias, para mim, são também, sempre, as que me levam de volta à minha cidade estrangeira favorita: Nova Iorque. Não há exercício físico e mental mais retemperador do que calcorrear as ruas conhecidas, downtown e uptown, e explorar o que há de novo em livrarias, lojas, cafés, rewstaurantes, museus, galerias, cinemas, teatro, etc.. . Ainda por cima com sol e frio (num dos dias tanto que até doía a testa...), a pintar de azul intenso o céu límpido que entrecortava o horizonte das avenidas.
Impossível trazer propaganda do Obama, para corresponder a pedidos insistentes na família Substituí pelo mais aproximado que encontrei: um calendário, da Barnes and Noble, para 2008, com “countdown” dos dias que restam de Bush na presidência, cada dia apropriadamente ilustrado por ....um “bushismo”.

Outro regresso

Souberam-me bem as férias bloguitigas e não só. Sobretudo porque, a pretexto das azáfamas natalícias, pude mergulhar na família e em especial saborear ser avó. Com o neto Frederico, acabadinho de nascer, a fazer de Menino Jesus.

Menezes

O líder do PSD continua a contribuir fortemente para antologia do nonsense político. Por exemplo:
a) «Não se pode ao mesmo tempo construir aeroportos como o da Ota, ter investimentos megalómanos como o TGV e aumentar pensões».
b) O presidente do PSD questionou «como é que é possível um banco público dar 200 milhões de euros a um português para comprar acções e jogar na especulação do mercado e ao mesmo tempo não haver 19 euros para pagar a um pensionista que tem uma pensão de 400 euros»
. [Colhido daqui]
O que é que têm a ver as pensões, que dependem da segurança social e dos seus recursos próprios, com o TGV e o aeroporto e com os empréstimos da CGD a Berardo?!

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

What else?!

«Sócrates não faz referendo».

Referendo

Referende-se a permanência de Portugal na União Europeia após o tratado de Lisboa. Ou, em alternativa, cada um dos seus artigos, numa singular consulta de escolhas múltiplas e participação próxima dos dez por cento. A terceira via é a ratificação parlamentar. Se esta for a rota, a mais assisada, os portugueses terão sempre a possibilidade de eleger em próximas legislativas uma maioria favorável ao opting-out. Há sempre uma saída.

Não nos lixem (2)

Oito diazinhos apenas e já nos vemos massacrados por toda a sorte de reprimendas e discursos moralístico-sanitários sobre a nossa fraqueza e a nossa pequenez cidadã. Em todos os ambientes sociais nos apontam o dedo, nuns casos de forma acusatória, noutros piedosa. Cumpriremos a lei anti-fumadores, sim. Mas não facilitaremos a vida ao novo sistema normativo nem pactuaremos com a intolerância.
Por agora, chega de ímpetos amorais (o Vital Moreira pode ficar tranquilo, não dedicarei mais posts a esta causa do que à proibição dos jaquinzinhos). Nós, pecadores tabagísticos, por cá permaneceremos vigilantes e solidários.

Não acho convincente...

...esta decisão do Tribunal Constitucional de se recusar, por ora, a conhecer da impugnação da constitucionalidade da norma que obriga os partidos a ter pelo menos 5000 inscritos, sob pena de extinção.
De facto, sendo certo que o Tribunal convocou os partidos a provarem precisamente o preenchimento daquele requisito, não faz sentido -- a não ser um sentido assaz formalista -- que o TC insista no cumprimento dessa obrigação sem se pronunciar primeiro sobre a questão da constitucionalidade do próprio requisito, suscitada pelos interessados. Pois é evidente que se a referida norma for efectivamente inconstitucional deixa de ter fundamento a obrigação de prova que o TC impõe aos partidos em causa, cessando o respectivo procedimento.

E alerta bem!

«Cavaco [Silva] alerta para risco de fracasso do Tratado».
Sobretudo, se se optasse pela via referendária, sempre contingente (para não falar do chumbo certo na Grã-Bretanha)...

Tiro no pé

Não compreendo como é que o Governo conseguiu transformar uma medida digna de aplauso, como o aumento retroactivo das pensões relativo ao mês de Dezembro e ao subsídio de Natal, numa revolta dos beneficiários, por causa da diluição do seu pagamento em duodécimos ao longo deste ano, em vez do seu pagamento integral no corrente mês de Janeiro.
Nem parece coisa do Ministério de Vieira da Silva. Medidas insensatas destas, a oposição agradece, reconhecida...
Aditamento
O Governo explica a sua opção aqui. Independentemente de ter sido a melhor opção, ela faz sentido. Mas a explicação não poderia ter sido mais clara na sua apresentação inicial?

O aeroporto

A crer nas notícias vindas a lume, as diferenças de custos estimadas para as soluções em disputa quanto à localização do novo aeroporto de Lisboa ficam muito longe dos inventados em alguns estudos interesseiros a favor de Alcochete, e que o respectivo lóbi tanto explorou.
De resto, continuo sem estar esclarecido sobre se a equação financeira de Alcochete inclui os muitos milhões adicionais que o aeroporto na margem sul do Tejo vai implicar, quer pelo pagamento das portagens na travessia do rio (visto que a esmagadora maioria dos utentes reside a Norte do rio), quer pela necessidade de construir uma terceira travessia rodoviária, que o aeroporto a sul vai arrastar.
Sem contabilizar esses sobrecustos, toda a comparação fica distorcida.

O que não pode esperar

Três coisas que perdem pela demora:
a) O anúncio da decisão sobre a ratificação do Tratado de Lisboa;
b) A clarificação sobre uma eventual remodelação governamental, seja ela positiva ou negativa;
c) O anúncio da decisão sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa, imediatamente após a prevista publicação do relatório do LNEC, que deve ser publicado acto contínuo.
Nenhuma dessas decisões ganha com o seu adiamento. Pelo contrário.

Regresso

Estou de volta. De vez em quando fazem bem umas férias bloguísticas. Para prevenir a adicção...
Apraz-me saudar também o regresso do Luís Nazaré ao CN. Espero que não seja somente um fogacho contra a lei antitabaco (que eu apoio...)!

domingo, 6 de janeiro de 2008

Não nos lixem (1)

Aí estamos chegados ao primeiro mundo. Os vinte por cento de fumadores do nosso ventilado rectângulo vão deixar de poder estragar a saúde e as contas públicas a seu bel-prazer. Doravante, a vida ser-lhes-á mais pesada, mais espartilhada e mais cara, como merecem os pecadores. Eu sou um deles e, confesso, já cuidei de planear os estratagemas que me permitirão sobreviver socialmente no mundo smoke-free.
Por imperativo de consciência, vou começar por ser solidário com todas as vítimas dos danos sanitários causados por terceiros. Haja muitas ou poucas, entendo que todas merecem igual atenção, já que no primeiro mundo os direitos de um só cidadão valem tanto como os de mil. Darei guarida aos que se queixarem das alergias causadas pelos odores engarrafados, aos incautos consumidores do colesterol instilado por restaurantes maléficos ou às vítimas do stress provocado pelo estacionamento em segunda fila. Bater-me-ei por liberdades sanitárias. Suponho que este nobre desígnio contribuirá para expiar os meus pecadilhos tabagísticos.
O pior vai ser convencer o pagode da genuinidade das nossas causas. Pois sim, os gases são nocivos, as rabanadas são um veneno, os americanos e os chineses dão cabo do ambiente e por aí fora, mas os fumadores são uma outra conversa. É uma classe socialmente indesejável, fraca e moralmente duvidosa. O puxar de um cigarro revela desprezo pela vida, ponto final, ou não fosse o tabaco originário de povos selvagens. No primeiro mundo, as maiorias não se deixam iludir.
Teremos, pois, que nos organizar e resistir que nem sérvios do Kosovo. Os espaços ditos colectivos serão a principal frente de combate. Verei em cada repartição pública, centro comercial ou pavilhão polidesportivo um inimigo potencial. Agirei como um guerrilheiro, à socapa, chupando dois ou três cigarros seguidos numa casa de banho ou num canto pouco frequentado, na esperança de não ser denunciado por uma brigada talibã.
Nas casas de comeres também não nos poderemos fiar. Pelos vistos, a maioria alinhará com a norma ocupante. Na dúvida sobre os sistemas de ventilação, a dimensão dos espaços mínimos e a sanha sanguinária da ASAE – registe-se, porém, o gesto civilizado do seu presidente, ao puxar de uma cigarrilha após as doze badaladas do réveillon no Casino Estoril -, os restaurantes vergaram-se à conveniência económica, convencidos de que nos vamos submeter aos seus entendimentos corporativos. Não.
Vamos combater. Vamos excluir da nossa lista – e, nalguns casos, a um tremendo custo gastronómico – todos os locais de pasto que não nos concedem o direito de sermos felizes. Os que odeiam o fumo do tabaco, ilusoriamente convencidos de que as três horas e quarenta e dois minutos que somarão à sua esperança de vida os tornarão mais felizes, não contam mais nem menos do que as indefesas vítimas do monóxido de carbono debitado pelos bifes na pedra. Nem do que as da permissividade parental para com crianças que destroem a tranquilidade de qualquer lugar público (declaração: sou pai de duas jovens) através de frequências sonoras arrasadoras para os tímpanos, ou seja, para as contas do SNS.
Só organizados e firmes na rejeição dos que nos querem excluir nos poderemos sentir cidadãos plenos. É que também temos direito à vida. Não nos lixem.

PS 1-Esta é a primeira peça de uma possível série sobre os malefícios do preconceito.
PS 2-Falhou-me o modo de inserção deste texto, ontem publicado no Expresso, na nossa subsidiária Aba da Causa. Na ausência de Vital Moreira, na estranja, não tive como remediar a situação. Por razões igualmente técnicas, o meu endereço electrónico no Causa Nossa não funciona. Mais uns dias e os automatismos estarão repostos.