sexta-feira, 30 de maio de 2008

Ainda a "responsabilidade de proteger"

Um artigo do Dr. Alberto Gonçalves levou-me a responder assim. A minha resposta provocou esta réplica.
Venho agora fazer uma constatação e esclarecer dois pontos.
A constatação é que o Dr. Alberto Gonçalves e eu temos um desacordo de fundo em relação à importância de atender a imperativos morais em relações internacionais. Que se reflecte, em particular, no valor que se dá (ou, no caso do Dr. Alberto Gonçalves, não se dá) ao princípio da 'responsabilidade de proteger'.
E aqui julgo necessário fazer algumas clarificações.
Primeiro, o Dr. Alberto Gonçalves diz que "ninguém aplica" o princípio da 'responsabilidade de proteger' no que diz respeito ao envio de forças militares.
Tem razão do ponto de vista formal - nunca este princípio foi evocado como motivação exclusiva para uma intervenção militar. Mas atenção: este princípio foi pela primeira vez endossado em 2005 na Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da ONU, embora com base na Carta das Nações Unidas. Mais: na prática, seria difícil de imaginar o envio de uma missão militar das Nações Unidas para o Darfur (a UNAMID, que poderá incluir até 20 000 tropas e 3800 polícias) sem o princípio da 'responsabilidade de proteger' (cujo espírito aliás atravessa o texto da resolução 1769 do Conselho de Segurança da ONU, que lhe confere cobertura legal). O mesmo se poderia dizer da actual missão militar da União Europeia no Chade e na República Centro-Africana. É verdade que nestes casos os Estados em causa acabaram por dar a luz verde formal para as intervenções. Mas só o fizeram (especialmente no caso do Sudão) porque a comunidade internacional - fundada no princípio da 'responsabilidade de proteger' e pressionada por uma opinião pública que já não tolera certas atrocidades - se mobilizou finalmente. A soberania nacional já não é fortaleza inexpugnável.
Segundo, o Dr. Alberto Gonçalves não pode evocar o genocídio no Ruanda como exemplo de "intervenções precursoras do conceito" da 'responsabilidade de proteger'! É exactamente o contrário: a ausência de intervenção internacional para travar o genocídio no Ruanda em 1994 é, isso sim, o mais acabrunhante exemplo do que pode acontecer quando a comunidade internacional não se mobiliza para pôr fim a atrocidades, quando a comunidade internacional não se sente motivada pela 'responsabilidade de proteger'...
Finalmente,
e deixando de lado as intervenções militares: o Dr. Alberto Gonçalves acusa-me de ingenuidade por defender "que a ingerência sem coerção conduz à mudança política". Eu compreendo a impaciência e o cepticismo. Mas se não fossem as pressões não-militares políticas, diplomáticas e económicas ferozes e prolongadamente sustentadas, as campanhas de ONGs e parlamentares, as manifestações, as petições, as sanções... hoje ainda havia apartheid na África do Sul, a América Latina ainda estava nas garras das ditaduras militares e o bloco de Leste ainda seria comunista...

Irascibilidade

Penso que, mesmo quando tem razão para a indignação nos debates parlamentares -- como sucede com as frequentes provocações de Francisco Louçã --, o Primeiro-Ministro não ganha nada em se mostrar exaltado no tom de voz e na atitude, muito menos no excesso verbal. Pelo contrário, só ganharia numa atitude de contida indignação e de serena autoridade, distanciando-se da violência verbal e da "peixeirada" dos adversários. Nos debates parlamentares a vitória dos decibéis e do azedume deve ficar com a oposição.

Assimetria de informação

Os órgãos de comunicação -- e já agora os blogues -- que fizeram manchetes com um alegado aumento considerável da desigualdade social ente nós na actual legislatura, com base em dados de 2005, vão dar o mesmo destaque à correcção oficial dos dados que serviram de suporte a tal erro? Ou, pura e simplesmente, vão assobiar para o ar, como é habitual, deixando subsistir propositadamente a confusão?

Gostaria de ter escrito isto

«A greve dos armadores da pesca, os mais ricos dos nossos subsidio dependentes, não passa de uma chantagem oportunista sobre o país, aproveitaram a crise dos preços dos combustíveis para exigiram mais subsídios ou a desregulamentação do sector, para poderem continuar a pilhar a costa portuguesa sem limites. O governo não deve ceder a estes chantagistas que enriqueceram, com subsídios e vendendo barcos e licenças a empresas espanholas.»

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Liberdades jornalísticas

Uma pequena peça jornalística do Público de hoje conclui que «Famílias pobres são as que mais sofrem com a subida dos preços dos combustíveis» (link para assinantes)!
Ficamos assim a saber que uma família pobre ou remediada, sem automóvel, que anda de transportes colectivos -- cujos passes sociais foram aliás congelados -- e que consome electricidade e gás por uma tarifa regulada -- cujo valor não é função directa, nem muito menos imediata, do preço dos combustíveis --, pode ser mais afectada pela subida dos combustíveis do que uma família com rendimentos médios ou altos que possui dois carros em utilização corrente...
Há coisas improváveis, não há!?

terça-feira, 27 de maio de 2008

Combustíveis (2)

Em termos abstractos, é possível reduzir a carga tributária sobre os combustíveis sem diminuir o ISP (ou a contribuição de serviço rodoviários destinada às Estradas de Portugal) nem diminuir a taxa de IVA. Bastaria que o IVA passasse a incidir somente sobre o preço do produto antes daquelas duas contribuições, ao contrário do que sucede hoje. Aliás, há boas razões para defender que um imposto indirecto não deve incidir sobre outros impostos indirectos.
Mas o problema não é a possibilidade nem a eventual bondade política de baixar a carga tributária sobre os combustíveis, mas sim a possibilidade de as finanças públicas comportarem uma volumosa perda de receita em termos de equilíbrio orçamental. Até porque, sendo o ISP um imposto fixo, o Estado já está a perder receita, por causa da redução do consumo.
Nas actuais condições parece evidente que essa redução fiscal seria leviana e irresponsável. Mas se numa fase adiantada da execução orçamental se vier a verificar uma folga em relação ao esperado -- hipótese improvável, mas ainda assim não impossível --, não se vê por que não encarar aquela solução, se se entender prioritário aliviar a subida dos preço dos combustíveis.

Combustíveis (1)

Insisto em que é errado defender a manutenção da actual carga tributária sobre os combustíveis em nome da "não intervenção do Estado nos preços e no mercado", pois não se trata de nenhuma intervenção administrativa directa sobre os preços (por exemplo, fixando preços máximos). De facto, se o Estado faz elevar o preço de um produto através de impostos indirectos (e no caso, com um imposto indirecto específico), seria perfeitamente lícito e normal reduzir esses impostos, se quiser aliviar o preço, especialmente em épocas de aumento acelerado do custo de produto.
Só há duas razões para não reduzir esses impostos: (i) considerar indiferente a elevação do preço do produto, qualquer que ela seja; (ii) considerar incomportável a perda dessa receita em termos de disciplina orçamental. Parece-me óbvio que só esta conta, sendo aliás mais do que suficiente. Deveria ser esta a que o Governo deveria invocar, atacando a irresponsabilidade financeira dos que defendem a baixa do ISP nas actuais condições, até para deixar aberta uma porta para uma descida no futuro, caso a situação das finanças públicas venha a consentir sem riscos essa perda de receita.

Bemba e os bimbos


Que alívio o MENE Luis Amado ter esclarecido que Jean Pierre Bemba teria sido detido em Portugal, às ordens do Tribunal Penal Internacional, se acaso algum mandato de prisão nos tivesse sido transmitido!
Decerto que Portugal não vai tardar a responder a solicitações urgentes que o TPI entretanto nos tenha feito!
Mas o que ainda ninguém explicou foi a razão por que, sabendo as autoridades portuguesas que Bemba estava a ser investigado pelo TPI (e o próprio MENE confirmou que o TPI nos tinha pedido informações), Portugal não avisou o TPI de que o residente Bemba estava a meter-se no seu avião particular para deixar o país e, porventura, território onde poderia ser apanhado!.... Ainda por cima o residente temporário Bemba estava sob o olho protector/vigilante de forças policiais portuguesas!...
Um Bemba que se tornou residente temporário em Portugal em Abril de 2007, graças ao generoso acolhimento das autoridades portuguesas, devidamente estimuladas pelo representante da MONUC na RDC e, segundo o DN, pelo Presidente da Comissão Europeia (aguardo confirmação).
Claro que SIS, SIEDM, MENE, MAI, Ministério da Justiça, PGR, PJ, etc... andavam distraídos, com muito que fazer, e ignorariam o calibre criminal do personagem lá por paragens longínquas da RDC e da RCA... apesar das cobras e lagartos que ONGs de Direitos Humanos e instâncias diversas da ONU há muito diziam sobre ele....
E, no entanto, Jean Pierre Bemba já tinha antecentes de fintar bimbos em Portugal, alegremente trocando de matriculas falsas nos seus aviões privados estacionados no sector VIP do aeroporto de Faro, mesmo nas barbas das autoridades aeroportuárias. Como foi, por exemplo, noticiado pelo EXPRESSO, em 13 de Janeiro de 2007 ("Aviação - Avião do Congo aterra ilegal em Faro"). Uma demonstração de que os controles de voos civis privados (como os da CIA, os de Bemba e sabe-se lá o quê mais....) nos aeroportos portugueses são... fiáveis!
Claro que Portugal tem tradições de acolher generosamente no seu seio ditadores e criminosos internacionais. Como Fulgêncio Baptista ou Nino Vieira. Este último devia mesmo inspirar Bemba: uns portugueses compinchas ainda o poderiam ajudar a pôr de volta no poder na RDC....
Alguém consegue dizer que outros criminosos susceptíveis de interessar o TPI ou outros tribunais internacionais andam por aí, acolhidos sob generosa protecção ou distracção, nesse nosso jardim à beira- mar plantado?

A nave na tempestade

É evidente que a crise económica e o choque petrolífero, ambos vindos do exterior, conjugaram-se para tramar as hipóteses eleitorais de Sócrates nas eleições de 2009, arruinando todos os planos para o último ano do mandato.
Mas o pior que poderia suceder seria ceder à tentação demagógica das medidas de facilitismo fiscal para aliviar o protesto de alguns sectores sociais. Em vez de se precipitar no afã de apagar fogos avulsos, o Governo deve acima de tudo preservar a lucidez, a serenidade e a determinação no meio da tempestade. Só isso lhe pode valer o respeito e o reconhecimento da maioria dos cidadãos, incluindo dos que conjunturalmente exigem do Estado a protecção dos seus interesses privativos.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Equívocos

1. Muita da argumentação corrente contra o elevado nível do imposto sobre os combustíveis supõe que ele tem uma taxa proporcional ao custo, pelo que o volume do imposto sobe com este.
Mas não é assim. O montante do ISP é fixo por litro, pelo que a sua proporção em relação ao preço desce com a subida deste. Por isso, em termos percentuais, a taxa do ISP está a descer.
Aliás, como o consumo está a diminuir, por causa do aumento do preço, o Estado está a perder dinheiro nesse imposto.

2. Prevalece a ideia de que a carga fiscal sobre os combustíveis é mais elevada em Portugal do que na generalidade dos países da UE.
Não é verdade. Há muitos países onde os impostos são mais elevados (e os combustíveis mais caros), como se pode ver aqui. A comparação com Espanha é enganadora, pois o País vizinho tem a segunda mais baixa carga fiscal, sendo portanto atípico.

O que é que a dubaiana tem?


May the wind welcome you with softness,
May the sun bless you with his warm hand,
May you fly so high and so well,
God joins you in laughter,
And may He set you gently back again,
Into the loving arms of Mother Earth.


(prece dos pilotos de balão, século XIX, Irlanda)

Notas finais sobre uma viagem/aventura/excentricidade do camandro:

1) Mandhar Al-Khudar: durante aquelas horas em que um carro esteve perdido nos Emirados, passámos por uma placa que indicava esta localidade. Não resistimos ao trocadilho e rimos como bom remédio que era para a situação – mesmo que tenhamos desconfiado que poderia ser o destino a insultar-nos;

2) Um lifting ao deserto: uma expressão simples para resumir o Dubai numa frase. Cirurgia plástica, peelings, botox, tudo o que era possível e até algum do inimaginável foi aplicado a este pedaço de terra aonde há pouco nada havia. Esqueçam o que sabem porque, quando lá chegarem, talvez tudo seja novo, de novo;

3) Mulheres: para justificar o título que me surgiu irresistível. No Dubai, muitas conduzem carros e mostram a cara, mas continuam a caminhar atrás dos maridos enquanto estes circulam pomposos num estilo que pode ir do tradicional arábico ao hip-hop street wear Cova da Moura. Não é bonito de se ver e lembra-nos que, apesar das aparências, a democracia não mora aqui;

4) João D: comecei por achá-lo engraçadinho, passei à certeza absoluta de que é muito divertido, acabei siderado com a pessoa. Jovial, fulgurante, inventivo, confiante, o companheiro de viagem ideal;

5) Os nativos: circunscrevendo-me ao Dubai, posso dizer que a simpatia parece abaixo ainda da democracia na lista de prioridades do emirado. Mas não é grave. Parece que só 20% dos habitantes são locais;

6) Burj Al Arab: o mais luxuoso e alto hotel do mundo, talvez o mais extraordinário edifício contemporâneo do planeta, é uma experiência que urge viver. Nadar em água de 33 graus, a 100 metros desta obra-prima, rodeado de gargalhadas e no fim de uma jornada extenuante, é algo que cada indivíduo mereceria viver nem que fosse uma única vez na vida e por 5 minutos;

7) Amigos Para Siempre: escolhi propositadamente o Sôr Carreras e a Lady Brightman para esta mui piegas nota final. Sim, apetece-me cantar a música do duo em tom mais épico do que ambos, mesmo que embriagados durante um karaoke no réveillon. Levarei desta viagem muitas recordações mas as melhores serão sem dúvida protagonizadas pelo Ricardo, Ana, Gonçalo, Vasco, Nuno, António, Vítor, os magníficos Carlos, o citado João, Franco, Bárbara & friends. Tenho quase a certeza de que não voltarei aos EAU mas a este grupo de pessoas regressarei sempre que puder. Eles conhecem a história detrás do poema inicial. Vai dedicado.

Falsos liberais

«SCUT: Passos Coelho defende portagens quando haja alternativa».
Há os pseudoliberais assim, adeptos em teoria do princípio do utente-pagador, que ao primeiro protesto recuam logo, com uma desculpa esfarrapada.
Já se deram conta os teóricos das portagens-só-quando-houver-alternativa-qualificada que por essa ordem de ideias, uma boa parte da A1 também não teria portagens (por exemplo, entre Coimbra e Aveiro)?

Inconsistência

Não me parece curial que o Governo pareça censurar o PSD por ter liberalizado os preços dos combustíveis. Ainda bem que o fez (e o PS teria feito o mesmo), pois se ainda houvesse regime de preços máximos administrativamente fixados, como outrora, o Governo estaria agora em muito maus lençóis, como responsável directo pelo contínuo aumento dos preços. Assim, a responsabilidade recai sobre os operadores no mercado.
Também não me parece que a proposta de redução dos impostos sobre os combustíveis, proposta por alguns dirigentes do PSD (e por Portas...) seja incompatível com a liberalização dos preços. Tais propostas são evidentemente demagógicas (pois não dizem como é que o Estado compensaria as avultadas receitas perdidas), mas não se trata de mexer directamente nos preços.
O oportunismo político não se combate propriamente com sofismas.

domingo, 25 de maio de 2008

Um país inteiro a um mês de ser inaugurado


É a sensação que temos ao viajar pelos emirados, com particular destaque para Dubai e Abu Dhabi. Comenta-se que é quase impossível tirar uma fotografia sem apanhar uma grua ou um camião no enquadramento. São loucos, estes árabes. E friso, “estes”.
Segundo consta, a família Al Maktoum - os donos e senhores cujas carantonhas estão por todo o lado – proibiu todo e qualquer operador ou agente turístico de dizer ao estrangeiro curioso e destilado quando estão mais de 50 graus. No máximo estão 49 e, se o viajante aponta para um termómetro indicando 53, “está avariado”.
Entretanto, enquanto os turistas se mantém por afugentar, as cidades crescem a um ritmo avassalador, como se todos os empreiteiros estivessem num permanente rush de anfetaminas. Ver para crer. Arranha-céus com um mínimo de 60 andares abundam, mesmo que a sua taxa de ocupação ronde uns meros 15%. Há uma tal confiança no futuro que faria o próprio Santana Lopes corar de vergonha. Há o célebre planisfério em que zilionários com muito tempo livre reservam tudo, da “França” ao “Uzbequistão”, haverá um hotel submarino, cidades inteiras planeadas de raiz (da Sport City à Academic City), jogos de ténis num heliporto suspenso a 250 metros do chão, e certamente muitas mais coisas que farão a pista de gelo com 400 metros de comprimento no interior do Mall of Emirates parecer tão interessante e ousada como o playground no terraço do Colombo. Para esta família que criou um país inteiro em menos de 50 anos, o céu não é de certeza o limite. Se for preciso, basta que lhes dê na mona, construirão hotéis de 6 estrelas sobre as nuvens, mantidos a planar através de foguetes nucleares encomendados à NASA e debruados a ouro.
Servidão de vistas é algo de que os sheiks nunca ouviram falar. A construção é tão rápida e a megalomania tão arrepiante que temos medo de sair do hotel sem as nossas coisas. Pode dar-se o caso de, no regresso, este já ser talvez um aeroporto para naves espaciais com 100 Jumeirah’s 5 estrelas novinhos em folha construídos defronte.
É uma Disneylândia para adultos, mesmo que a noite acabe às 3 da manhã e o álcool seja supostamente complicado de arranjar. Simultaneamente, no hall astronómico de um hotel de luxo, várias senhoras cuja hora de trabalho custará mais do que a diária do local, lançam o isco a executivos suecos que tentam negar a 3ª idade.
Escrever sobre esta viagem é o trabalho mais fácil que já tive. Basta ter os olhos abertos e uma caneta à mão. Hoje emprestaram-me uma com um rubi na ponta. Não ma ofereceram, estou certo, por ser uma coisinha modesta.

PS: Não sou de todo capaz de vos atormentar mais com a cicatriz infectada do escriba. Resumo: dói. Balanço: torna toda a aventura ainda mais estimulante.

Aguentar a tempestade (2)

Agravou-se muito além do previsto a situação económica em Espanha, com revisão em baixa do crescimento, do investimento e do emprego (prevendo-se que o desemprego possa chegar aos 11% este ano!).
Dada a profunda ligação da nossa economia com a Espanha, nossa importante cliente e investidora, bem como empregadora de mão de obra portuguesa, o impacto da situação espanhola em Portugal pode ser ainda mais negativo do que o esperado.

Aguentar a tempestade

Um dos traços preocupantes da actual conjuntura económica é a combinação anómala do arrefecimento económico (aperto no crédito, diminuição do investimento e da criação de emprego, redução do crescimento económico, etc.) com o aumento dos preços causado sobretudo pela contínua elevação do preço dos combustíveis (que se repercute sobre toda a economia) e de algumas matérias-primas e alimentos.
Ou seja, o pior de dois mundos: travagem nos rendimentos e aceleração dos preços. Pior do que isso, a inflação importada dos factores de produção e dos alimentos contribui para agravar o abrandamento económico, pela subida dos custos de produção e pela diminuição do consumo.
Se o Estado não tem meios de impedir a alta dos preços, resta actuar dentro do possível para estimular da economia (mesmo sabendo os limites de tais exercícios) e para atenuar o impacto social sobre os mais vulneráveis. E esperar que a tempestade passe...

Socialismo versus liberalismo

Replicando ao seu adversário na corrida à liderança do PS francês, Bertrand Delanoë, a antiga candidata à presidência da República, Ségolène Royale, declarou que "ser liberal e socialista é totalmente incompatível».
Provavelmente Royale vai vencer. A modernização doutrinária e política do PS francês vai continuar adiada.

Quem quer destruir o quê?

«Louçã: Candidatos à liderança do PSD querem destruir o SNS».
Mas não foi o BE que passou estes três anos a dizer que era o Governo do PS que estava a "destruir o SNS" e a realizar "as políticas do PSD"?
A demagogia política trama-se a si mesma!

sábado, 24 de maio de 2008

Liberdades jornalísticas

«Crédito malparado aumentou 14,7 por cento até Março», noticiava o Público. Mas será que cresceu em termos relativos, ou seja, em relação ao crédito concedido? Provavelmente não, pois este também cresceu dois dígitos. A ser assim, o título da notícia poderia ser "crédito malparado não aumenta"!

"Discutir o nuclear"

Desde antes do actual choque petrolífero que também defendo que é preciso «discutir o nuclear», com racionalidade e sem tabus deslocados.
O facto de a questão ser muito polémica -- mesmo neste blogue -- não chega para cancelar o necessário debate. Pelo contrário! O preço da energia e o aquecimento climático assim o vão exigir.

Provedor de Justiça

O Provedor de Justiça está a ser "colonizado" pelos funcionários públicos, autores de 60% das queixas.
Todavia, a lógica originária da figura do Ombudsman consiste em defender os direitos e interesses legítimos dos cidadãos contra a Administração e não em tratar de questões de trabalho dentro da Administração (o que, aliás, constitui mais um privilégio dos funcionários públicos face aos demais trabalhadores, que não têm um provedor oficial de tratamento das suas queixas contra os seus empregadores).

Liberdades jornalísticas

O Expresso destaca hoje que «o Governo veta Adriano Moreira» no nomeação do conselho de curadores da Agência para a Avaliação e Acreditação do Ensino Superior. Só que, lida a notícia, verifica-se que AM é somente um dos vários professores do ensino superior, de entre as sugestões das instituições, que não foram seleccionados, juntamente com outros "excluídos", entre os quais Rui de Alarcão, antigo reitor da Universidade de Coimbra, e Machado dos Santos, antigo reitor da Universidade do Minho.
Por que estranha razão é que o Expresso resolveu seleccionar Adriano Moreira como "vetado"?!

A alternativa PSD

Como revela esta notícia -- «Ferreira Leite e Passos Coelho querem fim do SNS gratuito» --, começam a revelar-se os traços da alternativa política do "novo PSD". De facto, a proposta não consiste propriamente só em acabar com a gratuitidade do SNS mas sim com a sua universalidade, reservando-o para quem não tem recursos para pagar cuidados de saúde privados. Uma espécie de sopa dos pobres...

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Portugal é o maior da Europa... nas desigualdades de rendimentos

Estes são os números da nossa vergonha, como portugueses. E ainda mais daqueles, como eu, que se afirmam socialistas.

Desmistificação

Ao contrário do que argumentam as empresas petrolíferas que operam entre nós, não é verdade que os preços mais elevados dos combustíveis em Portugal do que noutros países se devam aos impostos. Eles já estão bem acima da média europeia antes dos impostos, como se mostra no gráfico junto, colhido aqui. Porquê ?

Privilégios

De entre as muitos privilégios dos funcionários públicos face aos trabalhadores privados -- tempo de trabalho, férias, etc. -- porventura o mais iníquo é o que respeita ao montante da remuneração nas baixas por doença. Pois, em vez de ser extinto com o novo regime do emprego público vai continuar por tempo indefinido!
A aproximação dos períodos eleitorais tem destas benesses...

Regalias

Vai para dois anos, defendi com bons argumentos a extinção da ADSE, o subsistema de saúde dos funcionários públicos. O Governo manteve-o, embora aumentando a contribuição dos beneficiários. Agora anuncia-se a transformação da ADSE num sistema voluntário, e não obrigatório, e aberto a todos os empregados, e não apenas aos funcionários propriamente ditos, como até agora.
Optando-se pela manutenção da ADSE (continuo a ser contra), são duas alterações correctas. Só que, como regalia adicional que é, o serviço tem de ser transformado num fundo autónomo financeiramente auto-sustentado, à margem do orçamento. Não há nenhuma razão para que os demais trabalhadores financiem com os seus impostos um seguro de saúde privativo dos funcionários públicos.
Como é evidente, as actuais contribuições não chegam para sustentar o sistema, tanto mais que a despesa per capita terá tendência para aumentar, se os contribuintes mais jovens e menos utilizadores de cuidados de saúde deixarem o sistema, como é provável.

Sete breves notas sobre os EAU


1) o porto de Jebel Ali é de uma grandeza esmagadora. Literalmente inventado do nada pelo homem é de tal forma impressionante que, dir-se-ia, se o planeta fosse um restaurante, Jebel Ali seria a porta dos fornecedores;
2) Numa última ronda pelas áridas montanhas de pedra, 48 graus lá fora, sintonizados na Radio One, estação anglo-saxónica, sorrimos com a comédia involuntária da globalização. Afinal, enquanto caminhamos por gigantescas áreas inóspitas onde não sobreviveria vivalma, escutamos Mariah Carey na rádio;
3) Passamos por uma gruta com um bizarro aspecto de conforto. A piadola sobre Bin Laden era inevitável. Alguém acrescenta: Ah, sim… mas isto é só a gruta de férias dele. Um time-share que ele tem com o Kim Jong-Il;
4) Os Isaltinos das Arábias – esteve para ser o título de hoje. Os emirados parecem partilhar com o eterno autarca de Oeiras o mesmo gosto por rotundas. E, já agora, o mesmo apreço por "monumentos" que não lembrariam ao diabo;
5) Tema do dia no descanso do ar condicionado dos jipes: a vida fácil que os travestis têm aqui. Olha, apetece-me vestir-me de mulher. É simples, eficaz e económico. Só gastariam dinheiro no rímel;
6) Os hotéis são de uma opulência ridícula. Parece que os nativos não têm a mínima noção de que no meio poderiam encontrar a virtude. Atravessando os emirados só encontramos o 8 ou o 80. Numa viagem de catamarã ao largo do Dubai, roçando as patéticas Palm Islands em construção, um de nós perguntou-se, filosófico: será que aquele tipo dos camelos, que encontrámos ontem no meio de nenhures ao largo da Duna Grande, sabe sequer que “isto” existe?
7) No carro onde circulo – que todos os dias nos presenteia com uma nova ameaça de avaria, contribuindo para o aumento da adrenalina – está um senhor que dorme. Seja montanha, pedra, pó, areia ou asfalto, ele dorme. Vemo-lo apenas entrar e sair de hotéis, comer pelo meio, meter os óculos escuros à José Cid e entregar-se de imediato ao sono dos justos. Graças a Maomé não ressona. Mas desconfio que, no regresso a casa, quando a família lhe perguntar como são os Emirados, dirá: "Epá, é igualzinho à Caparica, mas com mais hotéis".

quinta-feira, 22 de maio de 2008

A Birmânia e o Iraque


Já está disponível na Aba da Causa um artigo meu publicado no Diário de Notícias de hoje, em que respondo a um texto do sociólogo Alberto Gonçalves, publicado no mesmo jornal no dia 11 de Maio.
Defendo-me de equivocadas analogias entre a situação na Birmânia de 2008 e no Iraque de 2003 e da acusação de incoerência nas minhas tomadas de posição.
Aliás, como explico no artigo, sou "defensora [...], como sempre fui, de que a ajuda externa só deve ser isso mesmo – ajuda - cabendo aos próprios povos tratar do “regime change” e livrar-se dos tiranos (na Birmânia, no Sudão, no Iraque ou no Portugal do 24 de Abril)."
E para o caso de ainda restarem dúvidas: "Não advogo uma invasão armada para a Birmânia, tal como não a advoguei para o Iraque."

Parlamento Europeu: contra as munições de urânio emprobrecido


O Parlamento Europeu votou hoje, por esmagadora maioria, uma resolução que advoga a proibição das munições de urânio empobrecido. Fica aqui a minha intervenção no debate ontem havido sobre o tema, em Estrasburgo. Em nome do PSE, fui co-autora e negociadora do texto da resolução aprovada.

Birmânia: a responsabilidade de proteger


Hoje no PE aprovámos por esmagadora maioria (524 votos a favor, 3 contra e 13 abstenções) uma resolução sobre a trágica situação na Birmânia.
Fui co-autora e negociadora da resolução em nome do PSE (a minha intervenção pode ser lida aqui).
E orgulho-me de ter introduzido no texto duas exigências essenciais ao Conselho de Segurança da ONU e aos governos europeus, para que não se demitam de:
1) - aplicar à Birmânia a "responsabilidade de proteger" e
2) - de referir ao Tribunal Internacional Criminal a Junta militar birmanesa para procedimento por "crimes contra a humanidade".
De que estão os governos europeus à espera para accionar o Conselho de Segurança da ONU ?

Portugal - Ajuda ao Desenvolvimento em queda


Portugal é um dos países que está a contribuir ... para a diminuição da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) da UE, em contradição flagrante com as promessas de carpete vermelha e 'megafonizadas' pelos líderes europeus (portugueses incluidos).
A APD portuguesa diminuiu, pelo segundo ano consecutivo, de 0.21% do PNB em 2006 para 0.19% em 2007.
Se em 2006 ficámos no segundo pior lugar da UE15, em 2007 conseguimos o nosso pior resultado desde que somos membros do CAD da OCDE: não só falhámos a meta de 0.33% em 2006, como parece não termos planos para voltar ao trilho, alcançando a meta de 0.51% em 2010.
O montante total da APD portuguesa em 2007 foi 403 milhões de dólares (cerca de 255 milhões de euros). Isto num ano em que a Presidência Portuguesa da UE desembolsou pelo menos 10 milhões de euros nos dois dias da Cimeira UE-África... cujos resultados práticos estamos longe de vislumbrar.
O Parlamento Europeu aprovou hoje um relatório a eficácia da APD europeia. Pode ler-se aqui a intervenção que fiz na sessão plenária sobre este tema.

"Ser bom atlanticista não chega..."





Este artigo demonstra bem que ser aliado de Washington não significa necessariamente ser subserviente e, muito menos, adoptar uma atitude negocial determinada pela falta de ambição.
A Polónia tem feito os fretes todos a Washington, inclusive enterrar-se no lodo iraquiano. Em troca sente que recebeu pouco e faz agora a vida negra a uma Administração Bush que, nos derradeiros meses da sua existência, quer deixar trabalho feito no sistema de defesa anti-míssil. E que para isso precisa da anuência de Varsóvia...
Independentemente do mérito das respectivas posições negociais americana e polaca, das virtudes ou defeitos do projecto de defesa anti-míssil, e do debate sobre a urgência da ameaça iraniana, é refrescante assistir a um diálogo negocial transatlântico entre dois aliados, em que ambos defendem os seus interesses: ao contrário de outros casos, em que os EUA defendem os seus interesses, e o parceiro, paralisado pelo sentimento de "privilégio" de estar á mesa com Washington, vê no baixar da própria fasquia negocial a melhor maneira de agradar aos EUA e ganhar assim "acesso privilegiado aos corredores do poder em Washington".
Se os polacos conseguirem sacar o que querem sacar aos EUA por causa de dez mísseis interceptores, imaginem o que uma equipa negocial portuguesa à séria sacava em troca da Base das Lajes...

Caça aos migrantes


Vagas de violência contra estrangeiros nas ruas de Joanesburgo já forçaram cerca de 13 mil pessoas a fugir, criando um cenário, descrito por jornalistas internacionais no último fim-de-semana, como semelhante a uma zona de guerra. Dezenas de imigrantes foram baleados ou esfaqueados e há pelo menos 42 mortos, incluindo três que terão sido espancados até à morte e outros dois queimados vivos (fotografias de um corpo em chamas, divulgadas pelos media internacionais, evidenciam a brutalidade dos ataques). Muitas das vítimas são refugiados do Zimbabwe, que fugiram para escapar à perseguição política ou à fome impostas pelo defunto-vivo regime de Mugabe. Agora, vêem-se obrigados a (re)fugir de novo... mas para onde?
Esta caça aos migrantes, que servem como bode expiatório de problemas sociais - em particular, o desemprego - também tem provocado distúrbios (de menor dimensão) em Itália, onde nos últimos meses qualquer delito cometido por pessoas da etnia 'roma' (cigana) provoca imediatamente ondas de ataques populares contra os seus acampamentos. Em muitos casos orquestrados pela camorra... com a especulação imobiliária na mira.
Enquanto os Estados não levarem a sério os direitos humanos - e os económicos e sociais em especial - esta nova caça às bruxas ainda vai ganhar adeptos...

Capitalismo de casino...


Enquanto o aumento dos preços da comida está a afectar os mais pobres um pouco por todo o mundo (um mundo onde continua a morrer uma criança em cada 5 segundos, devido a causas directa ou indirectamente relacionadas com a fome), há quem tire proveito da crise, especulando sobre a alta de preços.
É o caso de um conhecido banco belga, o KBC, que lançou um fundo de investimento, prometendo aos investidores um retorno que pode ir além de 14%, com garantia total do capital investido. E nem pudor lhes falta para anunciar o dito fundo nos jornais.
Como reclamam os socialistas do Parlamento Europeu, há que banir por lei este tipo de fundos de investimento que 'engordam' carteiras à custa de quem não tem para comer.
Há que acabar com este capitalismo de casino...

Teorema de Pitágoras


12 horas de carro e mais kms num só dia do que aqueles que consigo fazer em dois meses. Senti-me por isso, no dia que passou, simultaneamente desportista radical e muçulmano – duas coisas que jamais imaginei ser. A primeira porque finalmente conduzi e logo no deserto (e não atasquei o carro!); a segunda porque o estado da minha ferida é tal que passo todo o tempo que posso de rabo para o ar, como quem ora a Meca. Como é a posição mais confortável para mim, julgo que tenho rezado a Alá mais vezes por dia do que os próprios indígenas.
Saímos cedinho da enorme e feia Al Ain para um último giro pela montanha Hafeet, um monstro de pedra que vem sendo progressivamente reduzido para alimentar a futura megalomania das Palm Islands. Consta que, há 2000 anos, Hafeet estava coberta de água. Hoje, ajuda alguns a cobrirem-se de ouro. Seguiu-se muito asfalto, como por exemplo uma estrada com uma recta de 120 kms que nos levou a almoçar ao oásis de Liwa. Posto isto, entrámos deserto adentro até à Duna Grande e ficámos um par de horas a brincar na areia. Já trago mais de 200 fotos na Nikon novinha em folha mas sou um mero amador, sem estaleca para a máquina. No fundo, sinto-me um mero Miguel Sousa, tristemente despojado do Tavares.
Mas a verdadeira aventura do dia foi quando o meu carro se atrasou, perdeu a restante comitiva, e falhou um desvio. Durante duas horas – e com o primeiro terço feito na reserva de combustível – 4 tugas estiveram alegremente perdidos nos Emirados. Não uso o advérbio de modo em vão. Cantámos Rui Veloso, violámos limites de velocidade, ligámos de meia em meia hora o GPS quase sem bateria, parámos para beber umas fresquinhas da cooler e, como disse o grande Gonçalo - da Newspeed, na tranquila segurança do seu sentido de orientação, interpretámos o teorema de Pitágoras: enquanto os restantes fizeram os quadrados, nós cumprimos os catetos. Com o bónus de termos chegado a Abu Dhabi uma hora antes do resto do grupo – que teve um probleminha rapidamente solucionado com a rigorosa polícia local.
Finalmente no hotel, duas coisas rebentaram: um dos Chevrolet “berrou” de vez e a minha ferida finalmente explodiu. Mas esta saga fica para amanhã. Já estou cansado de escrever em pé.

Nota: na primeira crónica desta viagem mencionei que o engraçadinho do grupo já tinha sido encontrado antes mesmo de chegarmos ao destino. Devo agora fazer-lhe justiça: o homem não merece o diminutivo – é mesmo engraçado.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Privilégios de Lisboa e do Porto

O Governo anunciou o congelamento dos passes sociais até ao fim do ano. Cabe perguntar se esse benefício é para valer em todo o País onde há transportes colectivos urbanos, ou se se aplica apenas a Lisboa e ao Porto, onde os transportes colectivos são do Estado, e onde o orçamento do Estado paga os seus enormes défices.
A ser assim, torna-se mais uma vez evidente que os contribuintes do resto País, muitos dos quais pagam os transportes colectivos dos seus municípios, pagam também como contribuintes os transportes de Lisboa e do Porto. Para quando a descentralização dos transportes urbanos das duas principais cidades do País para os respectivos municípios, como empresas municipais ou intermunicipais?

Má ideia

«Galp pede baixa do imposto sobre os combustíveis».
Tal proposta, compreensível do lado da Galp, não deve ser seguida. Primeiro, o imposto sobre os combustíveis é em si mesmo justo, por onerar um produto altamente poluente e por incidir sobre os contribuintes com mais posses. Segundo, não havendo espaço para redução das receitas fiscais, por causa da disciplina orçamental, a baixa desse imposto colocaria sob pressão a meta do défice orçamental para o corrente ano. Terceiro, a via para a redução da factura petrolífera é a redução do consumo, mediante medidas de eficiência, incluindo a substituição do transporte automóvel pelo transporte colectivo.
Com a perspectiva de continuação da escalada dos preços, não se pode manter a ilusão de que é possível continuar a aumentar o gasto de combustíveis. O choque dos preços do petróleo só pode ter uma resposta no choque da redução do consumo.

Na terra onde até a água é da cor do dinheiro


Um velho lugar comum sobre as viagens assegura que estas nos despertam vigorosamente os 5 sentidos. Ora, isto deixa de parecer romântico quando o sentido em questão é o olfacto e nos encontramos a dois metros de um camelo. Enfim, ossos do ofício. Na Arábia, sê árabe. Para mais, é very typical.
O dia começou às 4 e meia da manhã, após outra noite de apenas 3 horas nos braços de Morfeu - mas com a atenuante de ter sido passada num acampamento por nossa conta em pleno deserto. Um homem não é um homem enquanto não der um gritinho sufocado ao julgar ter visto um escorpião.
Uma hora depois estávamos com Captain Dee, um inglês com pinta de pirata cool, que há 25 anos faz do voo em balões a sua vida. O pequeno-almoço que se seguiu esteve para consistir neste vosso escriba. Após uma hora a ser cozido pelo ar quente do balão, só faltava servirem bacon para a comitiva ter um verdadeiro breakfast à inglesa. Mas, claro, é uma experiência esmagadora (e mais não digo para vos deixar roídos de inveja).
Hoje fizemos 9 horas de carro envolvendo pelo menos 3 dos emirados. E esta é a boa notícia. A má é que amanhã faremos 12. Má, claro, para todos aqueles que têm uma cicatriz palpitante a poucos centímetros daquele sítio onde o sol não brilha. Acrescento apenas que, neste preciso momento, escrevo-vos sentado sobre uma toalha molhada – e peço desde já desculpa por esta imagem que certamente vos perseguirá até ao fim da vida.
Houve surpresas: um mergulho a meio do dia que me soube a termas e meia hora de Moto 4 nas dunas. Adoro a máquina e, pelos vistos, era o único dos não profissionais com experiência. Mas, no estado em que tenho essa parte das costas, pensei: dubia ir, mas – fónix! - não dubou.
Após largas centenas de quilómetros, posso afirmar que os EAU fazem lembrar um cara-pálida a quem os índios arrancaram o escalpe. Seco, abrasivo, inóspito, cru. Parece que dizimaram as árvores e pelo menos duas camadas de epiderme da terra. Mas os nativos compensam a pobreza rija da região com carradas de luxo e mau gosto. Ainda assim, vale muito a pena estar cá. Explicarei nos próximos capítulos.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Eu, rabo torto, me confesso




A minha carreira no todo-o-terreno acabou antes mesmo de começar. Mas antes, expliquemos o título.
Sou natural da ilha açoriana da Terceira, que mantém uma rivalidade antiga com a de São Miguel. Aos micaelenses, chamamos “coriscos mal amanhados”; eles tratam-nos por “rabos tortos”. Justificar o porquê, mais as raízes históricas, etimológicas e sociológicas seria um desperdício do vosso dia e, já agora, da minha noite (depois de 12 horas em aeroportos e aviões, para fazer 6500 kms, estou no final de um dia que mereceu 3 horas de sono como estágio). Adiante.
Creio que, em plenos Emirados Árabes Unidos, acabei por fazer jus ao epíteto do título. Sucede que tenho uma cicatriz bem razoável no fundo das costas por ter retirado um quisto há meia dúzia de anos. Ora, essas verdadeiras celas de tortura que são as aeronaves da Turkish Airlines, fizeram-me despertar os pontos da cirurgia qual Etna em erupção. Assim, após este primeiro dia de TT, não só estive incapaz de conduzir como pratiquei no lugar do morto a primeira versão conhecida de kizomba em slow-motion: rabinho para cá, meia hora depois, rabinho para lá. Loop & repeat. Uma angustiante dança para manter o cócsis do escriba o mais afastado possível do contacto com o assento. Não é fácil, mas ao menos já faz de mim uma espécie de estóico herói da expedição (pelo menos é o que tento dizer a mim próprio a ver se me sinto um pouco melhor).
Balanço do primeiro dia: 3 horas de sono, 4 de carro, 5 whiskies – o único analgésico que o orgulho me permite, 6 atascanços e mais de 100 fotos tiradas. Nada mau. Ah, e 3 avarias em 3 dos Chevrolets que compõem 50% da nossa comitiva. Um que deitou fumo devido à bomba de água, outro incapaz de fazer tracção às 4 e outro com a luz do motor acesa e pouco desenvolvimento.Contudo, há sempre um lado positivo na vida. A aventura ainda mal começou e o Dubai e companhia já nos ensinou uma grande lição, algo que nunca será esquecido e nos unirá a todos para sempre… A Chevrolet é uma m****. O que só vem demonstrar que, no tocante ao mundo árabe, com ou sem invasões ou guerras, os Estados Unidos só servem mesmo para atrapalhar.

Maiorias

Penso que J. Pacheco Pereira não tem razão nesta defesa da maioria relativa em eleições partidárias directas. Primeiro, parece incontestável que em termos de força e legitimidade política não é o mesmo ter menos ou mais de metade dos votos; segundo, a regra geral, embora não obrigatória, nas eleições directas em regimes presidencialistas e semipresidencialistas é a maioria absoluta.
Não sou um apoiante do presidencialismo partidário nem de eleições directas. Mas sendo esse o sistema de governo vigente nos nossos principais partidos, penso que deveriam adoptar a regra da maioria absoluta na eleição dos seus líderes (com uma segunda volta, caso nenhum candidato seja eleito na primeira), em prol de uma maior legitimidade e estabilidade das direcções partidárias.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Não é bem assim

Na notícia sobre a comissão nacional do Centenário da República (ver posts anteriores) o seu autor diz que a Comissão de Projectos para as comemorações, à qual presidi, propunha que «as celebrações do centenário deveriam constituir também "um impulso para reformas legislativas" como por exemplo a legalização dos casamentos gay». Mas isso não é bem assim, não tendo a Comissão feito tal proposta. A Comissão limitou-se a preconizar uma modernização da legislação da família, tendo em conta a revolução da I República nessa área, deixando porém as reformas concretas à liberdade política do legislador, sem mencionar nenhuma em concreto. Recorde-se que ainda recentemente a memória justificativa da nova lei do divórcio invoca expressamente a herança republicana nesta esfera.
Obviamente, todos podem, a começar pelos autores do Relatório, especular livremente sobre as diversas formas possíveis de concretizar a orientação genérica proposta pela Comissão, de acordo com as suas preferências, mas convém pelo menos não as imputar especificadamente à Comissão. O seu a seu dono, incluindo as ideias e propostas.

Centenário da República (2)

Segundo o DN (cfr. post antecedente) o Grande Oriente Lusitano quer estar representado nas estruturas oficiais das comemorações do Centenário da República, especificamente na Comissão consultiva. Tendo em conta o papel da maçonaria na preparação e condução revolução republicana e no desenvolvimento da cultura republicana entre nós ao longo do tempo, essa pretensão parece-me elementarmente justa.

Centenário da República (1)

Está finalmente escolhida a comissão nacional para as comemorações do Centenário da República, que hoje o Diário de Notícias divulga. Presidida por Artur Santos Silva, um gestor consagrado e multifacetado, e uma feliz escolha, a composição da Comissão oferece todas as garantias de convicção, saber, isenção e pluralismo na celebração republicana.
Prouvera que a Comissão possa recuperar o relativo atraso da sua nomeação com uma rápida elaboração do programa dos eventos de 2010.

Destino Dubai




O capitalismo é tão contraditório como imagino que o Dubai seja. Por exemplo, quer-nos magricelas nos aviões e enfarta-brutos nos restaurantes. Ocorre-me este pensamento algures sobre a Turquia, entalado entre um russo ressonante à frente e um bife bêbado atrás. Assim, o laptop não consegue fazer jus ao nome – está de pé. Com a naturalidade, acrescente-se, de uma foca no deserto. Os portugueses já foram pejorativamente conhecidos como “o povo das sardinhas” e hoje aqui está um grupo deles dando razão ao cliché: verdadeiras sardinhas em lata num voo sobrelotado da Turkish Airlines.
Ainda faltam horas para o objectivo mas a viagem já merece alguns comentários. Provavelmente partilharei apenas um par deles convosco, uma vez que já me doem os dedos e os bíceps do hercúleo esforço para conseguir teclar num pc equilibrista. Com que então os escribas não são homens de acção?! Think again.
Esperem. Acabam de chegar avelãs e uma cola. Vou ser obrigado a testar os meus dotes de malabarista.

Uma camisa manchada e dois compatriotas molhados depois, eis-me de volta à escrita contorcionista.

A primeira parte do dia foi preenchida com um voo entre a Portela e o Ataturk. Dir-se-ia que 4 horas e meia de voo passadas, aterrámos no Colombo. A única diferença gritante entre o aeroporto de Istambul e o “maior centro comercial da península ibérica” é que o primeiro trocou os gangues por hordas de adeptos do Galatasaray ainda eufóricos com o título conquistado ontem.
Mas não foi tempo perdido. Como é sabido, o tuga é danado para a brincadeira. Daí que, nem meia hora a bordo tinha decorrido, e já o engraçadinho do grupo estava encontrado. Quarentão, bigode, lascivo. O sonho de qualquer sogra. A hospedeira turca sofreu com os avanços galantes e os seus colegas masculinos olharam para o portuga com ar de quem poderia ter ressuscitado logo ali a fúria do império otomano. Do mal o menos, agora que a escala está feita e trocámos de avião, o nosso amigo dorme. Aumenta a esperança de chegarmos ao Dubai sem provocar nenhum incidente diplomático.Por hoje é tudo, caros amigos. Conto enviar-vos em anexo a primeira fotografia tirada no destino mas não prometo nada. Como já tenho os braços dormentes, temo que não consiga sequer erguer a máquina fotográfica.

Não há contadores grátis

Desde o início pronunciei-me contra o fundamentalismo da nova lei dos serviços públicos básicos (água, electricidade, gás, etc.), que acabou com as taxas de contadores, e outras semelhantes.
De facto, parece evidente que, na falta dessa receita, os fornecedores de tais serviços teriam de aumentar as tarifas dos serviços para toda a gente, pelo que no final o custo ficaria globalmente equivalente. Só seriam beneficiados os proprietários de segunda residência, que ficariam desonerados de pagar essa taxa, limitando-se a pagar os consumos do reduzido tempo de uso da habitação.
A alternativa à subida generalizada das tarifas era a criação de uma nova taxa, agora sobre a "disponibilidade do serviço", destinada a remunerar a manutenção da rede e do equipamento (incluindo dos contadores), que aliás faz todo o sentido.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Acordo ortográfico

«"Este acordo põe em lei que três países podem tomar uma decisão em nome de oito. É um disparate. As decisões devem ser tomadas por consenso", disse, ao JN, o socialista Luís Fagundes Duarte, autor do Manifesto pela Língua Portuguesa e Contra o Acordo Ortográfico (...)».
Há porém um grande equívoco nessa tese. O "protocolo modificativo" de 2004 só vincula quem o ratificar, estabelecendo que o Acordo Ortográfico de 1990 entra em vigor em relação aos países que o desejarem (se num mínimo de três), sem terem de esperar pelos demais países. Por isso, a ratificação desse protocolo complementar por parte de Portugal, que já tinha ratificado o próprio Acordo Ortográfico logo em 1991, só vincula o nosso País (e os outros três países que já ratificaram os dois instrumentos), não afectando os países em falta, enquanto não os ratificarem também.
O que não era justo é que os países que ratificaram o Acordo e que desejam a sua implementação continuassem indefinidamente sujeitos ao "veto" de uma parte deles, por ausência de ratificação, apesar de todos terem aprovado o Acordo em 1990. Sucede, aliás, que a regra agora adoptada -- bastar a ratificação de três países para uma convenção entrar em vigor (em relação a eles, claro) -- é a norma na prática da CPLP. Se evidentemente nenhum País ou grupo de países da CPLP pode impor a sua vontade aos demais, também nenhum País ou grupo de países pode impedir os outros de adoptarem uma "cooperação reforçada" entre eles, desde que aberta a todos, como é o caso.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

For the record

Por incúria não transpus para o Aba da Causa nas últimas semanas os meus artigos do Público. Acabo de os arquivar todos, just for the record.

Aditamento
O artigo desta semana, intitulado "adeus socialismo"?, que comentava um texto de João Cardoso Rosas, foi hoje objecto de réplica pelo mesmo autor. Provavelmente não vamos ficar por aqui na troca de argumentos.

Livro de reclamações (2)

Mais uma reclamação contra a PT!
Viajo sempre munido do computador portátil, acompanhado do conveniente dispositivo de acesso à Internet. Numa recente viagem a Moçambique, verifiquei previamente que a TMN assegurava "roaming" de dados com um operador local, a mCel, o que ainda nem todos os países disponibilizam. Uma enorme desilusão, porém. Na maior parte do tempo, o tráfego disponível era nulo; no resto do tempo, a velocidade era de menos de 10kb/s! Ao fim de meia hora nem um megabyte se obtinha!
Os operadores de telecomunicações móveis deveriam certificar-se da qualidade mínima dos serviços que contratam com operadores externos, até pelo seu elevado preço. Anunciar serviços de Internet móvel nas circunstâncias descritas é uma pura fraude!

Livro de reclamações

Por pura inércia, tenho mantido a subscrição do serviço fixo de telefone da PT, apesar de quase nunca a usar. Subitamente, na factura deste mês, além da usual taxa de assinatura de 14,15 euros, fui surpreendido com o débito de 10,52 euros de um tal "plano de preços". Isto sem ter realizado uma única chamada!
Reclamei naturalmente da factura, utilizando o número de telefone de "apoio ao cliente".
1º surpresa desagradável: após três reenvios ordenados por uma mensagem gravada, tive de esperar 9-minutos-9 para ser atendido!
2ª surpresa inacreditável: o misterioso débito tinha a ver com um plano de utilização que alegadamente tinha sido proposto pela PT aos seus clientes, o qual eu não teria declinado!
Assim mesmo, o PT decidiu abusivamente, sem qualquer pré-aviso sequer, debitar-me encargos que eu não contratei. Um puro assalto furtivo ao bolso dos seus clientes!
Desnecessário é dizer que há males que vêm por bem. Acabou definitivamente a assinatura do tal serviço telefónico fixo e a respectiva assinatura. Adeus PT!
Todavia, há duas coisas intoleráveis nesta lamentável história. Primeiro, é inadmissível o vergonhoso serviço de reclamações da PT. Os operadores de serviços deveriam ser obrigados a ter uma linha directa de reclamações, com um limite de demora no atendimento. Segundo, situações destas de abuso qualificado na cobrança de serviços não prestados deveriam ser exemplarmente punidas.
O regulador deveria monitorizar regularmente o comportamento dos operadores. A ANACOM existe sobretudo para defender os interesses legítimos dos utentes. Aqui fica, publicamente, a reclamação!

Realismo

Como aqui se tinha previsto, era inevitável o corte nas previsões de crescimento económico, que o Governo vinha adiando à espera de dados fidedignos. Agora, face aos dados económicos do 1º trimestre divulgados pelo INE, francamente negativos, tornou-se inadiável rever em forte baixa as estimativas oficiais do crescimento para o corrente ano. Com esta revisão, ficam também comprometidas naturalmente as metas de crescimento para 2009. Resta saber qual o impacto sobre o programa de disciplina financeira e de redução do défice orçamental.
É um duro golpe nas perspectivas governamentais. O impacto económico da crise financeira internacional, do aumento contínuo dos preços do petróleo, da imparável valorização do euro e da degradação da situação económica espanhola, tudo se conjugou para tramar a economia nacional.

Regular a globalização

«We need more severe and efficient regulation, higher capital requirements to underpin financial trades, more transparency and a global institution to independently oversee the stability of the international financial system. I have already suggested that the IMF assume this role.». Palavras do Presidente da Alemanha, antigo presidente do FMI, à revista Stern, segundo o Financial Times.
Nada mais certeiro, por quem sabe do que fala.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

O agitador

Não tem nenhum fundamento a rotunda afirmação do Procurador-Geral da República de que a reforma da organização territorial dos tribunais constitui um «grave atentado ao Estado de Direito». Nem a Constituição nem os princípios do Estado de direito requerem o "paralelismo" dos juízes e do Ministério Público ou impedem o exercício de funções de gestão judicial pelos juízes.
O PGR faria bem em temperar com alguma contenção e gravidade institucional a sua fácil vocação de agitador pró-sindical.

Angola

São manifestamente malévolas e sectárias muitas das apreciações que correm entre nós sobre a situação política angolana.
Desde o fim da guerra civil tem havido notórios progressos na institucionalização democrática. Existe um parlamento pluripartidário, um estatuto de protecção da oposição, liberdade de imprensa, liberdade de religião, liberdade partidária, liberdade de deslocação e de residência, etc. Não existem presos políticos. Estão previstas para breve eleições legislativas e presidenciais, instaurando a normalidade democrática no País. A própria situação económica e social melhora de dia para dia, pese embora a escandalosa ostentação da riqueza do mundo dos negócios e da elite de Estado e a extrema pobreza dos bairros periféricos de Luanda. Seja como for, em termos africanos, Angola exibe uma estabilidade e uma abertura política invejáveis.
Apesar dos seus apoios nos media, nem tudo o que interessa ao tradicional lobby anti-MPLA entre nós (com raízes na descolonização...) tem a ver com os interesses de Angola nem com os de Portugal.

Responsabilidade civil

Justifica-se alguma preocupação dos dirigentes e funcionários públicos por causa da nova lei da responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública, na medida em que ela os responsabiliza directamente não somente em caso de dolo, como anteriormente, mas também em caso de "culpa grave", o que amplia a possibilidade de serem pessoalmente accionados pelos lesados (reais ou supostos), embora estes também possam (e tenham conveniência em) accionar o Estado conjuntamente.
Apesar disso, porém, não se entende bem a ideia de o Estado contratar e pagar um seguro para cobrir as indemnizações em que incorram os seus funcionários nas circunstâncias descritas. Para além de não se enxergar fundamento legal para essa benesse e para a respectiva despesa, o Estado não devia assumir a cobertura de actuações dolosas ou grosseiramente culposas dos seus funcionários, as quais pelo contrário deveriam ser objecto de procedimento disciplinar, pelo menos no caso de dolo.
De resto, embora na legislação anterior os dirigentes e funcionários não pudessem ser directamente accionados em caso de culpa grave, eles já então acabavam por ser responsáveis por esses danos, tendo de repor ao Estado as indemnizações pagas por este aos lesados ("direito de regresso").

terça-feira, 13 de maio de 2008

Insuficiente

O Presidente da República requereu ao Tribunal Constitucional a apreciação da constitucionalidade de normas do estatuto da Polícia Judiciária, mas continua a não disponibilizar publicamente os fundamentos dos seus pedidos de fiscalização da constitucionalidade. Devia corrigir essa prática. Sem o conhecimento do texto do requerimento, é impossível apreciar o pedido presidencial.

Combustíveis

Mas como é? Então os preços dos combustíveis vão subir à mesma hora na mesma importância em todas as redes? Se isso fosse assim, não estaríamos perante um caso flagrante de "práticas concertadas" contra a concorrência?!

Dívidas fiscais

Concordo com este texto. O novo Director-Geral dos Impostos tem andado a dar tiros nas próprias tropas.

Mau exemplo

«Sócrates e Pinho violaram proibição de fumar a bordo do voo de Lisboa para Caracas».
As normas valem para todos.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Desacordo

«Frente Comum e Fesap sem acordo no contrato de trabalho da função pública».
Se os sindicatos acabam por não assinar nenhum acordo, o Governo deveria retirar todas as propostas de alteração que fez com o objectivo de conseguir um compromisso (salvo as que considere boas independentemente desse objectivo). Os sindicatos deveriam habituar-se à ideia de que os acordos supõem cedências mútuas e que sem acordos não há cedências unilaterais.

Duplicidade

«Cinco ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia exprimiram hoje em Tbilissi o seu apoio à soberania da Geórgia e à sua integridade territorial (...)».
Não consta que a soberania da Georgia esteja em perigo. Já quanto à sua "integridade territorial", posta em causa pela autodeclaração de independência da Abkázia e da Ossétia do Sul, os países da UE não estão nas melhores condições para a defender, face ao apoio dado à declaração unilateral de independência do Kosovo face à Sérvia. Se quer ser eficaz na cena internacional, a UE não pode ter dois pesos e duas medidas para situações idênticas.

sábado, 10 de maio de 2008

Privacidade

A liberdade de imprensa não pode prevalecer contra tudo...

USA 2008

Decididamente, Barack Obama tem a vitória assegurada como candidato presidencial do Partido Democrata. À sua vantagem nos delegados eleitos soma-se agora a vantagem nos "superdelegados" (delegados por inerência). A notável resistência de Hillary Clinton, que dependia da esperança na preferência dos superdelegados, é doravante inglória.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Socialismo polissémico

Discordo desta análise de João Cardoso Rosas (com o qual, de resto, concordo muitas vezes).
Primeiro, já há muito -- a começar com o SPD alemão, no célebre congresso de Bad Godesberg de 1959 -- que os partidos socialistas e social-democratas abandonaram a ideia originária de "economia socialista", enquanto sistema económico alternativo ao capitalismo, baseado na "socialização" dos meios de produção, tendo-se rendido à economia de mercado. Aliás, isso mesmo resulta da adesão de todos eles à UE, desde o início baseada numa "economia de mercado assente na livre concorrência" (como estabelece o Tratado de Roma, de 1957). Por isso, hoje ninguém espera, ou teme, que um Governo socialista desate a fazer nacionalizações. Portanto, não há nenhum engano ou equívoco quanto a esse ponto.
Segundo, apesar desse abandono da "economia socialista", não é ilegítimo que os partidos socialistas conservem a antiga denominação, dado que continuam a lutar pelas suas principais bandeiras na esfera social, designadamente direitos sociais, inclusão social, coesão social, Estado social, enfim, justiça social.
Em suma, os partidos socialistas há muito disseram adeus ao "socialismo económico", mas os ideiais socialistas nunca se limitaram a isso. Por isso, dizer "adeus ao socialismo", como quer JCR, é por um lado redundante e por outro lado indevido.

ADSE

A Ministra da Saúde bem pode lamentar o "negócio" da ADSE com o Hospital da Luz, mas é evidente que o subsistema de saúde dos funcionários públicos, que não faz parte do SNS, tem todo o direito de comprar serviços a hospitais privados, desde que estes adiram às condições gerais definidas por aquele. O único problema é saber se os hospitais públicos podem competir com os privados nesse mercado.
[Corrigido]

Um pouco mais de rigor, sff

Dizer num título que «59% das escolas têm amianto» -- deixando entender que envolvem risco para a saúde das crianças e do pessoal escolar -- é pouco sério, visto que, como depois se diz no corpo da notícia, se trata de valores muito abaixo dos admitidos pelos padrões internacionais, logo inofensivos.
Um jornal de referência como o DN não pode dar guarida a alarmes demagógicos como este.
Aditamento
O DN corrigiu hoje a notícia de ontem, embora sem a referir. Bastava um pouco mais de zelo jornalístico para evitar o frete de ontem à demagogia.

O BES e o BOB


Os craques de relações públicas dos craques de esquemas “off-shore” do BES acharam que podiam ofuscar o pagode e pagar-se uma aura de “responsabilidade social” e de “desenvolvimento sustentável”, trazendo à nossa costa a estrela do rock políticamente correcto BOB GELDOF.
Esqueceram-se que estes tipos do rock e, ainda mais, do políticamente correcto, costumam ser irreverentes e incontroláveis.
E vai daí os craques do BES panicaram quando o BOB explicou – diante de audiência que incluia representantes angolanos – que “Angola é gerida por criminosos”. E agacharam quando os amigos de Luanda lhes explicaram que não toleram brincadeiras...
Logo eles, que do BES e da ESCOM conhecem Angola e os seus criminosos como as suas mãozinhas, estando mesmo bem uns para os outros...
Moral da história:
O BOB não é bobo.
Pôs o BES ... a trocar as mãos pelos pés.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Competição no PSD




Tão desinteressante, tão "déjà vu", tão vazio, que nem vale a pena comentar.
O PS só tem que se inquietar porque é o país que sofre: uma boa oposição estimula a boa-governação.
Quanto ao mais: venha a Dra. Manuela Ferreira Leite! O Engº Sócrates pode continuar a dormir descansado, mas ao menos sempre se eleva o nível do debate.

Contaminação nas Lajes


Dizem as agencias noticiosas que os aquíferos em torno da Base das Lajes estão contaminados por produtos químicos usados pelos americanos na lavagem dos tanques de combustíveis há mais de 40 anos.
O processo é visível a olho nu, mas até hoje ninguém se incomodou muito, a começar pelos governantes locais e regionais, sem falar nos nacionais!
Os poluidores devem pagar? Isso é em países em que as gentes se respeitam. Em Portugal o reflexo tende a ser outro, rasteiro: “são americanos os poluidores? pois, façam favor de continuar a poluir...”
No entanto, de repente, um relatório de 2005 – americano, pois então - faz tocar a rebate na Praia da Vitória em 2008. E todos em catadupa, autarcas, governantes regionais e até o Ministro do Ambiente acordam e prometem investigar autónomamente, através do portuguesinho LNEC, a extensão e efeitos da dita contaminação.
É aí que entra em acção a Cônsul dos utilizadores da Base das Lajes na Ilha Terceira: certamente com instruções de Washington, a senhora veio tentar controlar as lusas veleidades investigatórias e vá de querer que as suas autoridades opinem sobre quem tem ou não competência para estudar o assunto.
Do LNEC levou logo resposta adequada, a provar que as hostes da engenharia e ciência cá do burgo não estão demasiado contaminadas com complexos de subserviência.
Em contraste com o silêncio ensurdecedor do MNE e do MDN, entidades que há muito deveriam estar a trabalhar para defender os interesses portugueses postos em causa pela contaminação de décadas. E que já deviam ter instado os EUA a tratarem o assunto pelas vias diplomáticas e políticas adequadas e a sem demora retornarem a Sra. Cônsul às suas tamanquinhas de passar vistos e dar protecção consular aos seus nacionais.
O tratamento deste assunto em Portugal é sintomático da forma como defendemos (ou melhor, não defendemos os interesses nacionais.
Este é um tema da maior relevância com que convinha confrontar quem tem responsabilidades de governação. E, já agora, quem aspira a tê-las, a começar pelos candidatos à liderança do PSD.

Um polícia à frente da PJ


Nada tenho contra, se o polícia é bom e sabe da Polícia que vai dirigir. E parece que este é do melhor que por cá temos. Mais do que ter a confiança do Ministro que o designou, dá confiança que tenha apoio de Maria José Morgado.

Contra, contra mesmo, estou relativamente a vozes críticas que logo se ergueram por razões fedorentamente corporativas. Como a do Dr. António Martins, em nome da Associação Sindical dos Juízes, que alega que um Polícia à frente da PJ não pode ser “independente” como seria um magistrado.
Este soturno sindicalista quer por-nos a rir à gargalhada!
Basta lembrar a eficácia da “independência” dos últimos magistrados que mais recentemente passaram pela direcção da PJ. Quando se afoitaram a manifestar-se “independentes” foram logo postos no olho da rua: além do Dr. Alípio Ribeiro de que agora fomos aliviados, houve o Dr. Santos Cabral (que me pareceu muito competente), mal denunciou que a PJ não tinha dinheiro nem para mandar cantar um cego.
Oh, e que dizer desse expoente da “independência” que antes por lá passara, ali ferrado pelo Dr. Durão Barroso, o inefável Dr. Adelino Salvado, que empanturrava jornalistas incautos com informações tendenciosas e difamatórias sobre o processo Casa Pia?

Aliviados do Dr. Alípio


Isto de um homem passar de controleiro a controlado não podia dar bom resultado!
Ainda por si um homem que exalava uma “gravitas” artificial, só ultrapassada pelo carão façanhudo com que fala para as câmaras o seu antigo controlado.
Uma “gravitas” incongruente com a forma ligeira como veio admitir a “precipitação” da constituição dos McCann como arguidos (e até deve ter tido razão quanto à substância).
Uma “gravitas” incongruente com a forma ligeira como veio dizer que a PJ ficava melhor num Ministério do Interior (e até pode ter tido razão quanto à substância). Tão ligeira, tão ligeira que logo a seguir se achou ....“alipiado”.

US elections: enough is enough!


Obama, this is the moment to ask her to be your Vice-President!
Don’t worry! She most likely will not accept.
But the point will have been made with all Democrats: it is time for Hillary to go.
It is time to stop tearing the party apart. It is time to unite and go after the Republican candidate.

Hillary, please go! We admire you. But this is not your time, definitely. Not because you are a woman, a bit because you are a Clinton and much more because you dared to stay yourself.
We need you now to help bring the Democrats together and help bring even more people against the Republican candidate.

Birmânia - a responsabilidade de proteger


Pobres, pobres, pobres birmaneses!
Já não lhes bastava a opressão e miséria impostas por uma brutal Junta militar. A incompetência e desconfiança patológica dos ditadores levou-os a ignorar os avisos de perigoso ciclone chegados da India.
Agora, cinco dias e dezenas de milhares de cadáveres depois, com Rangum e o delta do Irrawady destroçados, os feridos e desalojados sem socorro, nada para comer e água contaminada para beber, é urgente a solidariedade internacional. A solidariedade que tanto faltou nas últimas décadas aos birmaneses.
É tempo de a comunidade internacional - através da ONU, das ONGS humanitárias e dos media internacionais - entrar de roldão na Birmânia. Primeiro para fazer chegar a ajuda a quem sobreviveu. Depois, para ajudar os birmaneses a escorraçar a junta opressora.
No Aceh, o tsunami abriu as portas ao referendo e à paz. Na Birmânia, também se poderá transformar esta calamidade numa oportunidade para a democracia e para o desenvolvimento.
Com ou sem resolução do Conselho de Segurança da ONU a intimar a Junta a levantar as restrições de entrada no país, esta é a altura de avançar em força para a Birmânia, entrando por todas as portas e janelas. A responsabilidade de proteger não pode continuar um chavão inconsequente.

Não é bem assim

«Hospitais públicos vão poder roubar doentes a privados» --, diz o Jornal de Notícias de hoje. Mas não é bem assim. Do que se trata é de permitir que os hospitais públicos possam candidatar-se à prestação de serviços remunerados a outras unidades do SNS (por exemplo, meios complementares de diagnóstico), em competição com prestadores privados, de modo a rentabilizar a sua capacidade instalada.

Correio da Causa: "Empobrecimento democrático"

«[Em relação ao seu artigo de ontem no Público] estamos de acordo que o país precisa de "suprir o défice de reflexão democrática" e estamos também de acordo que o actual governo "não tem primado pela imaginação e pelo debate que esta questão requer".
Onde aparentemente não estamos de acordo é na absolvição do governo por este pecado de omissão. Infelizmente, por muito que isso nos custe, o governo não peca apenas por falta de imaginação – ele peca, sobretudo, por ser agente activo do empobrecimento democrático do país. Cito apenas dois exemplos:
1) O culto da personalidade – a democracia é colegialidade, equilíbrio de poderes, diálogo, discussão. A imagem que este governo deliberadamente nos dá é o oposto: o culto da personalidade messiânica (com a agravante de o messias conduzir o povo para lado nenhum e a "salvação" – convergência económica e cultural com a Europa – estar cada vez mais distante).
2) A submissão ao poder económico – de qualquer governo, mas em particular de um governo "de esquerda", espera-se que defina e aplique regras claras sobre o jogo económico. Os favores que este governo tem feito aos grupos económicos, desde o alargamento dos contratos de concessão sem concurso público (porto de Lisboa, barragens, etc., etc.) até à impunidade garantida aos bancos (BCP, BPN, etc., etc.) até à interferência descarada no mercado (opa telecom, auto-estradas, televisão, etc., etc.) são inqualificáveis. Este governo não só não teve a coragem de acabar com o famigerado "bloco central de interesses" como o tem alimentado, incessantemente.
Pode-me dizer que não existem alternativas credíveis de governo, nem do lado da oposição, nem do interior do PS. É verdade, mas o argumento não é válido, do meu ponto de vista, como justificação dos erros fundamentais deste governo. O que é grave não são erros pontuais nesta ou naquela "policy" – o que é verdadeiramente grave é a falta de "politics" – uma política de "democracia social".
Já tivemos governos (Pintassilgo, Guterres) com boa "politics" e medíocres "policies" (pelo menos, ao nível da implementação). Não qualifico as "policies" deste governo; mas, sobre a sua "politics", o meu desencanto não podia ser maior e o meu juízo não podia ser mais negativo.»

Jorge V.

USA 2008

Nas primárias das eleições presidenciais de ontem Hillary Clinton deve ter ganho Indiana, enquanto Barack Obama deve ter levado a melhor na Carolina do Norte. O impasse no campo Democrata mantém-se. Obama perdeu velocidade e não consegue o "tie break". Clinton aguenta, mas não logra diminuir significativamente a distância.
Aditamento
No conjunto dos dois estados, Obama teve um pequeno saldo positivo no que respeita aos delegados eleitos, tendo por isso aumentado a sua vantagem sobre a sua adversária. À beira do fim da corrida, a balança continua a pender a favor do senador do Illinois.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Visita ao Afeganistão - X


Malalai Joya tinha só 22 anos quando na Loya Jirga, em 2003, denunciou o esquema para dar respeitabilidade a criminosos de guerra que se estava a preparar, tornando-os membros do parlamento e do governo.
Depois, em 2005, foi esmagadoramente eleita pela sua provincia para ir como deputada para a Wolesy Jirga.
Ali, sempre que Malalai pedia a palavra, os seus colegas atiravam-lhe garrafas de água, desligavam-lhe os microfones, insultavam-na e até de violação a ameaçaram. Chegaram a bater-lhe dentro do Parlamento.
Um dia, em 2006, Malalai disse na televisão que alguns no Parlamento se comportavam pior do que num estábulo.
O “insulto” aos seus colegas parlamentares serviu para ilegalmente suspenderem Malalai das funções de deputada até ao fim da legislatura. E depois tiraram-lhe o passaporte diplomático e um dia ao passar a fronteira terrestre para o Paquistão viu-se travada: estava numa lista de 300 criminosos impedidos de sair do país, segundo lhe disseram.
Hoje Malalai continua a ser perseguida e ameaçada, não tem protecção do Estado,nem de nenhuma embaixada, dorme de casa em casa, graças ao apoio de gente amiga (e da Human Rights Watch) e raramente sai à rua.
Veio ver-nos sob a protecção de ...uma burka.
Chateamos toda a gente – parlamentares, ministros, o Presidente Karzai – sobre a injustiça contra Malalai. E contra Pervez Kambaksh (um jovem estudante de jornalismo condenado à morte por querer discutir a situação da mulher no Islão) e contra mais de cem pessoas que estão condenadas a morte num país onde a justiça evidentemente não funciona.
E não vamos parar de chatear. Quer as autoridades afegãs, quer as americanas e europeias, na NATO e fora dela, que entronizaram o actual regime em Kabul e respaldam com o seu silêncio e omissão a arbitrariedade e injustiça contra estas e muitas outras pessoas.
Se alguma coisa acontecer a Malalai e se os outros forem executados, a culpa não será só dos responsáveis afegãos.

Visita ao Afeganistão - IX


De regresso a Kabul, torna-se ainda mais importante saber das mulheres, falar com mulheres, falar sobre as mulheres.
Nunca haverá democracia nenhuma no Afeganistão, por mais reconciliação que se consiga e por mais Al Qaeda que se irradique, se as mulheres continuaram a ser mal-tratadas, escravizadas, desprezadas e desvalorizadas medievalmente, como acontece ainda hoje por todo o lado no Afeganistão.
E a situação das mulheres realmente nunca preocupou nem os americanos, nem demasiado os europeus.
Há 25% de mulheres no Parlamento afegão (imposição da ONU), mas na maior parte são familiares dos senhores da guerra, estão lá para não falar, para não fazer ondas, para obedecer, para votar como lhes mandarem.
Mas há algumas extraordinárias excepções. Que falam, denunciam, expõem e se batem pelos direitos de todas as mulheres e de todos os homens no Afeganistão. Com risco das suas vidas e dos familiares. Como a corajosa deputada Shoukria Barakzai .Que teve de mandar os filhos para fora do país, mas continua sem se calar.