sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Mulheres na tropa

Eu vi-as no Verão passado, na linha da frente, de armas nas mãos, nas ruas perigosas de Kinshasa, a contribuir para o sucesso da missão EUFOR RD Congo. Espanholas rijas! Como a que morreu anteontem no Afeganistão, ao serviço da missão NATO ISAF, a ambulância que conduzia esfrangalhada por uma mina.
É conhecido o caso israelita, onde também as mulheres fazem serviço militar e agora cada vez mais assumem responsabilidades em unidades de combate.
Mas em Portugal, como denunciou o EXPRESSO, a Aspirante Cláudia Almeida Brito, a primeira (!) mulher oficial de Infantaria, foi impedida de completar a sua formação na Escola Prática de Infantaria, por ter sido sujeita a praxes refinadamente sexistas e misóginas. Como dizia um colega de Cláudia "era um mito na Academia que essa fosse a única arma sem mulheres. Foi um choque a entrada dela. Não creio que tão cedo venha para aqui outra." A própria Cláudia resumiu a sua experiência assim: "Cada vez há mais aquele espírito: mulheres em Infantaria, não!"
As Forças Armadas Portuguesas não podem ser imunes às dinâmicas de modernidade que têm marcado a sociedade civil portuguesa desde 1974. Por isso, quando o Chefe de Estado-Maior do Exército diz que "o Exército não violenta pessoas, não confunde praxes com exercícios, não discrimina, nem abusa" e que tem "uma prática indistinta em relação ao género", isso deve ter consequências práticas, nomeadamente na repressão de rituais de iniciação (supostamente 'integradores' dos aspirantes) que refletem uma visão anacrónica, chauvinista e bárbara daquilo que faz um bom oficial, um bom soldado. Não basta declarar que há igualdade de tratamento da (s) mulher (es) aspirante (s). É preciso tomar a iniciativa e combater activamente a imagem catastrófica da Infantaria como "coutada do macho latino" (para utilizar a linguagem colorida de um juiz português).
Um exército que perde a capacidade de atrair - de acordo com critérios puramente meritocráticos - aqueles e aquelas que têm vocação militar e que, ao mesmo tempo, não combate enérgicamente a percepção de bastião masculino, passa a ser uma instituição ineficaz e atrasada, numa altura em que se procura precisamente uma Infantaria diversificada, ágil, expedicionária e especializada em missões em que o contacto com civis é permanente. E para as quais muitas mulheres estão particularmente fadadas.
Porque é a eficácia das próprias missões que determina a necessidade de nelas envolver mais mulheres. Como o Conselho de Segurança da ONU reconheceu, já há sete anos, ao adoptar a resolução 1325, que recomenda a participação de mais mulheres, a todos os níveis e em todo o tipo de funções, incluindo as policiais e militares, em missões de prevenção de conflitos e manutenção da paz.
É vital que as chefias das Forças Armadas Portuguesas actuem rapidamente e encorajem a Aspirante Cláudia Almeida Brito a não desistir. É preciso que as chefias das Forças Armadas Portuguesas identifiquem e assegurem a punição exemplar dos responsáveis pelas provações que a Aspirante Brito sofreu na Escola Prática de Infantaria.
Caso contrário, ficaremos a saber que as nossas Forças Armadas, trinta e três anos depois de Abril, prevalecem prisioneiras de teses obsoletas e reaccionárias: de que se se submeterem futuros oficiais de Infantaria a rituais que impliquem comer comida estragada, flexões em barda e resistência psicológica a outras tantas humilhações, eles ficarão preparados para os desafios das operações militares do século XXI...
E ficaremos então a perceber, também neste domínio, porque é que a Espanha avança e Portugal fica para trás...