sábado, 9 de dezembro de 2006

"Ignorância" e má-fé

O bastonário da Ordem dos Médicos acusou a eurodeputada Ana Gomes de ignorância, por esta ter denunciado que o código deontológico da Ordem pune disciplinarmente os médicos mesmo no caso de abortos lícitos. Ora, Ana Gomes tem toda a razão, não o bastonário, que desmentiu um facto indesmentível.
O Código Deontológico (na versão autorizada do website da Ordem) diz o seguinte, no seu artigo 47º:
«1. O Médico deve guardar respeito pela vida humana desde o seu início.
2. Constituem falta deontológica grave quer a prática do aborto quer a prática da eutanásia.
3. Não é considerado Aborto, para efeitos do presente artigo, uma terapêutica imposta pela situação clínica da doente como único meio capaz de salvaguardar a sua vida e que possa ter como consequência a interrupção da gravidez (...)».
Como se vê, o Código Deontológico só salvaguarda um dos três casos de aborto lícito segundo o Código Penal, e mesmo assim em condições mais exigentes do que este. Por isso, o Código Deontológico é ilegal, na medida em que pune disciplinarmente actos médicos que não são ilícitos. O Código só pode punir disciplinarmente o aborto, em si mesmo, se realizado contra a lei.
A Ordem dos Médicos não é uma associação médica privada, de tendência religiosa, nem sectária. É uma instituição pública dotada de poderes públicos. O Ordem não pode punir aquilo que o Estado não quer que seja punido.