segunda-feira, 11 de julho de 2005

Polémica sobre um general na Revolução

Luciano Amaral (LA) no Acidental e Rui A. no Blasfémias contestaram o meu comentário aqui na Causa Nossa a um artigo do primeiro publicado no Diário de Notícias, sobre o papel do General Spínola na Revolução.
Importa corrigir e refutar algumas das suas observações.
Começo por asseverar que não tive nenhuma intenção malévola na minha referência a LA como representante da "nossa direita ideológica". É assim que o vejo, mas se ele faz questão disso, eu não insisto. Importam-me os factos e os argumentos e não as pessoas ou as suas filiações ideológicas.
Continuo a não perceber como é que se pode dizer, como diz LA, que não se sabia muito bem "o que pretendia Spínola" e simultaneamente prescindir de mencionar e analisar um episódio relevantíssimo, como foi o que ficou conhecido como "golpe Palma Carlos", de onde resulta claramente o que ele quis efectivamente.
Não comento o desvelo com que LA ensaia compreender o "ponto de vista" de Spínola. A única coisa que contestei foi a omissão de uma das suas atitudes, que revela o seu propósito de desvio do processo de transição democrática em favor de um projecto de poder pessoal. Não escrevi, nem penso, que Spínola queria reinstalar o "fascismo". O que quis dizer, disse-o. Falei, sim, em "autoritarismo plebiscitário". Não fica bem a LA imputar-me noções que eu não utilizei.
Contrariamente ao que, por sua vez, diz Rui A., Spínola não foi afastado. Manteve-se como Presidente mesmo depois de fracassado o projecto Palma Carlos (que levou à demissão deste, que ele aceitou), assinou pouco depois a lei constitucional que abriu caminho à descolonização (que ele rejeitava), convocou a manifestação da "maioria silenciosa" em Setembro e demitiu-se na sequência do seu fracasso; mais tarde, desencadeou e perdeu o golpe armado do 11 de Março de 1975. Todas as suas derrotas foram causadas por movimentações suas, tendo ainda por cima proporcionado à extrema-esquerda e ao PCP ocasiões de ouro para conquistarem posições. Verdadeiros tiros pela culatra. Spínola foi o principal fautor do falhanço do seu projecto de contenção da revolução.
Apesar da contestação de uma facção radical militar e civil, claramente minoritária, as eleições para a Assembleia Constituinte realizaram-se dentro do prazo previsto. Mas sabemos, porque fazia parte do plano, que se o projecto Spínola - Palma Carlos tivesse vingado, então sim, essas eleições teriam sido adiadas indefinidamente!
Não são permitidas grandes dúvidas do que teria sido o regime político saído do "projecto Palma Carlos", caso ele tivesse triunfado. Seria seguramente tão pouco democrático como o general que o inspirou, que não tinha um grão de convicção democrática. Sabemos o que se passou por causa dos três golpes falhados de Spínola e seus apoiantes. Mas nunca saberemos o que se teria passado se Spínola não tivesse lançado nenhum desses golpes. Teria havido Vasco Gonçalves? Teria havido nacionalizações? Teria havido o Verão quente de 1975?
Eu não pretendo "branquear" nenhuma força política, como acusa LA. Pelo contrário, limitei-me a dizer que os golpes falhados de Spínola abriram a via para uma radicalização da revolução, que provavelmente não teria existido sem eles. Ao contrário do que afirma levianamente Rui A, eu não era nessa altura, nem nunca fui, dirigente destacado (nem por destacar...) do PCP, a cujos órgãos directivos nunca pertenci (tendo recusado duas vezes pertencer ao Comité Central). Seja como for, os factos históricos são o que são, tenhamos ou não participado neles, e não é por certos episódios terem beneficiado certas forças políticas que eles deixaram de existir.
Ah, já me esquecia, nenhum dos meus contendores contestou os factos que motivaram o meu comentário! Fique então a nossa divergência limitada à interpretação deles. É um ganho. Por isso polémica valeu a pena.