domingo, 22 de fevereiro de 2004

Israel & Palestina

1. Uma carta
«Num dos seus últimos posts o Professor afirma que "a ilegítima ocupação e a afrontosa colonização israelita dos territórios palestinianos devem cessar, pois elas são a fonte de todo o conflito".
Coloco-me duas questões: 1º - Será que a primeira e principal causa do conflito israelo-palestiniano é, de facto, a criação de colonatos em território palestiniano?; 2º - Se sim, tal atitude é razão válida para desencadear a resposta terrorista por parte dos palestinianos?
Ao contrário do Professor, penso que a causa primeira do conflito foi e continua a ser o facto de, numa região "inundada" de ditaduras, se ter constituído, com o aval da ONU, uma Nação democrática e moderna, à qual os árabes, com destaque para os palestinianos, lhe erguem ódio e raiva. Mas, mesmo que a hipótese colocada pelo Professor fosse a causa de todo o conflito, com que legitimidade se responde com ataques terroristas a tal atitude? (...) Por alguma razão existem instâncias internacionais que deveriam pôr termo a casos de invasão ilegal de territórios alheios, com destaque para a ONU...»

(PP)

2. A minha resposta
Esta carta, na sua aparente candura, revela só por si os equívocos e os preconceitos antipalestinianos que continuam a predominar sobre esta matéria. Algumas notas para esclarecer o meu ponto de vista:
a) O ocupação israelita da faixa de Gaza e da Cisjordânia, desde 1967, não é reconhecida por ninguém, tendo sido condenada numerosas vezes pelas Nações Unidas, continuando Israel a recusar-se a retirar-se (não existe pais que viole mais resoluções da ONU).
b) Tal como todos os povos, os palestinianos têm direito à independência e ao seu próprio Estado; a ocupação configura uma verdadeira situação de opressão colonial.
c) Os colonatos judaicos nos territórios ocupados constituem uma violação qualificada da legalidade internacional e uma verdadeira provocação aos palestinianos, fazendo parte do projecto de anexação do território segundo as linhas da ideia do “grande Israel”;
d) A expansão dos colonatos é uma política deliberada do governo israelita: o abandono de alguns na faixa de Gaza, considerados mais inseguros, visa transferi-los para a Cisjordânia, onde Israel quer centrar os seus projectos de anexação de facto. A comissão de finanças do Parlamento israelita concedeu há dias uma soma de quase 20 milhões de dólares para apoio à fixação de colonatos nos territórios ocupados.
e) A formação da Autoridade Palestiniana obedece às regras democráticas, com órgãos directamente eleitos, em eleições internacionalmente supervisionadas e com reconhecimento das liberdades fundamentais (liberdade de imprensa, liberdade sindical, etc.), tudo aliás nos termos dos acordos assinados com Israel que levaram ao reconhecimento daquela. Por isso falar em “ditadura” no caso palestiniano tem pouco sentido. E as democracias, tal como Israel, podem ser colonialistas e imperialistas. O facto de a França ser uma democracia não lhe dava razão na guerra da Indochina ou da Argélia, tal como não a dá a Bush na guerra do Iraque.
f) No caso do conflito israelo-palestiniano os palestinianos exercem o seu direito de legítima defesa e de rebelião contra a ocupação ilegítima do seu território. É o direito do mais fraco contra a força do mais forte. Israel diz que aceita em abstracto a criação de um Estado palestiniano, mas vai anexando cada vez mais território, reduzindo o que resta a uma manta de retalhos das terras mais pobres.
g) O terrorismo é sempre condenável, mas não devemos esquecer que em muitas lutas contra a ocupação colonial, em desespero de causa contra a opressão, sempre houve recurso à violência contra os membros da potência ocupante (Argélia, Angola, etc.); de resto, o que os palestinianos não têm forças armadas para poder lutar contra a ocupação israelita;
h) Condenado o terrorismo quando feito pelos grupos radicais palestinianos, não devemos omitir o terrorismo israelita contra os palestinianos, quer das forças de ocupação, quer dos colonos (assassinatos sistemáticos, destruição de colheitas e de casas, isolamento de campos de refugiados, etc.). O número de vítimas palestinianas, a maioria parte deles civis comuns, é incomensuravelmente superior ao número de vítimas israelitas
i) Os actos de terrorismo palestiniano ocorrem em geral na sequência de actos de violência israelita, tal como a actual Intifada foi uma reacção à investida de Sharon na esplanada das Mesquitas, um acto de provocação deliberado
j) O muro de separação israelita rouba uma parte substancial do território palestiniano e corta ou isola numerosas cidades e aldeias palestinianas. Por isso é condenado por quase toda a gente, incluindo por último pela Cruz Vermelha Internacional. Levada a questão ao Tribunal Internacional de Justiça, Israel recusa-se a reconhecer a jurisdição do Tribunal...
l) A política israelita de ocupação e colonização está longe de ser consensual em Israel, havendo uma forte corrente contra ela e a favor da retirada e do reconhecimento da Palestina como condição de garantia da paz; por isso não está em causa ser contra ou a favor de Israel, mas sim favor ou contra a política israelita na questão palestiniana
m) Obviamente Israel tem direito à sua segurança, mas mesmo que se admitisse que a independência da Palestina constituía um risco, a sua superioridade militar é tão grande, que o hipotético risco é negligenciável.

Vital Moreira