terça-feira, 30 de dezembro de 2003

The Great Pretender

Já conversei com muita gente que se opõe à despenalização do aborto. Conheço os seus argumentos. A maior parte das vezes, deve dizer-se, a oposição nem sequer é à despenalização, mas sim ao aborto, ele mesmo, o que é totalmente diferente. Mas há efectivamente quem entenda que o aborto deve ser crime e punido como tal, incluindo com a prisão. Mesmo assim, uma argumentação pró-penalização como a que desenvolveu esta semana José António Saraiva no seu editorial no Expresso confesso que nunca tinha visto escrita. Deixou-me sem palavras. Fugiram-me os argumentos. Em suma, rendi-me!

E eu que há anos me preocupo com o modo de resolver o excesso de dívidas no sistema judicial vi-me, de repente, perante a solução. Re-criminalizem-se! Assim daremos um sinal aos milhares de devedores de contas à TV Cabo, prémios de seguros e telemóveis. E depois, caros Juízes, aos poucos que, mesmo assim, perante sinal tão forte, ousarem prevaricar, obviamente absolvam-nos ou melhor: esqueçam-se do processo debaixo da secretária. (Mesmo os mais cumpridores dos cidadãos não entenderiam, é claro, que se mandasse alguém para a prisão por causa de dívidas!).

Eduardo Prado Coelho defendeu que esta proposta de JAS não passava de um delírio semafórico. Cá para mim, não percebeu que assim ficamos todos felizes: abortar é crime, mas só no papel. No tribunal, não é. Mais ou menos como os impostos para certos contribuintes: devem pagar-se, mas não se pagam e depois -, depois não lhes acontece nada.

Uma magnífica solução esta do 'faz de conta', sobretudo vinda de quem, como JAS, se diz preocupado com a crise de valores! (Fico a pensar no que proporia, se não estivesse). Merece o prémio de Grande Fingidor.

Maria Manuel Leitão Marques