terça-feira, 16 de dezembro de 2003

A CONFIANÇA ENVIUVOU

Na sexta-feira vi o Marítimo-FCP na televisão. Não todo, mas quase todo. Sou benfiquista - também tenho essa virtude, além de outras que não vêm agora ao caso. O que me espantou no modo de jogar do Marítimo, o que faz toda a diferença para o futebol que a equipa do Benfica pratica, foi a confiança que transpira no seu modo de jogar. Mesmo sabendo que alguns dos jogadores do Benfica não serão grande espingarda, são inegáveis as suas 'vantagens comparativas' quando confrontados um a um com os do Marítimo. Idem para a equipa no seu todo. E no entanto -
É a confiança, estúpido! - apetece berrar e é verdade. Movimentar-se sem bola, confiando que ela me vai chegar; ousar sair da minha posição habitual, sabendo que outro a ocupará; pressionar o jogador adversário, seguro de que os meus cobrem os restantes; iniciar uma jogada, certo de que a minha equipa a acompanha e ajuda a construir. E por aí fora, sendo que não somos bons, mas damos o melhor e gostamos de jogar à bola. No Benfica é ao contrário: cada qual é 'muita bom', mas não pode contar com mais ninguém; tem rasgos geniais, mas mais ninguém acredita nisso, preferem ficar a ver se sim ou se não.
A culpa deste estado de coisas que paira para os lados da Luz, não sei de quem é. Mais vale deixá-la morrer solteira, como é hábito entre nós. De resto, já é assim desde o Génesis. Na parte final do mito da criação, Deus pergunta a Adão se é ele o culpado. Qual o quê! Adão passa a bola a Eva, esta à serpente e só ficamos sem saber a quem culparia a serpente, porque Deus, cansado do jogo, já não lhe pergunta nada.
Aceitemos então que a culpa morra solteira. O pior é a confiança ter ficado viúva. Ao contrário daquela com que ninguém conviveu, já o país andou casado com esta. Avivando a memória (e sem recuar aos tempos que agora os neo-conservadores deram em considerar não-democráticos): ainda se recordam dos anos 86-90; ou do período 96-99?
Os economistas dizem que a confiança é um factor 'imaterial' decisivo (há Prémios Nobel atribuídos a quem investigou nesta área). A gente dos media diz que é difícil de conseguir e fácil de se perder. Os políticos pedem-na todos os dias. Os psiquiatras afirmam que sem ela só há vidas sofridas e torturadas. Consumidores, clientes e fornecedores deixam de o ser se a perdem. Todos sentimos (sabemos) que sem confiança não há futuro minimamente apetecível.
Que raio! Talvez valha a pena parar um momento para pensar como e porquê nos divorciámos dela. Mais importante ainda: como a poderemos recuperar? Alguém tem uma pista?

Jorge Wemans