sábado, 21 de maio de 2016

Fundamentalismo

1. Há quem critique a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que condenou a indemnização de danos um militar que acusou o então candidato presidencial Manuel Alegre de "traição à pátria", por este ter apoiado a luta de libertação das então colónias portuguesas. Eu penso que o tribunal decidiu bem.
A difamação e a injúria são crimes previstos e punidos no Código Penal e visam sancionar a ofensa de um direito fundamental previsto na Constituição, nomeadamente o direito ao bom nome e reputação (art. 26º da CRP). Trata-se de um "direito de personalidade" universal, que vale também nas relações entre particulares, e os políticos no ativo não perdem esse direito.
Ora, acusar alguém de ser "traidor à pátria" é uma das acusações mais infamantes que se podem fazer a um político, sobretudo quando ela não tem nenhum fundamento, visto que o crime de traição à pátria, tal como previsto no Código Penal, supõe o "uso da violência ou a ameaça dela ou usurpação ou abuso de funções de soberania" por parte do alegado "traidor" - o que obviamente não era o caso de Manuel Alegre aos microfones da Rádio Portugal Livre antes do 25 de abril.

2. É certo que um certo fundamentalismo dominante, com apoio numa infeliz jurisprudência do TEDH de Estrasburgo, atribui proteção absoluta à liberdade de expressão quando os alvos são políticos.
Mas tal como todos os demais direitos fundamentais, a liberdade de expressão não é um direito absoluto, sofrendo limitações derivadas da proteção constitucional de outros direitos fundamentais, - como o já referido direito ao bom nome e reputação, o direito à privacidade, o direito à imagem e à palavra - e de outros interesses constitucionalmente protegidos, como o segredo de Estado ou o segredo de justiça.
Absolutizar a liberdade de expressão para justificar todo o tipo de ofensas à honra alheia significaria aniquilar aqueles outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, o que não tem nenhum cabimento constitucional.