quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Combater a corrupção e a injustiça fiscal

"Fala-se muito em combate à corrupção, por estes dias. Por causa da prisão do ex-PM Sócrates, da condenação a prisão do ex-líder da bancada do PSD Duarte Lima, das prisões de altos quadros do Estado indiciados nos "vistos dourados". E por causa do BES, dos submarinos, do BPN, do BPP  - estes, casos em que estão em causa montantes astronómicos esbulhados ao Estado e, singularmente, não há presos...
Por causa também do Índice de Percepção da Corrupção publicado pela Transparência Internacional que posicionou Portugal estagnado entre Chipre e Porto Rico.  Porque, embora se multipliquem os casos de corrupção expostos, os portugueses não vêem serem punidos corruptores e corruptos -  o que foi confirmado por um relatório da OCDE que põe Portugal no topo dos países onde os grandes subornos no Estado gozam de total impunidade.
Não faltam oportunidades para reciclar a corrupção com a obcessao austeritária do Governo  - dos devedores não importunados do BPN, no BES ainda por avaliar os estragos, nos "vistos dourados", nas privatizações ao desbarato. O Governo gaba-se de combater a fuga ao fisco com as facturas exigidas a cabeleireiras e bate-chapas, mas faz aumentar os investimentos de portugueses em paraísos fiscais - só no Luxemburgo entre 2011 e 2013 duplicaram para 14 mil milhões de euros, segundo o FMI.
Para explorar a prisão de José Sócrates, o Primeiro Ministro trouxe de volta a criminalização do enriquecimento ilícito, que o própria coligação enterrou com  uma formulação toscamente inconstitucional.  Eu, que sempre defendi a consagração na lei do crime de enriquecimento injustificado, penso que o PS deve sem demora apresentar um projecto de lei que o logre, sem inverter o ónus da prova - o que é possível.
Mas combater a corrupção está para além de mais legislação - como há dias observou António Costa: depende de vontade política. Em todos os azimutes.  Desde logo no seio dos próprios partidos políticos e no parlamento - onde é crucial separar os negócios da política, reforçar e controlar incompatibilidades e declarações de interesses. É preciso investir na transparência da administração, na publicitação dos documentos e actos, no escrutínio publico e no apetrchamento e capacitação dos corpos especiais  do Estado - como as policias e as magistraturas. 
Nos últimos tempos, a justiça portuguesa conseguiu reunir meios para lançar grandes operações de busca, apesar de patéticos equipamento e condições. Actuou na base de indícios e de informações a que antes não tinha acesso, mas hoje tem. Designadamente  sobre contas bancárias e activos transferidos para paraísos fiscais, como a Suíça. A cooperação judicial conseguida decorre de legislação europeia (as directivas contra o branqueamento de capitais e a directiva chamada das poupanças)  e também americana: ambas encurralaram a Suíça, forçando-a  a cooperar na investigação de crimes fiscais,  além dos de corrupção.  
No Congresso do PS eu pedi o compromisso de que "amnistias fiscais nunca mais" - esta é uma questão central não apenas de justiça fiscal, mas também da luta contra a corrupção. Os RERT - Regime Especial de Regularização Tributária, introduzidos pelo governo de Sócrates em 2005 a pretexto de atrair capitais parqueados no exterior, revelaram-se um expediente perverso para capturar o Estado e lavar dinheiro ilicitamente adquirido. Em 2005 e 2010 aplicando uma taxa obscena de apenas 5% sobre os capitais repatriados. Em 2012, graças à investigação Monte Branco, o Governo de Passos Coelho e Portas tinha cerca de 4 mil milhões identificados e detidos por portugueses na Suíça e noutros paraísos fiscais. Podia ter accionado mecanismos de confisco ou taxas brutais de imposto, tal como aplicou à classe média em Portugal : mas preferiu subir a taxa para uns módicos 7,5 % e foi mais longe na perfídia ao serviço de corruptos e grandes criminosos fiscais - branqueou-lhes dinheiro e crimes, sem obrigar, sequer, ao repatriamento dos capitais.
A prisão do ex Primeiro Ministro José Sócrates abalou o PS e o país e vai afectar os tempos à nossa frente, para além das legislativas. Se José Sócrates estiver inocente ou não for sequer acusado, enfrentaremos o descrédito, o descalabro, no sistema de Justiça: torna-se mais premente e profunda a reforma a fazer pelo próximo Governo. Se Sócrates for culpado e a justiça for capaz de o provar, o PS, por muito que isso custe a muitos,  terá de exigir punição exemplar - não apenas porque ser antigo PM tem de ser causa de agravamento da culpa, mas porque terão sido traídos o próprio PS e os portugueses.
Seja qual for o cenário, ao PS cabe de tomar a iniciativa, assumir compromissos para o futuro e apresentar propostas que desde já confrontem o Governo com as suas responsabilidades no combate à corrupção, incluindo através do confisco em favor do Estado dos proventos da corrupção e da criminalidade fiscal conexa.
Termino com uma pergunta que tem a ver com aquilo de que falo:
- o MNE anuncia uma visita a Luanda em breve: vai instar o Presidente José Eduardo dos Santos a cumprir a garantia firme definitiva e irrevogável que prestou ao BESA?"

Transcrição da minha crónica desta semana no Conselho Superior, ANTENA 1 (9.12.2014)